Quatro dúvidas mais comuns sobre crianças transgênero

“Como uma criança pode saber que é trans?” “E se ela se arrepender depois?” A especialista dra. Johanna Olson respondeu essa e outras dúvidas em uma palestra na principal conferência sobre saúde trans, em agosto

por Marcio Caparica

Em agosto desse ano aconteceu nos EUA a 14a. Gender Odyssey Conference, uma conferência internacional que discute os interesses de pessoas transgênero e fora da conformidade de gênero. É uma oportunidade, entre outras coisas, para pais de crianças transgênero se conhecerem, trocarem experiências, e informarem-se melhor sobre como ajudar seus filhos com sua identidade de gênero.

Uma das principais palestrantes da conferência foi a médica Johanna Olson, diretora do Centro de Desenvolvimento e Saúde da Juventude Trans do Hospital Infantil de Los Angeles, onde atende quase 500 pessoas transgênero com idades entre 3 e 25 anos. A blogueira gendermom relatou em seu blog, em que compartilha histórias de como está criando uma menina que revelou-se transgênero aos três anos de idade, como foi a palestra da especialista. Reunimos abaixo as respostas para as quatro perguntas mais comuns que adultos fazem com relação a crianças transgênero, extraídas da palestra da dra. Olson.

1. Como uma criança tão jovem pode ter certeza que é transgênero?

“Todo mundo me pergunta isso”, diz a Dra. Olson. “As pessoas vêm me dizer, ‘Como alguém pode saber qual é seu gênero com tão pouca idade?’. Acontece que eu já ouvi pessoas falando isso a respeito de pessoas com 3 anos de idade, e a respeito de pessoas com 21 anos de idade!”. Olson aponta que essa pergunta nunca é feita quando o jovem é cisgênero. “Com pessoas cisgênero, se uma menina resolve se candidatar para rainha do baile, ninguém fala para ela: ‘Não sei se você deveria fazer isso, querida, a gente ainda não tem certeza se você é menina’.”

A dra. Joanna Olson citou pesquisas que apontam que esses temores são infundados. “Pesquisas feitas desde os anos 1970 demonstram que a constância de gênero permanece intacta a partir dos três ou cinco anos de idade.” Ou seja, uma criança de sete anos que  afirma que é de outro gênero sabe muito bem o que está falando – tanto quanto uma criança da mesma idade que afirma que é cisgênero.

Ela também aponta que muitos duvidam mais da identidade de gênero do jovem se ele espera até tornar-se adolescente para revelar-se para os pais. “Dizemos para nossos filhos que não há como eles saberem qual é seu gênero aos três anos de idade. Eles são jovens demais! Mas daí, se eles esperam até tornarem-se adolescentes para nos contar, nós dizemos ‘por que você esperou tanto para me dizer que é transgênero? Por que você não me contou quando tinha três anos?’.”

2. Por que você não deixa seu filho simplesmente crescer com gênero neutro?

“Por que você tem que impor um gênero em seu filho? Por que não mantém tudo neutro?”, provoca a dra. Joanna Olson. Em resposta, ela mesma conta uma história:

Vários anos atrás, quando estava grávida de oito meses, eu recebi um convite de um produtor de TV famoso. Ele gostaria que eu participasse de uma reportagem para um programa de TV muito conhecido. Ele veio até o hospital onde eu trabalhava com jovens transgênero, e me acompanhou com as câmeras durante o dia inteiro. Uma das primeiras perguntas que ele me fez foi, apontando para a barriga: “O que é?”.

Eu respondi: “um bebê”.

Durante as oito horas seguintes, o produtor fez essa pergunta mais doze vezes: “O que é? O que é mesmo?”.

E eu respondi todas as vezes: “um bebê”.

No fim do dia, eu não aguentava mais. Quando ele perguntou mais uma vez o que era, eu respondi: “Cachorrinhos! Eu estou grávida de cachorrinhos!”.

“Isso me fez pensar em como nós ficamos desconfortáveis quando não sabemos o gênero de alguém, mesmo antes dessa pessoa nascer. Isso torna criar seu filho num ambiente de gênero neutro muito difícil, se não impossível, a não ser que você more no meio do mato num lugar sem outdoors, sem TV, e sem qualquer interação com outro ser humano. Quem sabe daí alguém consiga criar uma criança de gênero neutro.”

3. E se a criança muda de gênero e depois se arrepender?

E se esse pirralhinho, que insiste tanto que é de outro gênero, crescer e descobrir que não era nada disso? “Nunca se registrou um caso – nem um caso sequer – em que uma criança foi prejudicada por ter realizado a transição social e depois voltar atrás,” afirma a dra. Joanna Olson. Por transição social, entenda-se as mudanças que não necessitam de qualquer intervenção médica, como mudança de nome e de pronomes, mudança de roupas, e apresentar-se em situações sociais em outro gênero. “Pura questão de logística, não médica”, afirma a doutora.

Não há discussões clínicas sobre os efeitos nocivos dessa mudança de ideia porque eles vitalmente não existem. “Alguns jovens disseram ‘E, foi meio constrangedor dizer para meus pais que eu tinha mudado de ideia’, mas nenhum jamais disse ‘Minha vida foi para o ralo e eu não consegui ir para a faculdade'”, continua.

4. Como saber se a criança realmente é transgênero ou apenas não se ajusta aos padrões de gênero?

O garotinho que não tira a fantasia de princesa de sua irmã está apenas experimentando novas cores e novos estilos? A menininha que quer passar máquina zero na cabeça igual a seu é uma moleca? Ou eles são transgênero? Muitos garotos amam as princesas, e muitas meninas gostam de esporte e cortes de cabelo sem frescura. Isso não quer dizer necessariamente que eles são trans. As estatísticas apontam que a maioria deles não é. Como, então, saber quais são trans?

“Não há qualquer tipo de exame que se possa fazer”, lamenta a dra. Joanna Olson. Mas ela afirma que há indícios, chamados de “preditivos de persistência”. Muitas vezes as crianças que vão “persistir” em sua identidade transgênero têm atitudes como:

  • Elas dizem que SÃO de outro gênero, ao invés de dizerem que gostariam de ser de outro gênero.
  • Elas ficam muito perturbadas por seu gênero de nascimento. Essas são as crianças que tentam cortar partes do corpo com cortadores de unha, fio dental, ou tesouras. São as crianças que tomam banho de roupa. Elas sofrem com ferimentos causados a si mesmos e pensamentos suicidas, porque viver e não se sentir autêntico é muito, muito ruim para elas.
  • Roupas de banho e roupas íntimas são uma grande diferença entre as crianças que só querem se vestir com as roupas de outro gênero e as crianças que nos dizem que realmente SÃO de outro gênero. É muito comum que crianças transgênero peçam para usar roupas íntimas de acordo com o gênero com que se identificam.
  • Quando se pergunta para essas crianças como elas se enxergam quando crescerem, a resposta vem num gênero diferente daquele com que nasceram.

A médica enfatiza que esses são apenas indícios, e não há um manual de regras para se identificar uma criança transgênero. O melhor a se fazer, insiste, é simplesmente escutá-las. “Ninguém melhor do que você mesmo sabe qual é seu gênero, e o mesmo vale para as crianças. Às vezes pergunto para elas: ‘qual é seu gênero quando você está sonhando?’.”

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5 comentários

Ralfle

não gostei da matéria por alguns simples fato.

As respostas sempre são com outras perguntas, parece que as quatro dúvidas estão sendo feitas para ofender ou criminalizar e as respostas que mais jogam perguntas no ar estão mais com tom de “vitimismo”, entende? Vou dar um exemplo:

alguém vai e pergunta: “Você acredita em Deus”?
a pessoa ao invés de responder baseado na sua opinião ou de estudos feitos sobre o tema responde da seguinte maneira

“Você acredita no saci? Não? É porque vc nunca viu, então porque essa sociedade quer me forçar a acreditar num ser mágico que tem o poder de criar coisas do nada isso é uma forma de limitar as pessoas, torna as pessoas irresponsáveis pelos seus próprios atos, essa sociedade atual te faz seguir crenças que blá blá blá blá blá blá blá”

tem gente que tem que parar de encarar certas curiosidades como uma forma de ofensa, desnecessário isso. A matéria aí não respondeu NADA!
“””””””””
Olson aponta que essa pergunta nunca é feita quando o jovem é cisgênero. “Com pessoas cisgênero, se uma menina resolve se candidatar para rainha do baile, ninguém fala para ela: ‘Não sei se você deveria fazer isso, querida, a gente ainda não tem certeza se você é menina’.”
“””””””””

que argumento mais ridículo, parece até um pecado capital ver uma pessoa que biologicamente deveria ser menino agindo e se dizendo ser menina e achar diferente, fora do casual (como se o casual fosse errado) não porque a sociedade fala isso e aquilo, reclame com a biologia que criou dois sexos e não 3, 4 ou 5. É foda! A gente que pesquisa sobre o assunto para entender e ver gente dizendo “não há nada para se entender aqui, é normal” pqp, faz parecer que só o fato de pesquisar sobre o assunto já é uma ofensa porque pra todo lado que olho tem esse tipo de resposta vitimista até pra quem só que entender do assunto e sempre o mesmo tipo de matéria que tenta enfiar na sua cabeça o seguinte, “é normal, não precisa entender pois é normal, apesar de acontecer com 1 a cada não sei quantas milhares de pessoas… É normal” Assim como a sindrome de down, é normal também, o que todo pai e mãe recebe como resposta quando tenta entender sobre este problema é que é comum, é normal e que tem várias crianças com down que se tornam gênios em algo, sou testemunha desse tipo de argumento pois conheço pais que tem o filho com down e pessoas próximas a eles…

Enfim, essa é minha critica em relação a esta matéria pois tem gente que assim como eu tenta entender ao invés de criticar ou elogiar algo e acaba encontrando esse tipo de artigo pela internet.

Luiza

Concordo com Ralfle! Tb achei a matéria evasiva. A parte que questiona se uma menina resolve se candidatar para rainha do baile, é simplesmente ridícula! As perguntas não são respondidas e sim devolvidas. Muita gente não entende esse lance de trans, por isso tantas dúvidas. Precisa haver mais esclarecimentos a fim de minimizar os preconceitos. Li um artigo de uma menina que fez a transição completa, virou um homem , mas namora homem ou seja ela é trans gay. Imagina como fica a cabeça da família para entender um lance desses? A menina vira homem para sofre dois tipos de preconceitos … sou completamente a favor de toda e qualquer liberdade, não acho que gênero ou orientação sexual defina ninguém, e apoio totalmente vc ser o que quiser , durante o tempo que quiser e como quiser, mas explicar isso para pais desinformados requer muito cuidado. Por tanto precisa de respostas e informações mais completas qdo se trata de gênero.

João P

Dúvidas muito comuns devido a falta de informação e orientação por partes das pessoas. As vezes sinto que o mundo evoluiu, mas a maior parte de seus habitantes não, porque um simples post como esse pode esclarecer a mente de uma boa parte das pessoas que ainda se mantem alienadas quanto a orientação de gênero de crianças.
Tomei 10 minutos do meu dia, não tenho filhos transgêneros (nem Cisgêneros), mas foram 15 minutos que ampliaram minha visão sobre um tema “polemico”; quantos pais e mães sofrem por não possuírem um pequeno conhecimento prévio sobre o assunto?

Orientação de gênero deveria ser um tópico facilmente abordado no âmbito familiar por profissionais responsáveis (psicólogos, agentes sociais) bem como pelas mídias digitais, mas ainda é um tabu que persiste em muitos países, e que tem um impacto muito negativo sobre eventuais crianças que se considerem transgêneros D=

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