Banda de rock do Acre lança clipe em que cura gay e Eduardo Cunha viram tema de romance

No vídeo de "Hoje de Manhã", os Descordantes mostram homem dividido entre seu amor por outro homem e o assédio de uma mulher que pretende "curá-lo de seu vício"

por James Cimino

Sim, o Acre existe e produz rock de alta qualidade. Pelo menos é isso que mostra a banda Descordantes, que acaba de lançar seu novo clipe “Hoje de Manhã”.

E mesmo sendo uma banda que não tem nenhuma ligação direta com a causa LGBT, eles resolveram fazer um clipe de uma música romântica cujo pano de fundo é uma narrativa sobre a famigerada “cura gay”.

Para abrir o vídeo, também usaram um discurso do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em um culto promovido pelo pastor Silas Malafaia.

Além disso, o grupo formado por George Naylor (bateria), Diego Torres de Mello (vocais, guitarra), Heriko Rocha (teclado) e Saulo Melo (baixo) optou pelo caminho de não sair de seu Estado em direção a São Paulo e Rio de Janeiro.

A banda faz questão, em seu material de divulgação, de mostrar as influências do brega deixam e de compositores do Norte do país como Da Costa, Tião Natureza, Pia Villa, Geraldo Leite, Jorge Cardoso e Mão de Onça. Toda essa salada musical resultou em seu álbum de estreia, “Espera A Chuva Passar”, que, segundo eles, “mistura Pink Floyd com Cartola, Beatles com Reginaldo Rossi, tudo isso sem perder sotaque e originalidade”.

Sobre o clipe e como é o panorama de intolerância e fanatismo religioso no Acre, a banda conversou por e-mail com a reportagem do Lado Bi. Leia:

Lado Bi — Por que vocês resolveram fazer um clipe tocando nesta temática da cura gay?

Os Descordantes — Pelo momento em que vivemos. A luta pelos direitos, pelo respeito e pelo amor dos homossexuais é grande. Mas percebemos que, quanto maior a luta, mais o preconceito se mostra. Vivemos hoje, uma época em que o preconceito é escancarado, como se fosse bonito e normal. A intenção era mostrar isso, e mostrar o quanto o amor tem que ser mais forte.

E por que o Eduardo Cunha como ilustração e não Feliciano ou Malafaia?

Pensamos em um discurso no começo do clipe. Feliciano e Malafaia vieram à cabeça. Mas, eles falam muito em dinheiro. Aliás, Malafaia só fala nisso. Em meio às pesquisas, achamos essa fala do Cunha, quem nas entrelinhas, defende a “tradicional família brasileira” e tem a audácia de dizer que o povo brasileiro merece respeito. Se tornou cômico pra gente. Aí, decidimos usá-la.

Vocês são do Acre e sabemos que quanto mais longe dos grandes centros, maior a homofobia. Como é isso aí no seu Estado?

Vivemos em um dos Estados com a maior população evangélica do país. Deve ser difícil ser homossexual por aqui, talvez um pouco mais do que nos grandes centros, onde a informação é maior. A homofobia existe, é forte, assim como o machismo, o sexismo e o racismo. Fazer esse clipe foi uma forma de cutucar essa sociedade e gerar o debate. Algumas pessoas da comunidade evangélica até chegaram a elogiar o vídeo, o que foi uma surpresa.

A música inspirou o clipe ou o clipe inspirou a música?

A inspiração da música é uma história de paixão não correspondida. O clipe fala de um amor retraído, onde o personagem não quer liberá-lo pelo medo do julgamento. Juntamos alguns elementos da música a essa história, e chegamos à ideia final. O vídeo foi baseado em um conto de um amigo nosso que foi, por outro lado, baseado na canção. A banda decidiu acrescentar o conteúdo político no vídeo. No final, a idéia é retratar um amor que é tão forte que supera paradigmas sociais e doutrinas religiosas

Existe muito esse lance de cura gay aí no seu Estado?

Não é forte. Há alguns meses, Feliciano veio a Rio Branco em um evento religioso. A juventude acreana se reuniu e organizou um “beijaço” em frente ao palco em que ele estaria. Foi um manifesto legal, onde todos se beijaram. Homem com homem, mulher com mulher e mulher com homem.

Capa do álbum "Espera a Chuva Passar", da banda acreana Os Descordantes

Capa do álbum “Espera a Chuva Passar”, da banda acreana Os Descordantes

Vocês resolveram ficar no Acre e fazer música aí. Como é a repercussão do seu trabalho no Estado?

Ainda temos muito o que fazer por aqui. A gente não apenas toca, a gente realiza eventos também. Ajudamos a movimentar a música acreana e sentimos que ainda temos muito o que fazer por aqui. Precisamos ter uma carreira mais sólida em casa, para poder sair, e sentimos que ainda não é o momento.

A repercussão é boa! Conseguimos, com muito trabalho, formar um público em casa, e os shows têm sido uma lindeza só. Ainda temos vários projetos pro ano que vem, inclusive mais clipes do primeiro disco, e pré-produção do segundo disco.

E este clipe, o que as pessoas comentam?

A recepção foi 98% positiva! Ainda bem! As pessoas receberam com muito amor. Percebemos que o público que gosta da banda é uma galera do amor, mesmo. Uma galera que compreende a condição e a felicidade alheia. Isso nos deixou muito felizes. É claro que tivemos aquele tipo de comentário “adorava essa música, e agora virou música de gay, não gosto mais”. Mas esse tipo de comentário não importa pra gente.

Vocês conhecem muitos casos como o que acontece no clipe? Algum de vocês já viveu isso?

Muitos! Claro! Rola sempre! Ainda mais aqui, que como disse antes, a população evangélica é enorme, e a população gay também é grande! Pra nascer um gay em uma família evangélica, que seja doutrinado desde de pequeno e tenha que retrair esse sentimento, é realmente algo muito fácil por aqui.

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