Harry Potter faz crianças se tornarem menos preconceituosas

Crianças que se identificam com o protagonista da série de J.K. Rowling têm atitudes mais tolerantes com relação a gays e imigrantes

por Marcio Caparica

Traduzido da matéria de Tom Jacobs para a revista Pacific Standard

Todo mundo já sabe que Harry Potter derrotou o maléfico Lord Voldemort. Mas, além de render rios de dinheiro para editoras de livros, corporações cinematográficas e parques temáticos. Mas você sabe o que o mago tem feito pelo mundo recentemente?

Ele tem ajudado a reduzir preconceitos.

Essa é a conclusão de uma pesquisa recém-publicada no Journal of Applied Social Psychology (Jornal de Psicologia Social Aplicada). Ela afirma que, entre os jovens, ter lido a série escrita por J.K. Rowling – e, ainda mais importante, indentificar-se com o protagonista – pode reduzir a intolerância com relação a grupos minoritários estigmatizados.

Em dois estudos distintos, jovens italianos repararam em “atitudes e comportamentos positivos de Harry Potter para com grupos fantásticos estigmatizados”, e suas interações no mundo da fantasia aparentemente influenciaram suas atitudes no mundo real.

Crianças (com a ajuda de um moderador de discussão para os mais novos) eram capazes de relacionar a maneira como Harry defendia os “sangues-ruins” com a injustiça dos preconceitos contra imigrantes e gays.

De acordo com a equipe de pesquisa liderada por Loris Vezzali na Universidade de Modena e Reggio Emilia, isso sugere que “ler esses romances pode diminuir o preconceito de maneira real.”

Discriminação, apontam os pesquisadores, é um tema recorrente dentro da série. Eles lembram que Voldemort, representante do mal mais puro, emite opiniões que têm paralelos “bastante óbvios” com o nazismo, apontando que ele acredita que todo o poder deveria se restringir aos magos e bruxas de “sangue puro”, ao contrário daqueles que são filhos de um pai mágico e um pai não-mago, ou “trouxa”.

Além disso, Harry e seus amigos interagem com várias espécies sub-humanas como elfos e goblins, que reclamam com frequência sobre como são forçados a ocupar papéis servis, não muito diferentes do que acontecia com os negros na África do Sul. Harry “tenta entendê-los e compreende suas dificuldades”, continuam os pesquisadores.

Esses paralelos podem ser óbvios para os adultos, mas será que as crianças fazem as mesmas conexões? Os pesquisadores realizaram vários estudos para descobrir. O primeiro contou com 34 alunos italianos no quinto ano, que num primeiro momento preencheram um questionário em que avaliavam suas atitudes para com imigrantes.

Por seis semanas eles se encontraram semanalmente com um dos pesquisadores em grupos de cinco ou seis para discutir trechos selecionados dos livros de Harry Potter. Metade das crianças leram, e discutiram, trechos que lidavam diretamente com preconceitos; outros se concentraram em seções que discutiam tópicos não-relacionados.

Depois disso, eles responderam novamente questões sobre suas atitudes com relação a imigrantes, listaram quantos livros ou filmes de Harry Potter eles haviam visto ou lido, e revelaram o quanto queriam ser como Harry.

Os resultados: aqueles que leram e discutiram trechos de Harry Potter sobre preconceito demonstraram “atitudes mais positivas com relação a imigrantes”. Os pesquisadores avisam, no entanto, que essa reação só ocorria entre aqueles que se identificavam com o personagem-título.

O segundo estudo contou com 117 alunos italianos no Ensino Médio. Eles responderam quantos livros já haviam lido; se eles sentiam uma semelhança emocional com Harry (ou, como opção, Voldemort); e, para o que acreditavam ser outro estudo separado, relataram o que pensavam sobre homossexuais.

Os pesquisadores descobriram que aqueles que haviam lido mais livros também tinham uma atitude mais positiva sobre os gays – mas, novamente, apenas quando sentiam uma conexão emocional com o protagonista.

Um último estudo recrutou um grupo de outra faixa etária (alunos do ensino superior) em outro país (Inglaterra) e avaliou suas atitudes com relação a um outro grupo minoritário (refugiados). Os resultados também foram um pouco distintos, já que não relacionou a identificação com Harry a níveis menores de preconceito. (Os pesquisadores apontam que Harry tem menos chance de servir como modelo para esse público mais velho.)

No entanto, conforme se aprofundaram nas análises, os pesquisadores descobriram que a mesma dinâmica ocorria; nesse caso, a variável-chave era o quanto cada participante se identificava (ou não) com Voldemort. Eles também descobriram o mesmo mecanismo que provavelmente está por trás dessa redução de preconceitos: a habilidade do livro de sugerir que os leitores enxerguem a sociedade do ponto de vista de uma minoria inferiorizada.

“Ler os livros de Harry Potter foi relacionado com perspectivas positivas para com refugiados entre aqueles que se identificavam menos com Voldemort”, eles relataram.

O estudo é consistente com pesquisas publicadas no começo do ano, que descobriram que ler obras de ficção literária pode reduzir o racismo ao ajudar os leitores a se identificarem com personagens de proveniências diversas. (Por essa razão, os pesquisadores levaram em conta a leitura de livros em geral quando analisaram os resultados; eles descobriram que os livros de Harry Potter têm um impacto maior do que os da maioria dos livros.)

É claro que pessoas que crescem com crenças discriminatórias não tendem a ler o tipo de história usado no primeiro estudo, que tratava de uma mulher muçulmana que vivia em Nova York. Mas é bem capaz que leiam uma história de fantasia como as dos livros de Harry Potter, em que as mensagens estão efetivamente embutidas no meio de uma trama envolvente e imaginativa.

Talvez as razões para se tornar tolerante sejam melhor transmitidas sob um manto de invisibilidade.

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