Michael Sam faz história com (alguns) beijos

O primeiro jogador de futebol americano abertamente gay a ser recrutado pela NFL mostra ao mundo que o amor é igual para todos

por Marcio Caparica

Nós aqui no Brasil entendemos o poder de um beijo em rede nacional. Agora, já no meio de 2014, aquele beijinho leve entre Félix e Niko na novela Amor À Vida guarda seu lugar na história da TV por ter sido o primeiro beijo gay do horário nobre da Globo. Mas em cinco, dez anos, a gente vai se perguntar qual que era a razão de tanto drama, quando (espero) vários outros beijos já tiverem acontecido. Mesmo assim, famílias por todo país assistiram dois homens darem um selinho (e, na real, já esperavam por isso), e o mundo não desabou, crianças não “se converteram” à homossexualidade por encanto, nem a nação tornou-se tolerante num passe de mágica. Mas, mesmo assim, criou-se uma fresta de luz na vida de muita gente: homossexuais em todo território nacional agora poderiam almejar beijar a pessoa que amam, ou mesmo encontrar o amor, assim como os dois personagens da novela.

Esse sábado, nos Estados Unidos, outro beijo fez a história da televisão. De forma ao mesmo tempo espontânea e planejada, dois homens demonstraram seu amor em rede nacional com vários, vários beijos. E, longe de serem personagens construídos para ganhar a “simpatia do público”, eram duas pessoas reais, muito reais.

No começo do ano o jogador de futebol americano Michael Sam tomou a atitude corajosa de sair do armário assim que encerrou sua carreira no futebol americano universitário. A atitude era arriscada porque, na progressão tradicional da carreira desses jogadores, o próximo passo era passar pelo processo de recrutamento dos times profissionais, popularmente conhecido como “draft da NFL”. É um sistema que para nós brasileiros pode soar esquisito, mas que busca preservar a competitividade do campeonato da NFL, a liga de futebol americano dos Estados Unidos. Durante alguns dias, os técnicos de cada time escolhem membros novos para suas equipes entre os inscritos, em turnos, sendo que os times que ficaram pior colocados na última temporada são os primeiros a escolher – podendo, portanto, escolher para si os melhores jogadores universitários.

Num esporte famoso por ser ogro e machista, Michael Sam corria o risco de ver as rodadas de recrutamento passarem todas e, seja por homofobia, seja por desinteresse, seja por falta de talento próprio (opção mais difícil, já que ele havia sido escolhido como o melhor jogador de defesa do campeonato universitário), ficar fora dos times profissionais. Mas eis que, no terceiro dia de recrutamento, na penúltima rodada, Michael Sam foi escolhido pelo técnico Jeff Fisher para fazer parte da equipe St. Louis Rams, do Missouri, o mesmo estado em que Sam já jogava durante a universidade. Sam foi o 249º jogador a ser escolhido entre 256 jogadores no total.

Depois de dias de tensão, depois de receber a notícia por telefone, Michael Sam desmoronou. Chorando convulsivamente, ele agradeceu à notícia, enquanto recebia o apoio de Vito Cammisano, seu namorado. E daí, como todo mundo faria, comemorou a notícia dando um beijo na pessoa amada. E outro. E outro. Perante as câmeras da ESPN.

A beleza do gesto é que não dá pra ninguém pensar que foi algo armado. Que ele estava de alguma maneira interpretando para a rede nacional. No entanto, é óbvio que Sam sabia que as câmeras estavam lá. E que seria tudo registrado. Ao não se deixar reprimir pelas lentes, Sam reforçou a mensagem de que um beijo entre um casal homoafetivo não é em nada mais excepcional que o de um casal hétero. E deu um belo final ao capítulo que se iniciou quando saiu do armário para os colegas de equipe e, depois, para o mundo.

Muita, muita gente vai ter visto um beijo entre dois homens pela primeira vez por causa desse vídeo. Pais, filhos, fãs de esporte que não costumam se interessar pela igualdade entre os tipos de casais. Quando a ESPN mostra essa cena, mais um passo para a normalização – banalização? – do afeto gay está sendo dado. E nada de “carneirinhos” ou “bichas más”: o que se vê é um brutamontes, chorando, emocionado, beijando outro homem. Um mundo de possibilidades se abre, e agora os jovens não vão mais pensar que são obrigados a escolher entre a carreira esportiva e sua vida amorosa.

Claro, sempre há quem reclame. O jogador Don Jones, do Miami Dolphins, tuitou na hora do beijo que achava aquilo “horrível”. O time, exemplarmente, puniu o jogador com uma suspensão, e ele foi obrigado a pedir desculpas. Isso demonstra que o mundo esportivo é mais que um calabouço viril e varonil, como afirmou aquele juiz infeliz. Cyd Zeigler explicou bem em seu artigo para o jornal The Guardian:

Quem vê problema nisso, quem não quer falar sobre atletas gays, afirma que o esporte – principalmente no nível profissional – trata apenas de vitórias e derrotas. Nada poderia ser mais falso. O esporte trata de espírito esportivo e camaradagem, trabalho duro e determinação. Também trata de justiça social e oportunidades iguais para todos. A vitória e a derrota são apenas efeitos colaterais.

O esporte foi feito para momentos como esse – para unir pessoas de todo tipo, e construir uma espécie de compreensão mútua… mesmo que os grupos religiosos de direita reclamem que a ESPN está promovendo a “pauta homossexual”. O esporte foi feito para mandá-los às favas.

Parabéns novamente, Michael Sam. Torcemos para que sua carreira seja um sucesso – e que você venha a comemorar mais algum troféu com outros beijos no seu namorado.

sam-kiss

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3 comentários

Danilo

O Michael Sam é o namorado que peço todos dias a Deus. :-p

Frank

Gostei seu artigo, Marcio. E parabéns pela coragem e sinceridade, Michael Sam. Essa ai é homem de verdade.

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