Por que evangélicos não deveriam eleger pastores para cargos políticos

Eu já fiz críticas muito duras a diversas igrejas aqui, mas também já publiquei diversos exemplos de bons cristãos que optam por seguir aos ensinamentos de Cristo em detrimento do fundamentalismo para mostrar que não é apenas os LGBT que a nefasta bancada evangélica do Congresso prejudica, mas também a política e a filosofia cristã.

Entrevistei três pastores em situações diversas para debater essa questão. O primeiro desses encontros aconteceu na Comic Con deste ano, em San Diego (EUA), durante o debate sobre o livro “Deus Está Decepcionado Contigo”, uma versão irônica da Bíblia escrita pelo autor Mark Russell e ilustrada pelo cartunista Shannon Wheeler, famoso por seus desenhos na revista “The New Yorker”.

Lá na plateia estava o pastor da Igreja Batista da Carolina do Norte, Mike Parnell, acompanhando a discussão quando, quase ao fim da rodada de perguntas, ele ergue as mãos para dizer que tinha gostado do livro e que, embora muitas coisas ali fossem de sua discordância ele achava que o livro promovia um diálogo.

“É um livro que promove o diálogo, e muitos religioso não estão abertos a isso. Eu vejo por meio desse livro o que muitas pessoas se recusam a ver. A igreja tem machucado muita gente ao longo dos anos. E esse não é nosso papel. A igreja é um local de acolhimento e amor. Quando você diz que está certo e que o outro está errado, não há diálogo. Tem gente mais preocupada em impor seu ponto de vista que transformar as pessoas em discípulos de Cristo. Há uma diferença entre ser bom e estar certo”, disse ele.

Parnell frequenta a Comic Con há alguns anos por ver semelhanças entre o evento de quadrinhos e cultura pop e a igreja. “O que traz as pessoas aqui é o mesmo que leva as pessoas à igreja. O senso de comunidade, de aceitação e de pertencimento. Claro que não concordo com tudo que está no livro do Mark, mas isso não significa que ele esteja errado.”

Depois de falarmos do livro, comentei com ele o que acontecia no Brasil, da presença nociva da bancada evangélica em nosso Congresso e perguntei o que ele achava disso. “Não concordo com isso. Temos o princípio de separar Estado e religião. Nos manifestamos politicamente como cidadãos apenas. Vejo que há muitos cristão mais preocupados em impor nosso ponto de vista do que transformar pessoas em discípulos de Cristo. Ler este livro me fez ver que a igreja tem magoado muitas pessoas.”

Em seguida, o pastor falou sobre a obsessão de certas denominações evangélicas com o dízimo: “Jesus mesmo disse que muitos usariam seu nome. A prova está no trabalho que estas pessoas fazem. A igreja é feita para ajudar as pessoas, não para obter lucro.”

Efeito Malafaia

Quando o assunto é política, religião e dinheiro, alguns nomes surgem imediatamente em nossa cabeça, como Silas Malafaia, que embora não exerça nenhum cargo político, é um pastor que usa de influência para eleger políticos evangélicos.

Apontado como pivô de uma mudança no programa de governo da candidata Marina Silva (PSB), Malafaia deu entrevista ontem ao UOL em que afirmou que não tenta eleger político evangélicos para defender os interesses dos evangélicos, mas para defender a ideologia cristã, o estado democrático de direito e a liberdade de expressão. Será mesmo?

Na maior parte da entrevista –que durou quase uma hora–, Malafaia parecia estar pregando. Repetia diversas frases de efeito em voz alta e começava a responder às questões antes de a reportagem terminar de formulá-las, sempre com tom de voz elevado. E quando questionado por que gays e evangélicos não podem coexistir na mesma sociedade tendo os mesmos direitos, ironiza: “Que coexistir?!”

Quanto a defender a ideologia cristã, Malafaia está longe de ser uma unanimidade no meio. A reportagem entrevistou os pastores Ricardo Gondim, da igreja Betesda (5.000 fieis em SP e 50 igrejas pelo Brasil), e o pastor Egon Kopereck, presidente da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (240.855 membros e 532 paróquias), que criticaram seus métodos e questionaram sua influência entre cristãos.

Kopereck diz que, embora Malafaia diga aquilo que muitos pastores gostariam de dizer, seu posicionamento é radical e cria uma imagem negativa do evangélico.

“Não é assim que se implanta a fé cristã. Gostaria que o país todo fosse cristão, mas uma coisa é querer. Não posso voltar às Cruzadas e obrigar as pessoas a seguirem uma religião.”

Além disso, diz que, em sua igreja, se um pastor resolve seguir a carreira política, é encorajado a deixar o ministério. “Não apoiamos nenhum pastor que queira exercer a política partidária.”

“[O apóstolo] Paulo fala sobre os mercadejadores da fé. E eu considero que vivemos um tempo em que esses pastores são o equivalente aos cambistas do templo. Eles não são sacerdotes. E ainda por cima fazem política com p minúsculo. Não têm projetos pela saúde, pela educação… Quantos desses pastores você viu por aí apresentando alguma proposta de melhoria das condições subumanas dos presos brasileiros? Jesus não fazia distinção de pessoas. Isso sem falar neste candidato, o pastor Everaldo, que fala em defesa da família, mas já está no terceiro casamento.” – Pastor Ricardo Gondim

Viés ditatorial

Já o pastor Ricardo Gondim, autor do artigo “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico” e cuja igreja se distancia do “evangélico fundamentalista por questões éticas”, diz que a ideia de democracia propagada pelo pastor tem um viés ditatorial, já que despreza a inclusão das minorias.

Para ele, Malafaia tem bem menos influência que gosta de propagar.

“Ele não tem toda essa força que alardeia. O Edir Macedo tem bem mais cacife político. Já elegeu ministro e agora pode até eleger um governador, o bispo Crivella, no Rio de Janeiro. Além disso, se ele tivesse tanta influência a ponto de mudar as eleições, seu candidato não teria apenas 1% das intenções de voto.”

Segundo Gondim, Malafaia é mal visto até mesmo entre os cristão mais conservadores por ser “falastrão, agressivo e virulento”.

Sobre a atuação da bancada evangélica do Congresso, Gondim aponta que a maioria desses deputados têm processo correndo no STF, mas que pastores como Malafaia e Feliciano, que se dizem defensores da cadeia aos mensaleiros, fazem vistas grossas.

Por fim, outro ponto que incomoda o pastor da Betesda são as incoerências de discurso político e o uso da palavra de Deus para obtenção de lucro.

“A teologia da prosperidade que eles pregam tem como função única o enriquecimento dos dirigentes dessas igrejas.  E esse discurso encontra ressonância entre fieis que querem enriquecer por milagre de Deus. Nestas igrejas, o sagrado vire meio, não fim. Existe apenas para a obtenção de lucro, por isso eles têm de inventar milagres toda semana. [O apóstolo] Paulo fala sobre os mercadejadores da fé. E eu considero que vivemos um tempo em que esses pastores são o equivalente aos cambistas do templo. Eles não são sacerdotes. E ainda por cima fazem política com p minúsculo. Não têm projetos pela saúde, pela educação… Quantos desses pastores você viu por aí apresentando alguma proposta de melhoria das condições subumanas dos presos brasileiros? Jesus não fazia distinção de pessoas. Isso sem falar neste candidato, o pastor Everaldo, que fala em defesa da família, mas já está no terceiro casamento.”

Durante a entrevista ao UOL, o pastor Silas Malafaia minimizou as críticas dos outros pastores dizendo que eles representam “0,000001% do pensamento evangélico”. “E esses caras aí [os pastores] falam isso de mim porque têm dor de cotovelo e porque tomam o maior sarrafo da minha teoria teológica. Só um idiota babaca pra falar o que essas caras falaram! Nunca falei que sou melhor que os outros. Não me dou essa importância.”

Eu tenho formação presbiteriana, embora não siga a religião. Mas sei muito bem que pastores não falama palavrão, nem se expressam aos berros. Os pastores da minha infância eram pessoas doces, amigáveis, sábias, compreensivas e acolhedoras, que conquistavam o respeito pelo exemplo, não pelo grito e por discursos vazios repetidos à exaustão para que se tornem verdades. Malafaia acusa seus opositores de preconceito e facismo, mas ninguém melhor encarna o método Goebbels que ele.

Leia aqui a íntegra da entrevista com Silas Malafaia.