Cai em cima! O mundo secreto da luta-livre pornô

Nos cantos obscuros da internet, lutadores profissionais de luta-livre ganham seu sustento abrindo-se para aquilo que a luta profissional sempre temeu

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Robert Silverman para o site Vocativ

“Então, vou te dizer o que eu acho. Vou te dizer o que eu acho e por que, tipo, isso não tem nada demais pra mim”, disse por telefone o lutador profissional de luta-livre Dolph Danner, ao discutir as lutas eróticas para gays de que já participou e como ele lida com ser visto como um objeto sexual. “Isso vai acontecer de qualquer jeito quando se é um lutador profissional. Nós somos caras bonitos em boa forma, que vestem sunguinhas pequenas e ficam rolando com outros caras bonitos em boa forma, cobertos com óleo de bebê.

“Então, seja para a BG East ou para a World Wrestling Entertainment, vai acontecer.”

Para quem ainda não está por dentro, a BG East Wrestling é um mercado online de DVDs, streaming de vídeos on-demand e clipes para download de partidas de luta livre feitas com a intenção de provocar e excitar o espectador. Ela oferece uma opção para se tornar sócio chamada The Arena, que dá descontos e acesso a conteúdo exclusivo: “1000 videos-on-demand de lutas em pay-per-view, inclusive conteúdo de partidas EXCLUSIVAS e clipes de SUBMISSÕES, cinco novos clipes por semana.”

Apesar do enquadramento das imagens terem a clara intenção de fazer tudo ficar com cara de pornografia soft-core – grande ênfase nas virilhas e nas nádegas dos participantes – em sua grande parte, o material não contém nudez explícita ou atos sexuais. Como proclama a página de história e princípios da BG East, o eroticismo que se encontra aqui está no esporte: “Esta e nossas várias novas e deliciosas séries apoiam-se, antes de tudo, no armor pela LUTA LIVRE!”.

É claro que quem quiser comprar material de luta-livre realmente pornográfico também será capaz de fazê-lo na BG East, e suas lutas também já foram colocadas ilegalmente no PornHub e em vários sites de bittorrent. Quanto ao estilo das lutas desses vídeos, os golpes e chaves de submissão são praticamente indistinguíveis daqueles das lutas profissionais, mas há grande ênfase em humilhação, dominação e escárnio, pontuados com xingamentos e chaves de submissão em câmera lenta, de grande duração.

A BG East foi fundada em 1979 por Bill George sob o nome “BG Wrestling”, um fanzine em preto-e-branco feito amadoramente que publicava contos eróticos sobre luta-livre escrito por voluntários amadores e escritores quase profissionais por um preço simbólico. Ela começou a evoluir quando George conheceu Stephen Driscoll, um fotógrafo que sugeriu que se adicionassem imagens para reforçar a literatura. A produção de vídeos começou pouco depois, e, dez anos mais tarde, Driscoll passou a atuar por conta própria, operando o catálogo como um “exército de um homem só”, contou via e-mail, antes de ancorar na internet na década de 1990. Driscoll também lutava para o site, sob o nome de “Kid Leopard”.

Apesar de não cuidar mais das operações cotidianas do negócio, Driscoll afirmou que nas últimas duas décadas o empreendimento cresceu exponencialmente, tanto que a BG East atualmente braga-se de ter “mais de 100 lutadores ativos em nosso time” sendo filmados em estúdios em Boston e Fort Lauderdale, gravando várias partidas num mesmo dia ou semana.

“Trazemos lutadores de todas as partes”, escreve Driscoll. “Nós os alojamos, alimentamos, e entretemos. Nós nos consideramos meio que uma fraternidade.”

Dolph Danner veio de Staten Island e trabalha profissionalmente há nove anos, geralmente com uma liga independente. (Deixando claro: Danner atende por um nome diferente quando luta para outras empresas que não a BG East. Ele pediu para não ser identificado por esse outro nome nesse artigo.) Ele já lutou por todos os Estados Unidos, e seu sonho, confessa, é um dia chegar nas arenas lotadas e cheias de holofotes da WWE (World Wrestling Entertainment, maior produtora de luta-livre dos EUA). Apesar de ter certeza que tem habilidades e personalidade fortes o suficiente para isso, é impossível avaliar quanto falta para que ele alcance seu objetivo.

“É aquele tipo de coisa que depende de estar na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas”, acredita. “Então pode ser que leve apenas mais um dia, ou mais um ano. Vai saber.”

Apesar de sua popularidade crescente e marca em ascensão, Danner ainda ganha apenas 100 dólares cada vez que pisa dentro do ringue. É por isso que, para Danner e outros lutadores iniciantes, o apelo para aparecer num filme da BG East é bastante óbvio. Danner consegue participar de entre três a cinco embates de pouco mais de dez minutos contra uma gama de oponentes ao longo de um dia de filmagem, e ganhar polpudos 250 dólares por partida, o que lhe permite cortar algumas horas de seu trabalho como personal trainer.

Danner elogiou o profissionalismo da BG East, frisando que tudo que lhe foi pedido era lutar o melhor possível, jamais exigindo que ele fizesse qualquer coisa que o deixasse desconfortável ou que cruzasse seus limites. Ele já gravou de “15 a 20” partidas para a BG East e alguns sites similares mas menos conhecidos ao longo dos últimos 18 meses, e começou a atrair uma boa legião de fãs.

Dada a maravilhosa interconectividade que a internet oferece e a necessidade dos lutadores independentes de travarem campanhas robustas de autopromoção, Danner já encontrou vários fãs nas mídias sociais que ofereceram uma grana preta em troca das peças de roupa que ele usa nas lutas. Tudo está à venda: meias, calções, jockstraps – desde que já tenha entrado em contato com seu corpo suado e coberto de óleo, a peça pode e vai ser vendida. Danner afirma que lida o tempo todo com gente pedindo sua roupa íntima, mas a que mais lhe chamou a atenção foi dirigida a um de seus amigos.

“Do nada uma pessoa enviou uma mensagem pra ele assim, na lata: ‘Ei, você curte levar um cuecão?’,” recorda-se Danner. “Ele respondeu, ‘Como assim?’. Ele estava sem entender nada, e o fã repetiu, ‘Você curte levar um cuecão?’. Steve, o amigo, respondeu ‘Não saquei bem o que você está querendo, ou por quê’, e o fã respondeu ‘Você gosta de uma cueca enfiada no seu cu?’.”

Apesar de ainda não ter vendido suas cuecas, Danner não vê problema nisso. “Se o preço for bom? Claro”, avalia. Na internet, as avaliações de Danner lutando são muito positivas. “Graças a deus, até agora, só recebi boas avaliações”, comemora, rindo. “Elas são… cara, uau, elas são muito boas.”

Danner compartilhou o link para um blog em que um de seus fãs escreveu, “Será possível exagerar o quanto eu acho que Dolph Danner é gostoso com sua pulcritude incomum e suas curvas lascivas? Ou minha alegria quando assito os pas de deux selvagens entre ele e Guido? Ou quantos paus eu chuparia para ver Danner no ringue lutando contra Joe Robbins ou Exavier ou Lane Hartley? Quanto antes melhor! Ou como seria refinado o altar que eu construiria para os calções azul-metálicos desse cara, se um dia conseguisse tomar posse de um?”

Luta-livre pornô

Não é de se surpreender, portanto, dados os óbvios incentivos econômicos, que outros lutadores em início de carreira vêm seguindo a trilha de Danner. Um dos lutadores profissionais que hoje estão no alto escalão já trabalhou para a BG East, e outro para um de seus competidores, CyberFights.com. Esses vídeos, em sua maioria, foram varridos da internet, mas algumas fotos promocionais e clipes ainda flutuam no turbilhão da web.

Cyberfight.com não respondeu a nossos e-mails, mas Driscoll afirma que o lutador famoso que já trabalhou para ele pediu para que todas suas partidas fossem removidas da BG East há alguns anos, mas Driscoll não se lembra exatamente quando, ou se o pedido foi feito antes do astro avançar na carreira. Ele atendeu o pedido, em parte porque admirava seu talento e o considerava “um amigo” e um “colega inteligente, amigável, profissional, e amistoso”, e em parte para protegê-lo de qualquer repercussão negativa da intolerância ainda presente no mundo da luta-livre profissional.

“Não queremos que seu sucesso merecido em sua carreira se reduza ou seja prejudicado pela homofobia latente em quase todas as ligas de luta-livre profissional de grande porte”, lamenta Driscoll. “Essas ligas querem fingir que a maior parte de seu público não é formada por gays.”

Um desses fãs é Glenn Scott. Nascido no norte do estado de Nova York, ele tornou-se fã quando uma rede de televisão local começou a exibir partidas de luta-livre aos domingos, às sete da noite. “Eu fiquei fascinado, quando criança”, recorda-se, “porque era meio… Eu sabia que era, tipo… vou dizer entre aspas, ‘uma coisa errada’.”

Mais tarde, a luta-livre teve um papel importante em seu despertar sexual. Depois da faculdade, quando morava em Richmon, Virginia, ele começou a responder a anúncios de homens que buscavam alguém com quem lutar, publicados no jornal semanal gratuito. Isso o levou a juntar-se a clubes de luta clandestinos em sua área, em que grupos de 10 a 15 caras encontravam-se duas vezes por semana para lutar no solo, treinar golpes de submissão, e tentar reproduzir golpes dos lutadores profissionais. “A gente ficava rolando no chão por três horas, e era incrível”, lembra-se.

Ele já era fã da BG east, encomendando fitas de VHS por meio de seu catálogo impresso, quando, em 2002, um amigo convidou-o para viajarem até Boston. Ele estava satisfeito em apenas assistir, mas “o dono chegou, tipo, ‘e aí, quer participar de uma luta?'”, recorda-se Scott. “Eu respondi, ‘sim’. Eu caí lá dentro e participei de três lutas naquele fim de semana.”

A razão de sua atração pela BG East, afirma, bate com a missão da companhia. “Alguns caras, sabe, querem só ficar vendo uns caras bonitos”, acredita. “Um fã de verdade da luta-livre, como eu, assim, a luta tem que ser boa. É isso que deixa ela excitante de ver.”

Scott trabalhou com a BG East por quase um ano, atuando em lutas e ajudando outros lutadores a aprimorarem alguns golpes. Ele chegou até a encontrar o então deputado pelo estado de Massachusetts, Barney Frank (famoso deputado norte-americano declaradamente gay, agora aposentado). “Tipo, ele é amigo do dono da BG East”, comenta Scott.

Pelo telefone, Frank confirmou que, sim, já encontrou Driscoll em eventos políticos do partido Democrata e do grupo de militância National Stonewall Democrats. “Eu já estive presente em um ou dois de seus torneios, quando gravam os vídeos”, afirmou Frank. “Nos que assiti, todos estavam vestidos.”

As lutas de Scott reduziram-se conforme ele se aproximou dos 40 anos, e ele diz sentir muita falta; conferir partidas de produtoras independentes e da WWE não foi capaz de preencher esse vazio. “É divertido assistir, mas se eu não consigo participar da luta, é bastante decepcionante”, confessa.

A camaradagem e amizade oferecidas pela luta-livre, no entanto, mesmo que a luta não culminasse em atividades sexuais, mudaram sua vida. “Eu não teria a confiança que tenho hoje. Provavelmente não estaria fazendo essa entrevista, sabe?”, considera. “Esse tipo de coisa super me deram, tipo, tanta humildade e perseverança. Eu tenho… o que eu chamo de personalidade de lutador. Eu posso levar uma surra ou posso dar uma surra, mas, desde que eu esteja apanhando ou batendo, eu tenho a perseverança para fazer todo tipo de coisa.”

E isso fez toda a diferença.

“Eu achava que estava sozinho no mundo”, recorda-se, “e daí eu era parte dessa rede mundial. Agora eu tenho amigos em todo o mundo. Eu nunca me senti tão confiante como agora que sou parte de algo. Eu sei que soa bobo.”

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Um comentário

Bem curioso isso, acredito que muito disso é produto de homofobia internalizada e repressão sexual.
Tipo, dois caras machões, musculosos, de cuequinha, bizubtados de oléo se pegando abertamente pelo propósito de dar tesão a homens gays, mas ainda a maior parte não tem cenas explícitas e fica ainda por trás da roupagem da luta livre que é encarado pela sociedade como coisa de macho.
Acho que é aquela “nostalgia” de quando você era mais novo e as coisas que te davam tesão quase sempre estavam ocultas dentro das “coisas de macho”, a gente acaba moldando nosso tesão dentro dessas condições e fetichiza lutadores de luta livre, jogadores de futebol, policiais, pai de família, o mecânico, exército e etc, aquilo que tinha gostinho de errado.

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