O vírus HIV foi identificado em 1984, quando a epidemia da Aids já havia se espalhado pelo mundo e ceifava milhares de vidas. Desde então médicos otimistas apostam em uma vacina ou cura do HIV para os próximos 10 ou 15 anos. E, no entanto, mais de 30 anos já se passaram, e nem sinal de vacina. Qual é a grande dificuldade para desenvolvê-la, afinal de contas?
O vírus HIV tem três características que permitem que ele escape das maneiras tradicionais de se criar vacinas:
- Sua diversidade genética é bastante ampla. O ciclo de replicação do HIV dentro do nosso corpo dura pouco mais de 24 horas. Além de ser bastante veloz, esse processo tende a não ser dos mais exatos, o que faz com que ele sofra mutações constantes. Já foram identificadas mais de 60 linhagens dominantes do vírus, e esse processo de mutação está sempre acontecendo. As vacinas convencionais em geral funcionam com um número pequeno de linhagens de um vírus. Descobrir uma arma que combata todas as linhagens espalhadas pelo mundo, e ainda seja eficaz contra futuras mutações, é um grande desafio.
- O HIV ataca a própria estrutura de defesa do corpo. A maneira mais clássica de se criar uma vacina é introduzir no corpo humano versões desativadas ou enfraquecidas de vírus ou bactérias. Exposto a essas versões enfraquecidas, o corpo aprende a se defender e torna-se capaz de eliminar as versões normais desses invasores. Num cenário normal, células presentes no nosso sangue chamadas CD4 avisam o nosso corpo que há organismos estranhos na área, o que faz com que outros anticorpos sejam enviados para eliminar a ameaça. Acontece que o HIV ocupa essas células CD4 para se replicar e as destrói. Ou seja, ele desmonta o sistema de alerta do corpo, que não consegue mais perceber que está sendo invadido – nem pelo HIV nem por outras doenças. Por consequência, puxa o tapete das estratégias clássicas de vacinação.
- O vírus HIV se esconde muito bem de nossas defesas. O HIV também tem a capacidade de permanecer num estado latente, chamado de “pró-viral”. Nesse estado, ele apenas invade células e fica lá, quietinho, duplicando-se quando a célula se duplica, mas sem desencadear o estado de replicação acelerada que faz com que suas cópias caiam na corrente sanguínea. Isso faz com que se formem no corpo os chamados reservatórios latentes, ou seja, esconderijos de vírus no corpo que ainda não conseguimos eliminar com os remédios existentes. É por isso que, mesmo quando uma pessoa consegue tomar medicamentos e ficar com uma carga viral indetectável, ela não está curada: ainda há vírus HIV escondidos em seu organismo, esperando por condições favoráveis para voltarem a atacar. Como localizar e eliminar esses vírus latentes é um problema que os médicos ainda não conseguiram resolver.
Pesquisadores de diversos países estão atacando cada uma dessas características do HIV nos esforços para se desenvolver uma cura ou vacina. Há estudos que tentam descobrir por que algumas pessoas são naturalmente imunes ao HIV. Ao estudar esses indivíduos, cientistas já conseguiram isolar nessas pessoas anticorpos que conseguem eliminar 90% das linhagens de HIV conhecidas. Eles agora estão tentando descobrir maneiras de fazer com que outras pessoas produzam os mesmos anticorpos, e garantir que esses novos anticorpos não acabem prejudicando o corpo ao, por exemplo, atacar células saudáveis do corpo.
Outros cientistas estão tentando descobrir uma maneira de fazer o organismo desenvolver uma quantidade grande de anticorpos que matam o HIV sem que ele seja exposto ao vírus verdadeiro, que mata as células CD4 antes desses anticorpos surgirem. Os pesquisadores adicionaram a um vírus da herpes conhecido como CMV um fragmento da versão do HIV de macacos, o SIV. Os macacos-cobaia, ao receberem essa versão do vírus da herpes com um pedacinho de SIV de brinde, produziam anticorpos capazes de eliminar o SIV verdadeiro sem terem seus níveis de CD4 afetados.
Para tentar resolver o problema dos esconderijos, a medicina está pesquisando duas estratégias. A primeira é a chamada “kick and kill”: usar um medicamento que faça com que o vírus saia de seus esconderijos, e depois outro que o elimine do organismo. Essa estratégia já deu resultado em um paciente, eliminando o HIV de seu corpo até o momento – ainda são necessários vários anos de acompanhamento para que se tenha certeza que ele vai continuar assim. Outra estratégia é fazer com que o corpo passe a enxergar as células com o HIV dormente como invasoras, desencadeando a produção natural de anticorpos contra essas células que via até então como inofensivas. As drogas capazes de fazer isso são chamadas de antagonistas de TLA, e estão sendo testadas – também com sucesso – em macacos.
Se a vacina ou cura virá de uma estratégia só ou de uma combinação de várias delas, ainda não sabemos. O que é certo é que a solução não virá assim tão cedo. Até ela ser descoberta, a melhor solução continua sendo a prevenção: usar camisinha e, em caso de comportamento de risco, correr para um centro de saúde e pedir para tomar o coquetel antirretroviral.
Fontes
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