Com que idade as crianças desenvolvem sua identidade de gênero?

Pesquisadores mostram que bebês levam anos até começarem a considerar que o gênero é algo estável e adotarem essa informação como parte de suas identidades

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Vanessa LoBue para o site The Conversation

Geralmente considera-se o gênero como uma característica estável: nascemos homem ou mulher, e permanecemos assim conforme deixamos de ser crianças e nos tornamos adultos.

Mas acontece que, para crianças jovens, os conceitos iniciais sobre gênero são bastante flexíveis. Em minha própria pesquisa, descobri que crianças não começam a perceber e adotar comportamentos estereotipicamente de um gênero (ou seja, preferir cores como rosa ou azul) até fazerem dois ou três anos. Poucos anos depois, seus conceitos de gênero tornam-se bastante rígidos, e apesar de tornarem-se mais relaxados com relação a isso a partir da metade da infância, até mesmo adultos têm dificuldades em voltar a considerar que o gênero é algo flexível.

Como, então, as crianças passam a compreender o gênero? Quando elas começam a considerar o gênero como uma característica estável?

O que é gênero?

Muitas vezes pensamos que gênero são as diferenças biológicas entre homens e mulheres.

É verdade que o caminho do desenvolvimento de gênero tem início na concepção. Cada célula de nosso corpo tem 46 cromossomos. O esperma de um pai e o óvulo de uma mãe contêm metade deles – 23 cada um. Na concepção, os cromossomos do esperma e do óvulo emparelham-se em 22 pares idênticos – o 23o. par é o cromossomo sexual. Na maior parte dos casos, os cromossomos XX darão origem a uma mulher, e os cromossomos XY formarão um homem.

Mas isso nem sempre acontece. O gênero é o que é realmente expressado – nossa aparência, como agimos e como nos sentimos. Apesar do sexo ser determinado pelo que está escrito nos cromossomos ou pel que é ditado por nossa biologia, conhecido como genótipo, é a interação entre os genes (genótipo) e o meio-ambiente que determina o gênero.

O sexo não mapeia necessariamente o gênero com perfeição, e o meio-ambiente tem seu papel em determinar o gênero de cada pessoa.

Isso não deveria chegar a ser surpresa, já que o sexo de várias espécies de animais é determinado inteiramente pelas circunstâncias ambientais, não por sua biologia. Por exemplo, há animais que não possuem quaisquer cromossomos sexuais, e algumas espécies de peixes que habitam corais chegam a mudar de gênero de acordo com as necessidades de seu cardume. Crocodilos, jacarés, tartarugas e alguns lagartos também não têm cromossomos sexuais: seu sexo é determinado pela temperatura de seu ninho durante a incubação.

É verdade que, na maioria das vezes, o sexo e o gênero de alguém são bastante similares, mas esse não é sempre o caso. Nos últimos tempos, as linhas entre sexo e gênero estão tornando-se mais tênues, conforme as pessoas passam a se sentir mais confortáveis em identificarem-se como transgênero – ou com algum gênero que não é consistente com seu sexo. Para algumas pessoas, inclusive, seu gênero é não-binário, e existe dentro de um espectro entre o masculino e o feminino.

Os primeiros conceitos de gênero das crianças

Então quer dizer que o gênero é mais flexível do que a maioria das pessoas pensava. E surpreendentemente, quando crianças, no início consideramos o gênero como algo mais flexível do que mais tarde na vida.

Antes dos cinco anos, as crianças não parecem considerar que o gênero seja algo permanente. Um aluno da pré-escola pode perguntar para sua professora se ele era menino ou menina quando era mais novo, ou um garoto pode dizer que quer ser mãe quando crescer.

As pesquisas corroboram essa flexibilidade inicial dos conceitos de gênero das crianças. Por exemplo, num estudo muito conhecido, a psicóloga Sandra Bem mostrou para crianças em idade pré-escolar três fotografias de um garotinho e de uma garotinha por volta dos 3 anos.

Na primeira foto, a criança estava nua; na segunda, a criança estava vestida com uma roupa típica de seu gênero (por exemplo, vestido e trancinhas para a menina, camisa de botão e segurando uma bola para o menino); na terceira foto, a criança estava vestida com a roupa estereotípica do gênero oposto.

Bem, então, fez várias perguntas às crianças. Primeiro ela questionou-as sobre a foto da criança nua e sobre a foto da criança vestida com a roupa típica de seu gênero, perguntando para os pequenos entrevistados se a criança da foto era menino ou menina.

Ela então mostrou a seus pequenos entrevistados a foto da mesma criança vestindo a roupa do gênero oposto. Ela disse que a criança da foto estava brincando de se fantasiar, e fez questão de deixar a foto da criança sem roupa visível, como referência. Ela então perguntou a seus entrevistados se a criança da terceira foto ainda era menino ou menina.

A maioria dos entrevistados de três a cinco anos pensavam que um garoto que resolvia se vestir como garota agora era, realmente, uma garota. Não era até que as crianças compreendessem que meninos têm pênis e as meninas têm vaginas que elas também compreendiam que mudar de roupa não muda seu gênero.

Desenvolvendo a identidade de gênero

Outras pesquisas sugerem que o conceito de gênero das crianças se desenvolvem gradualmente entre as idades de três e cinco anos. Depois dos cinco anos, a maioria das crianças acreditam que mudanças externas em vestuário ou corte de cabelo não constituem uma mudança de gênero.

Depois que as crianças passam a considerar o gênero como uma característica estável, elas também começam a incorporar o gênero em sua própria identidade.

Por volta dessa época, elas tornam-se motivadas a se relacionar com outros membros de seu grupo e procuram informações relacionadas a gênero, muitas vezes tornando-se muito rigorosos quanto a aderirem aos estereótipos de gênero. Por exemplo, crianças entre as idades de três e cinco anos preferem brincar com outros de seu próprio gênero. Também preferem interagir com brinquedos e realizarem atividades estereotípicos de seu gênero.

Não é até poucos anos mais tarde – entre os sete e os dez anos de idade – que as crianças tornam-se mais tranquilas quanto a manter comportamentos que sejam estritamente masculinos ou femininos. É por volta dessa idade, por exemplo, que tanto meninos como meninas são capazes de admitir que “poderiam gostar de brincar com carrinhos” ou “poderiam gostar de brincar com bonecas”.

À frente de seu tempo?

A recente vinda a público de celebridades transgênero como Caitlyn Jenner mais uma vez trouxe a atenção para o fato de que, apesar de nossos cromossomos definirem nosso sexo, eles não são os únicos fatores que afetam nossa identidade de gênero.

Isso é algo que as crianças parecem saber no início, mas que a maioria delas deixa de lado conforme começam a aprender o básico sobre anatomia e incorporam essa informação em suas identidades de gênero.

Muitas vezes pensamos que as crianças são imaturas, mas pode ser que os pequenos, na verdade, estão à frente de seu tempo.

VANESSA LOBUE é professora assistente de Psicologia na Universidade de Rutgers em Newark

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2 comentários

Ivan

Conteúdo muito acadêmico e pouco útil, nada proveitoso. Uma pena o texto ser escrito mais com o vigor universitário e menos compromisso com a realidade.

Hugo

O artigo foi transcrito do original em inglês. A autora do texto é Professora de Psicologia, o público alvo do texto é o acadêmico.

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