Grama sintética faz jogadoras darem o sangue na Copa – literalmente

Fifa submete as jogadoras da Copa do Mundo de Futebol Feminino a gramados artificiais que elevam temperaturas a 50 graus e retalham a pele

por Marcio Caparica

Pela pouca cobertura que a imprensa brasileira vem fazendo do evento, é de se esperar que a maioria das pessoas nem saiba que a Copa do Mundo de Futebol Feminino começou no último dia 6 de junho. A competição está acontecendo no Canadá e dura um mês, como a Copa do Mundo dos marmanjos. As jogadoras, no entanto, têm um problema maior que o costumeiro desprezo do noticiário futebolístico. Esse ano, pela primeira vez em qualquer competição de futebol desse porte, todos os jogos estão sendo realizados em campos de grama sintética. E o resultado não está sendo nada bonito.

A infame Fifa de Sepp Blatter (aquele que já sugeriu que as jogadoras deveriam usar “shortinhos apertados” para aumentar a popularidade de sua modalidade) decidiu usar as craques como cobaias da grama sintética. Feito de pneus reciclados e plástico, o “gramado”, entre outras “vantagens”, tem o diferencial de ser mais barato de instalar e manter. O resultado? No sábado, no jogo de estreia entre Canadá e China, na cidade de Edmonton, a temperatura eram amenos 24 graus centígrados. Menos em campo, onde o piso sintético elevou a temperatura para escorchantes 50 graus centígrados, em média. Essa temperatura está no limiar do que é considerado seguro para a prática de esportes, segundo o jornal Las Vegas Sun.

O jogo em si não é o mesmo no campo sintético. A atacante da Seleção Brasileira Cristiane declarou ao site EBC: “É diferente – batida da bola, velocidade”. A zagueira Géssica confirma: “Senti como se estivesse andando de salto em cima de uma grama”. As diferenças não são apenas no rolar da bola, no entanto. A grama sintética é muito mais cruel com os corpos dos jogadores. A cada deslizada no chão, cada escorregão, cada queda, a grama sintética fere a pele de quem está em campo em níveis muito maiores que a grama natural. As jogadoras estão puxando as meias acima dos joelhos e usando bermudas de lycra por baixo do uniforme para tentar minimizar as queimaduras da grama artificial. As lesões foram registradas por jogadoras profissionais após jogos-teste em 2013, em suas contas do Twitter:

A questão da grama sintética foi alvo de um abaixo-assinado das principais jogadoras de futebol feminino (entre elas nossa craque Marta). Nele, as atletas afirmavam que o campo de grama sintética “submete as profissionais a riscos de lesão e desvaloriza a dignidade, o respeito e o equilíbrio mental das jogadoras”. As federações nacionais, no entanto, pressionaram as jogadoras contra essa ação: a mexicana Teresa Noyola, por exemplo, foi ameaçada com a desconvocação caso não retirasse seu nome do abaixo-assinado. A atacante norte-americana Abby Wambach, jogadora do ano em 2013, considera a grama sintética “um pesadelo” e aponta o sexismo desse problema: “Não há dúvidas de que é uma questão de discriminação de gênero. Não há previsão de que nenhuma das Copas masculinas já planejadas tenham jogos com grama sintética.” As jogadoras também entraram com um processo contra a Fifa e a Federação Canadense que foi ignorado pelas organizações até o início desse ano, quando foi retirado. Hampton Dellinger, advogado que auxiliou as jogadoras na ação contra a Fifa, declarou: “A Fifa e a Federação Canadense nunca forçariam os jogadores homens a atuar em campos de plástico. A recusa da Fifa e dos oficiais canadenses de fazer o que é certo com o jogo feminino foi facilitada pelas ações ou omissões das principais federações nacionais.”

E esse não é o único exemplo de sexismo na Fifa. A Copa Feminina conta com um artigo em seu regulamento que permite que sejam solicitados exames quando houver “indícios” de que uma jogadora poderia ter sexo biológico masculino. A maior vítima dessa regulação até o momento foi a jogadora sul-coreana Park Eun-Sun, de 28 anos e 1,80 m de altura, que em 2013 teve que se submeter a vários e humilhantes exames por conta das suspeitas da federação. Nada foi provado, e ela está jogando na Copa esse ano. Cabe questionar se algum jogador de futebol já teve que provar ser do sexo masculino para jogar na Copa – e se essa ideia avançaria no campeonato masculino a ponto de entrar no regulamento.

Até agora, tudo que as jogadoras conseguiram é uma promessa informal de que isso não se repetirá em próximas Copas – o que não ajuda quem tem que literalmente se ralar durante o torneio para tentar levar a taça para casa. Vamos torcer para que a única coisa que vão fazê-las passar mal durante as partidas seja o calor da emoção, não a temperatura dos campos.

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