Patrocínio aos jogos de Sochi suja imagem de grandes marcas

Protestos e a força das redes sociais criam dores de cabeça às companhias que associaram suas imagens às Olimpíadas de Inverno na Rússia

por Marcio Caparica

Não existe nada menos controverso que patrocinar Jogos Olímpicos. Não é? Nações reunidas em competições esportivas, esperança e superação por toda parte, pessoas talentosas, lindas e saradas subindo em pódios… Lugar certeiro para investir sua grana de patrocínio, certo? Era o que todas as grandes marcas pensavam. Daí a Rússia vai e aprova uma lei internacionalmente controversa. E então os patrocinadores, com seus contratos fechados anos antes, se veem numa saia justa.

Ano passado foi aprovada na Rússia uma lei que proíbe qualquer tipo de declaração pública a favor da homossexualidade – a famosa lei contra a “propaganda gay”, como nós discutimos no Lado Bi da Rússia. Empresas como Visa, Samsung e McDonald’s desde então vêm sendo criticadas por ativistas LGBT por continuarem prestigiando os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi. Por ser um dos maiores alvos, quem se descobriu na maior enrascada foi a Coca-Cola.

Em dezembro a Coca montou uma ação em que lindos caminhões decorados para o Natal rodavam o Reino Unido. Os consumidores felizes poderiam ir até o local em que o outdoor ambulante parava e tirar fotos meigas e cheias de açúcar, que seriam publicadas no site da ação mais tarde. Um grupo de ativistas LGBT aproveitou para protestar contra o apoio aos Jogos Olímpicos de inverno:

"Exigimos proteção a russos LGBTQ+", "Defenda pessoas LGBTQ+ na Rússia", "Patrocinadores olímpicos: quebrem seu silêncio sobre a Rússia!", dizem os cartazes.

“Exigimos proteção a russos LGBTQ+”, “Defenda pessoas LGBTQ+ na Rússia”, “Patrocinadores olímpicos: quebrem seu silêncio sobre a Rússia!”, dizem os cartazes.

No dia 18 de janeiro o ativista russo Pavel Lebedev foi preso ao abrir uma bandeira do arco-íris durante a passagem da tocha olímpica na cidade de Voronezh. O segurança que segurou Lebedev e o entregou à polícia tinha o logotipo da Coca-Cola em seu uniforme, e a marca da empresa estava espalhada ao redor da cena em todas as partes. Numa declaração ao site AmericaBlog, a empresa não nega nem lamenta a presença de seu logotipo nos uniformes, e evita qualquer crítica às ações dos seguranças:

Como uma das marcas mais inclusivas do mundo, nós valorizamos e celbramos a diversidade. Nós apoiamos há muito tempo a comunidade LGBT e apoiamos a inclusão e a diversidade  em nossas iniciativas e práticas. Nós não apoiamos abusos de direitos humanos, intolerância ou discriminação de qualquer tipo seja aonde for no mundo. (…) Como parceiro do revezamento da tocha olímpica dos jogos de 2014, nosso logo aparece em todos os uniformes da equipe escolhida pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Sochi. O Comitê informou que o espectador foi impedido de adentrar o perímetro de segurança ao redor do portador da tocha. Ele foi detido por um breve período de tempo pela polícia local e multado.

A prisão do ativista pode ser vista no vídeo abaixo:

Ter alguém portando sua marca enquanto prende alguém que luta por direitos humanos já é feio. Mas a coisa fica pior, graças às maravilhosas redes sociais.

Três dias depois, o McDonald’s lançou uma campanha no Twitter utilizando a hashtag #cheersToSochi (saudações a Sochi). Os tuiteiros ativistas imediatamente se apropriaram dela para condenar o apoio da rede de fast-food ao evento. Logo a hashtag não marcava nada além de internautas revoltados com o dinheiro que as corporações continuavam a dar para um evento em que manifestações LGBT serão reprimidas. As McMídias Sociais, em geral tão tagarelas, nesse dia ficaram pianinho em seu canto.

 

 

A hashtag passou a ser usada até para pressionar outros patrocinadores:

E as tentativas de conter as manifestações via internet acabam criando mais crises. O site da Coca-Cola da África do Sul montou uma página em que os usuários podem escrever seus nomes ou mensagens em “latinhas virtuais”, como já vimos aqui no Brasil com nomes de pessoas, ritmos musicais etc. Recentemente os internautas descobriram que entre as palavras bloqueadas pelo site estão “gay”, “homo”, “dyke” (sapatão), além das previsíveis “sex” e “fuck”. “Straight” (hétero), no entanto, está liberado.

Nós aqui do LADO BI testamos o site e descobrimos que eles ainda não aprenderam a falar português:

Compartilhe uma Coca com um viado

Compartilhe uma Coca com um viado

Compartilhe uma Coca com uma bichona

Compartilhe uma Coca com uma bichona

Para quem acha que tanta retaliação é injustificada ou infundada, vale a pena lembrar o que Minky Worden, diretora de iniciativas internacionais da ONG Human Rights Watch, disse ao jornalista Michelangelo Signorilli em agosto de 2013: esses patrocinadores e o Comitê Olímpico Internacional poderiam ter pressionado e talvez até impedido que essa lei acontecesse, mas preferiram se abster. “O COI e os patrocinadores olímpicos top – Coca-Cola, McDonald’s, Procter & Gamble – acompanharam o progresso dessa legislação. Esses jogos são tão importantes para Putin que, se eles tivessem ameaçado retirar seu patrocínio, provavelmente essa lei não seria promulgada.” Ela ainda lembra que a pressão do COI e do comitê olímpico norte-americano fizeram que a Coreia do Sul, que era uma ditadura militar quando conseguiu os Jogos Olímpicos de Seul, convocasse eleições para presidente antes do início do evento, em 1986.

Os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi terão início dia 7 de fevereiro.

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2 comentários

OK Cupid bloqueia o Firefox em retaliação a CEO homofóbico - Lado Bi

[…] A maioria das empresas ainda se faz de sonsa com relação aos direitos LGBT, se negando a exercer sua influência quando ela poderia provocar avanços reais para que todos tenham os mesmos direitos humanos. Algumas esclarecidas (ainda poucas, infelizmente) estão à frente dessas outras, que só vão declarar todo seu apoio quando o trem da história já tiver passado. O site OkCupid, um dos maiores sites de relacionamentos amorosos do hemisfério norte, tomou hoje uma atitude que prova que não está apenas interessado no cartão de crédito de seus usuários, e sim na igualdade para todos eles – gays e héteros. […]

diego pinto

Primeiramente ótimo post Marcio. O Ladobi esta de parabéns pela consciência politica.
A solução dessa questão é simples mas requer muita organização da comunidade lgbt. Basta utilizarmos da forma mais eficiente de protesto: o boicote a estas empresas. Tenho certeza que se todo simpatizante da causa deixar de consumir estes produtos e deixar claro o motivo, as empresas vão ter que se posicionar. É incrível como o simples fato de trocar sua marca de refrigerante pode ser cirurgicamente eficaz para uma causa. É a melhor forma de se usar o capitalismo (de que as pessoas tanto reclamam) ao nosso favor.

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