Malta aprova a lei de identidade de gênero mais progressista da Europa

Mesmo católico, Malta aprova a lei de identidade de gênero mais progressista do mundo

Quando for sancionada, legislação do país permitirá que pessoas alterem legalmente seu gênero apenas preenchendo uma declaração juramentada em cartório

por Marcio Caparica

Malta é um país situado no meio do mar Mediterrâneo. Sua maior ilha tem apenas 246 km². Ela faz parte da União Europeia desde 2004. O catolicismo é a religião oficial do país, definida na Constituição. E no entanto, nesta quarta-feira (1º), o legislativo desse país aprovou o que se considera a lei de identidade de gênero mais avançada do mundo.

A lei, muito mais progressista que qualquer outra aprovada por outros países europeus, possibilitará que pessoas alterem legalmente seu gênero apenas preenchendo uma declaração juramentada num cartório. Ela também remove a necessidade de se fazer uma cirurgia de adequação de sexo antes de se mudar o gênero em documentos de identidade. Ela permite que as pessoas optem por não declarar seu sexo ou identidade de gênero em documentos oficiais, e define que a cirurgia de adequação de sexo é razão válida para licença médica. A nova legislação também inclui crimes contra pessoas LGBT e intersex na categoria de crimes de ódio, e permite que pessoas trans mudem sua identidade mesmo enquanto casadas.

Ela também aborda a questão das crianças intersexo, que nascem sem genitália claramente masculina ou feminina. Especialistas estimam que entre 0,1% e 0,2% dos bebês nascem com órgãos genitais atípicos, que não permitem que se defina o sexo biológico do recém-nascido. Em grande parte do mundo, os médicos realizam cirurgias para definir a genitália do bebê como claramente masculina ou feminina. A lei maltesa, no entanto, proíbe “tratamentos sobre as características sexuais de uma pessoa que não sejam medicamente necessárias” sem o consentimento explícito dos pais, e permite que esses pais também adiem registrar na certidão de nascimento qual é o gênero da criança o quanto considerarem necessário.

Essa legislação agora segue para a mesa da presidente Marie-Louise Coleiro Preca, que, segundo ativistas LGBTs, deve sancioná-la. Parte do Partido Trabalhista do país, ela tomou posse em 2013, com uma plataforma de campanha explicitamente pró-LGBT. Um dos primeiros atos de seu governo foi resolver um processo judicial de uma mulher trans, que já corria há sete anos, a quem era negado o direito de se casar com seu parceiro. A corte maltesa não a considerava legalmente mulher, mesmo já tendo alterado seu gênero em seus documentos, nem tampouco oferecia o casamento homoafetivo. Em 2014 o novo governo instituiu a união civil no país – com os mesmos direitos legais que o casamento – e colocou em sua constituição uma proibição à discriminação por identidade de gênero.

A influência católica no país é tão forte que sua constituição define o Catolicismo como a religião oficial do país. O divórcio só foi legalizado em Malta em 2011, depois de um plebiscito de resultado apertado (o que faz com que os únicos países do mundo sem quaisquer leis de divórcio hoje em dia sejam as Filipinas e o Vaticano). O clero católico foi tão agressivo durante as campanhas do plebiscito que, depois, teve que desculpar-se por seu tom agressivo. As autoridades religiosas agora estão mais discretas: dessa vez apenas divulgaram em dezembro uma lista de “comentários e preocupações” a respeito da lei, que, argumentam, não passa de “ideologia de gênero segundo a qual as pessoas poderão determinar livremente se querem ser homem ou mulher e livremente escolher sua orientação sexual de forma arbitrária”. Mas antes sentiu a necessidade de elogiar “uma cultura de dignidade em que todos os cidadãos, independente de nacionalidade, status, orientação sexual, gênero, idade ou realizações, vive numa cultura inclusiva de reconhecimento entre seres humanos”, e admite que “aqueles que vivenciam questões relacionadas a sua identidade de gênero” têm “um direito à igualdade, e não devem sofrer qualquer forma de discriminação, estigmatização ou marginalização”.

“O governo de Malta colocou a igualdade LGBT com firmeza em sua agenda, e está entusiasmado por poder estabelecer as bases corretas para leis e medidas públicas”, afirmou Silvan Agius, coordenador de medidas públicas para os direitos humanos do Ministério do Diálogo Social, Consumo e Liberdades Civis do país. O co-diretor da sucursal europeia da Associação Internacional de Lésbicas e Gays (Ilga), Paulo Côrte-Real, comemorou: “Dizer que essa lei é um marco nos direitos humanos seria subestimar essa situação. Ela oferece uma referência para outros países europeus que precisam melhorar seus padrões de igualdade para LGBTs. Essa lei é um facho de esperança – e é um testamento da liderança política e trabalho duro do movimento LGBT de Malta.”

O Brasil poderia seguir esse exemplo também. A Lei João Nery ainda aguarda ser aprovada.

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7 comentários

Bruno

Acho interessante quando misturam informações que são consideradas tabus pelo moralismo cristão e ao mesmo tempo situações homoeróticas e histórias revolucionárias. Eu sou a favor da IDentidade de gênero, mas acho que seus idealizadores não deveriam misturar com a IGualdade de gênero feminista. Cada luta tem um enfoque. Misturar vários ideais ativistas de luta por mudanças no comportamento humano termina gerando mais ódio dos conservadores pela causa. Por exemplo, sou ativista pelo Direito dos animais há mais de uma década. Se um movimento vegano quer participar da causa, este é bem vindo. Mas, se este grupo passa a usar ou impor, mesmo que discretamente, a dieta vegana como ferramenta no combate aos maus tratos aos animais, o foco da luta se distorce e ganha ainda mais críticos. O foco é a luta por políticas públicas para o bem estar dos animais, e não a mudança da dieta das pessoas. Enfim, é só a minha opinião.

Apesar de eu acreditar nos conceitos da biologia, contradizendo a visão revolucionária que é mais epistemológica, e acreditar em instintos distintos entre macho e fêmea – ainda que influenciado, muitas vezes, pelo ambiente cultural e sociológico – uma criança que apresenta traços comportamentais típicos dos estereótipos femininos ou masculinos diferentes do seu sexo biológico poderia ser estimulada pelos pais a vivenciar as duas coisas – os dois gêneros – para ver até onde a criança pode chegar. Às vezes pode ser apenas uma fase, às vezes não. Caso o gênero trans se configure mais forte com o passar do tempo, na minha opinião, os pais deveriam incentivar a transformação da criança no gênero oposto do sexo da criança com o uso de hormônios ou oferecendo vestes e objetos de identidade. Eu como pai faria isso. Acontece que eu sou revolucionário no campo das ideias, assim eu enxergo o mundo. Já na sociedade atual, nem tudo e todos compartilham das ideias revolucionárias. Se os pais não aceitam a transexualidade do filho/a, fica difícil conduzir a criança para o caminho correto da identidade LGBT/Trans. Ainda assim, devemos respeitar a atitude dos pais.

lucilene dos santos pimenta

como faço para participar deste resort gostaria, amaria estar num ambiente que eu poderia considerar meu mundo ¨meu mundo gls¨ sou natural do brasil são paulo ,e eu não sabia que tinha ,na verdade eu não sabia que existia estes eventos . adoraria me ver num mundo tão meu só rodeada de mulheres .

Li

Apesar de católico…. qual o motivo dessa objeção ? não vejo necessidade, vc faz questão de criticar os católicos em todo o momento isso já está ficando repetitivo, to a cada dia deixando de visitar esse site.

Marcio Caparica

“Apesar de católico” porque a igreja católica tem influência tão grande no país que conseguiu impedi-lo de ter uma lei sobre divórcio até 2011. Porque a Igreja Católica ainda não aceita nem homossexuais nem transexuais, apesar dos passos cuidadosos e tímidos que o papa Francisco está fazendo. É uma avaliação dos fatos: se dependesse da hierarquia católica, essa lei não teria sido aprovada.

Leon

O trabalho de vocês é excelente, vale a pena demais seguir. Foda é que tem gente que não consegue enxergar os erros das religiões e vem aqui falar que está “cansado”, que as críticas são “repetitivas”…. Repetitivo é o discurso de ódio que nos nega direitos e nos violenta a toda esquina!

Antonio

Também não tava claro pra mim, achei que estava falando que o país é católico, com maioria católica. Sabe, tipo o Uruguai.

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