Falta de lei contra homofobia deixou que Feliciano escapasse de inquérito

Apesar de reconhecerem discurso de ódio nas declarações do pastor e deputado, ministros do STF não puderam receber denúncia por não entenderem que a Constituição considera homofobia crime

por Marcio Caparica

Um dos argumentos mais comuns contra a aprovação de leis contra a homofobia é a de que uma lei específica não se faz necessária, pois a Constituição já proíbe qualquer tipo de discriminação. Pois temos hoje mais uma prova de que esse argumento é falho, como toda a população LGBT já sabe.

Foi publicada hoje a íntegra do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a denúncia contra o deputado Marco Feliciano, que havia publicado em sua conta do Twitter a seguinte pérola:

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A decisão do STF, divulgada em 12 de agosto, já tinha deixado claro que a denúncia não havia sido aceita porque os ministros não consideraram que a homofobia estivesse entre as categorias protegidas contra a discriminação pela lei 7.716/89. A íntegra do acórdão deixa claro, no entanto, que os ministros reconheceram o preconceito e o discurso de ódio nas declarações de Feliciano, mas não puderam agir, porque não há crime sem lei que defina uma ação como criminosa.

A lei estipula punições para quem

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de 1 a 3 anos e multa.

O ministro Marco Aurélio, relator do caso, declarou que

Procede a defesa no que articula a atipicidade. Ter-se-ia discriminação em virtude da opção sexual. Ocorre que o artigo 20 da Lei nº 7.716/89 versa a discriminação ou o preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não contemplando a decorrente da opção sexual do cidadão ou da cidadã. O ditame constitucional é claro: não há crime sem anterior lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal – inciso XXXIX do artigo 5º.

O ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, afirmou: “Acho que é um comentário preconceituoso, é um comentário de mau gosto e extremamente infeliz. (…) Eu até consideraria razoável que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana impusesse um mandamento ao legislador para que tipificasse condutas que envolvam manifestações de ódio, de hate speech, como observou a Doutora Deborah Duprat. Mas a verdade é que essa lei não existe”, e também votou por não receber a denúncia. A ministra Rosa Weber fez o mesmo, e por fim o ministro Luiz Fux afirmou em seu voto: “talvez seja muito importante deixar explícito, em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar legitimação da união homoafetiva, entendeu que a homoafetividade é um perfil, é um traço da personalidade, e que, portanto, ela não poderia trazer nenhum discrime ao Princípio da Isonomia, de sorte que essa fala infeliz do parlamentar, ao mesmo tempo, ultraja o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o da Isonomia, conforme ficou assente na ratio decidendi da nossa conclusão sobre a legitimidade das uniões homoafetivas”, para depois também se colocar contra receber a denúncia pela falta de uma lei contra homofobia.

O acórdão termina com o seguinte diálogo:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – (…) Quem sabe possamos mandar, mediante postado com aviso de recebimento, cópia da íntegra do acórdão ao Deputado! O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – Ou então que se divulgue que nós entendemos que não há tipicidade, muito embora entendamos reprovável essa conduta. Isso é que precisa ficar bem claro na decisão da Turma.

Fica fácil entender agora por que evangélicos fundamentalistas como Feliciano lutam tanto contra qualquer lei que venha criminalizar o discurso homofóbico. Eles sabem que há uma brecha que impede que se condene os responsáveis por ações claramente reprovadas pela Justiça. E nosso legislativo, ao emperrar o andamento de projetos de lei que definiriam esse crime, torna-se conivente com tantas ações criminosas e odiosas que acontecem todos os dias – das quais o tuíte de Feliciano foi apenas mais uma. Sem legislação, mesmo a reprovação dos mais altos membros do judiciário nada pode fazer para repreender quem distila o ódio contra a população LGBT.

Não, a legislação existente não serve.

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5 comentários

Caio

Ridículo foi este ministro do STF ter citado “opção sexual”. Por fazer parte de uma equipe que aprovou a união estável homoafetiva e já ter conhecimento mínimo sobre o assunto, chega a ser espantosa tal atitude. Além disso, pode não constar o termo específico, mas no artigo da Constituição Federal referente à proibição das discriminações são citadas essas que o texto apresentou e “…entre outras de quaisquer tipo”. E aí eu pergunto, senhores ministros, isso não conta por acaso?

Christoffer

Na verdade é o movimento gay quem deveria se enquadrar por estar induzindo ao preconceito contra a RELIGIÃO. Eles é que cometeram o crime ao induzir o preconceito contra o Pastor Feliciano em virtude da RELIGIÃO, conforme o próprio artigo da lei que eles mesmos invocaram: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de 1 a 3 anos e multa.

Marcio Caparica

Meu caro, gays não impedem que religiosos sejam contratados, casem-se, comprem o que quiser, nem que frequentem qualquer lugar. Gays inclusive toleram religiosos que se põem a falar impropérios para gays durante as Paradas LGBT. Portanto não há discriminação – apenas não somos obrigados a escutar ofensas em silêncio. Religiosos, por sua vez, querem impedir que todos os gays casem-se, deixam de contratar pessoas qualificadas por serem transgênero, recusam-se a servir casais de gays em estabelecimentos e expulsam-nos de suas igrejas por que são LGBT. O que religiosos fundamentalistas fazem é discriminação. O que gays fazem com evangélicos é autodefesa.

James Cimino

Lá vem mais um desses papagaios de pastor. Eu quero que você prove para mim que cristãos são perseguidos e agredidos fisicamente por serem evangélicos neste país. Eu quero que você prove que existe algum projeto de lei que impede vocês de seguirem sua religião. Eu quero que você prove que nós gays tiramos qualquer direito civil de vocês. Isso é apenas mais uma dessas mentiras repetidas mil vezes que na boca desse canalha do Feliciano viram verdades, uma tática, aliás, do braço direito de Hitler, o Goebbles. Quem incita preconceito são vocês evangélicos, que associam a nós tudo o que vocÊs: VOCÊ MENTEM dizendo que queremos instaurar uma “ditadura gay”, quando são vocês que querem instaurar um governo evangélico, VOCÊS MENTEM ao nos acusarem de querer “transformar” as pessoas em gays, quando são vocês que infernizam a vida de todo mundo querendo enfiar goela abaixo essa filosofia fascista de vocês querendo converter as pessoas para conseguir mais clientes para seus pastores vendilhões do tempo; VOCÊS DISSEMINAM TODO O TIPO DE PRECONCEITO CONTRA NÓS, nos acusando dos piores crimes, usando em geral crianças para causar comoção e deturpando o conteúdo de projetos de lei que apenas garantes o nosso direito à existência civil e depois vêm dizer que isso é LIBERDADE DE EXPRESSÃO e que estamos sendo preconceituosos. Liberdade de expressão pra vocês é só quando as pessoas concordam com suas barbaridades. Não adianta vir com essa pra cima de mim não, rapaz. A retórica do Malafaia não durou uma hora comigo e não vai ser a sua que vai durar. Melhor ir mentir em outra freguesia. Ou procurar um pastor de verdade pra defender.

Laerte

Ele escapou também da acusação de racismo – área onde existe legislação. E tendo expressado publicamente a declaração de que africanos foram amaldiçoados por Noé, em passagem bíblica que sempre foi invocada pelos escravistas.

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