Dedo sangrando transmite HIV?

Por quanto tempo o vírus HIV sobrevive fora do corpo humano?

Entrar em contato com sangue ou outros fluidos corporais expostos ao ar oferece risco de infecção pelo HIV? Esclareça suas dúvidas

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Dennis Sifris e James Myhre para o site Verywell.com

“Estava transando com uma pessoa e ela gozou na minha mão. Depois vi que havia um pequeno corte em um dos meus dedos. Será que posso ter contraído HIV? Devo me preocupar?” Essa pergunta e suas variantes é uma das mais recorrentes, e depende da resposta para uma dúvida bem comum: o vírus HIV é capaz de infectar alguém quando é expelido para fora do corpo humano? Quanto tempo ele sobrevive fora do organismo de uma pessoa?

A resposta mais comum para essa pergunta – a que costuma-se encontrar em folhetos e outros materiais de informação – é “não por muito tempo”. A resposta-padrão da saúde pública hoje em dia afirma, com razão, que o HIV é um vírus fraco que, quando exposto ao ar, sobrevive apenas por alguns minutos na melhor das circunstâncias (para o vírus, claro).

Muitos consideram que essa resposta é vaga e incompleta. Sem dúvida, se houver quantidades maiores de sangue ou fluidos corporais, faz sentido que o HIV sobreviva por mais que poucos minutos, não é?

Sendo honeste, a  resposta para essa questão é “sim”.

Sob certas condições, o HIV é capaz de sobreviver por períodos de tempo bem mais longos, às vezes por horas ou até mesmo dias se estiver em condições ideais de temperatura, pH, exposição à luz e umidade. É muito difícil que o conjunto total de condições para que isso aconteça ocorra ao mesmo tempo, mas sim, é possível.

Isso quer dizer que uma pessoa que entre em contato com um sangramento, sêmen ou outros fluidos corporais expostos ao ar corre o risco de ser infectada?

A resposta para essa pergunta é quase sempre “não”.

A presença do HIV em fluidos corporais derramados ou descartados não quer significa que haja potencial infeccioso. Mesmo que haja condições para que o HIV sobreviva em quantidades microscópicas, sua transmissão requer, além quantidades significativas do vírus, que esses vírus sejam capazes de alcançar células específicas dentro do corpo humano. A não ser que todos esses requisitos sejam alcançados, a infecção não ocorre.

Como determinar o potencial de infecção pelo HIV

Quando se discute o potencial de infecção pelo HIV, é importante primeiro estabelecer os quatro critérios que obrigatoriamente têm que acontecer para que ocorra uma infecção:

  1. Deve haver presença de fluidos corporais em que o HIV pode existir, como sêmen, sangue, fluidos vaginais ou leite materno. O HIV não é capaz de sobreviver quando exposto ao ar ou em partes do corpo de alta acidez (como o estômago e a bexiga).
  2. Deve existir uma rota de transmissão, como certos atos sexuais (penetração vaginal ou anal, principalmente), compartilhamento de seringas, exposição profissional ou transmissão de mãe para filho (via leite materno).
  3. Deve haver uma maneira do vírus alcançar células vulneráveis dentro do corpo, seja por meio de rompimentos ou penetração da pele, absorção por mucosas vulneráveis, ou as duas coisas. Arranhões, ralamentos ou espetadas na pele, em geral, não oferecem rotas amplas para a entrada do HIV. O HIV é incapaz de penetrar a pele intacta.
  4. Os fluídos têm que possuir quantidades suficientemente altas do vírus. Essa é a razão por que saliva, suor e lágrimas não transmitem o HIV: a quantidade de vírus nesses fluídos é insuficiente para que ocorra a infecção.

Como na imensa maioria das vezes o contato com fluidos corporais derramados ou descartados não satisfazem todas essas condições, a probabilidade de infecção por essas vias é considerada baixa a desprezível.

Mesmo em circunstâncias em que um indivíduo entra em contato com uma seringa descartada – algo que é considerado bem mais arriscado para infecção – a maioria das pesquisas sugere que o risco de transmissão é quase zero.

Uma análise ampla de estatísticas realizada na Austrália em 2003 não foi capaz de encontrar um caso sequer de transmissão de HIV ou hepatite C como resultado do contato com uma agulha descartada.

Condições para que o HIV possa sobreviver fora do corpo humano

Para que o HIV seja capaz de sobreviver fora do corpo humano por mais que alguns minutos é necessário que ocorram as seguintes condições:

  • Temperaturas frias, abaixo de 4° Celsius, são consideradas ideais para que o HIV sobreviva em seringas, onde é mais fácil que se mantenha os níveis de umidade apropriados. Em compensação, o HIV não aprecia a temperatura ambiente (20° C), e sua viabilidade é muito reduzida quando se alcança a temperatura corporal (37° C) ou mais.
  • O pH ideal para o HIV é entre 7 e 8 – o nível ideal é 7.1. Qualquer pH acima ou abaixo desses níveis é considerado impróprio para sua sobrevivência. Essa é a razão por que o HIV tem mais dificuldade para sobreviver em certas mucosas como as vias nasais e o tecido vaginal de mulheres saudáveis, e também não prospera em fezes, urina ou vômito.
  • O HIV é capaz de sobreviver em sangue ressecado em temperatura ambiente por até seis dias, mas a maioria das pesquisas já demonstrou que a concentração do vírus em sangue ressecado é quase universalmente baixa.
  • O HIV sobrevive por mais tempo quando não é exposto a luz ultravioleta (UV). A luz ultravioleta degrada os lipídios que formam a capa exterior do HIV, fazendo com que ele se torne incapaz de se prender a outras células, e também degrada o material genético de que o HIV necessita para se replicar.

O que fazer em caso de exposição

Fica claro que não há um patamar definitivo que define a quantidade de fluidos corporais ou o tamanho de uma ferida que são necessários para que ocorra uma infecção pelo HIV.

Em caso de dúvida, é melhor tomar uma atitude o quanto antes, procurando o centro de saúde mais próximo. Os profissionais de saúde poderão esclarecer quais são as chances reais da infecção ter acontecido de acordo com os detalhes de sua situação.

Se houver possibilidade de infecção, é possível fazer a profilaxia pós exposição (PEP), quando o paciente toma medicamentos antirretrovirais por algumas semanas para evitar que o vírus se instale no organismo. Isso deve ter início idealmente entre 24 a 48 horas após a exposição, mas pode ser feito até 72 horas depois de entrar em contato com o vírus.

Se, no entanto, você estiver vivenciando temores irracionais ou recorrentes quanto o HIV, considere consultar-se com um infectologista, um psicólogo ou algum outro tipo de terapeuta qualificado. Ficar procurando respostas na internet não ajuda muito a aliviar essas preocupações, e muitas vezes só faz com que aumentem.

Fontes

Thompson, S.; Boughton, C.; Dore, G.; et al. “Blood-borne viruses and their survival in the environment: is public concern about community needlestick exposures justified?” Australia and New Zealand Journal of Public Health. December 2003; 27(6):602-607.

Abdala, N.; Reyes, R.; Carney, J.; et al. “Survival of HIV-1 in syringes; effects of temperature during storage.” Substance Use and Misuse. August 2000; 35(10):1369-1383.

Tjøtta, E.; Hungnes, O.; and Grinde, B.  “Survival of HIV-1 activity after disinfection, temperature and pH changes or drying.” Journal of Medical Virology. December 1991; 35(4): 223-227.

van Bueren, J.; Simpson, R.; Jacobs. P.; et al. “Survival of human immunodeficiency virus in suspension and dried onto surfaces.” Journal of Clinical Microbiology. 1994; 32(2):571.

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8 comentários

Nathan

Muito obrigado a todos que fizeram essas enquetes. Eu fiz amizade com um mano que tem HIV, e fiquei com bastante medo de pegar pq ele e cozinheiro e talz, mas agora fico mais tranquilo em saber que o vírus não consegue viver por muito tempo fora do corpo humano. Obs: gente boa dms ele.

Edson

Adorei o artigo, sempre fica essa ? na minha cabeça sobre o tempo de infecção, se existe esse tempo de vida fora do organismo, as bolsas de sangue infectadas nos anos 80, como se explica? Não era pra não infectar ? E os profissionais com a manipulação de amostra de sangue? Poderia infectar após dias de doação de sangue?

Marcio Caparica

Quando se diz “fora do corpo humano” a gente quer dizer exposto ao ar. Bolsas de sangue (todas) não deixam o sangue exposto ao ar – senão ele coagularia e portanto não seria possível fazer a transfusão. Mesma razão por que compartilhar seringas transmite HIV: o sangue que está na seringa e na agulha da seringa não fica exposto ao ar, e portanto o vírus sobrevive para infectar os outros.

Tania DIAS

No meu watsap venho uma mensagem que estão aplicando sangue com aids ou hiv na banana e depois que abrimos e vemos a banana vermelha de sangue para não comer…PEGA AIDS COMENDO ESTA BANANA….

Marcio Caparica

Mesmo se essa história ABSURDA for verdade (e certamente não é), não pegaria HIV comendo uma banana com sangue. Agora, por que alguém comeria uma banana vermelha de sangue?

Marcio Caparica

Não é legal nem terrível. É apenas um fato. Ninguém é obrigado a contrair HIV, não sei de onde você tirou essa ideia estapafúrdia – com certeza não de nenhum texto desse site. Nós sempre promovemos a prevenção do HIV. Mas também promovemos a não-estigmatização de soropositivos. Ter AIDS é ficar doente. Ser portador do vírus HIV é apenas uma condição crônica que pode ser controlada indefinidamente.

Gaspar

Ola Marcio. Muito interessante e revelador esta materia. Mas me tire algumas duvidas: 1) somente a temperatura ambiente de 20 graus, ou mais, ja eh suficiente para inativar o virus? 2) E quando voce diz temperatura corporal de 37 graus, isso se conecta com a sua materia dos 8 mitos, referente ao “dedilhar nao pega hiv”? 3) Pois, me extendendo na pergunta 2, dizem que apenas o contato dos fluidos corporais (secreçao vaginal na glande, por exemplo), sem microlesoes, ja eh o bastante para se infectar, e isso iria contra o que disse na materia anterior.

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