Façamos uma DR com o conceito de casamento

As razões por que as pessoas se casavam não fazem mais sentido. Nós deveríamos nos perguntar: casar pra quê?

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Tauriq Moosa para o jornal The Guardian

O casamento, como é conhecido na maioria dos países ocidentais, é considerado como o objetivo final dos relacionamentos entre (em geral) um homem e uma mulher, e costuma ter algum tipo de componente religioso. O casamento é visto como algo “sagrado”. Planeja-se festas de casamentos em que poucos querem sinceramente comparecer; usa-se vestidos absurdos que nunca mais verão a luz do dia; tira-se fotos constrangedoras em família.

Estar casado, em teoria, transmite uma imagem respeitável. Estar casado é visto como um sinal de estar “assentado”, um indicador de estabilidade. Por algum motivo nós chegamos a dar os parabéns até para quem já está num relacionamento estável por, basicamente, assinar papéis (ou apenas mudar o status do Facebook) e chamar isso de compromisso. Nós gastamos uma quantidade absurdamente enorme de dinheiro em anéis de casamento e noivado.

Nos Estados Unidos, a taxa de casamentos é a mais baixa nos últimos cem anos. No Brasil, casa-se cada vez mais tarde e divorcia-se cada vez mais cedo – apesar do número de casamentos legais na verdade ter aumentado na última década. Há cada vez mais pessoas optando por ser pais solteiros (sem falar dos casamentos gays), e números cada vez maiores de casais que abandonam as cerimônias religiosas por completo. Indivíduos vivem vidas mais felizes porque só passam a considerar o casamento mais tarde. É hora de reconsiderar a importância do casamento.

Para falar a verdade, muita gente conhecida já desconsidera o casamento: Oprah Winfrey não tem a menor vergonha de não ter se casado com seu parceiro de mais de 20 anos; o casal mais poderoso de Hollywood, Brad Pitt e Angelina Jolie, têm filhos, adotados e biológicos, mas continuam sem se casar. Muitas celebridades não têm o menor pudor de descartar o casamento como objetivo de vida. Eles não precisam de uma certidão de casamento para serem felizes.

Para que, então, se casar?

Mito 1: é tradicional

Um dos motivos que se dá envolve tradição, religião, família e/ou cultura. Nada disso é razão suficiente para se casar – ou fazer seja lá o que for.

Agir estritamente baseando-se no que as famílias desejam não seria apenas arcaico, como também imoral: só porque alguém quer que algo aconteça não quer dizer que ela deve ser obedecida ou que essa exigência é correta. Por exemplo, pais que obrigam seus filhos a se casarem são cada vez mais considerados criminosos nos países ocidentais. Sua vontade de que o casamento aconteça não faz do casamento forçado algo bom. Os desejos dos pais não significam automaticamente um acerto moral (ou legal).

O amor não deveria ser completamente incondicional, mas também não deve ser uma arma apontada para a cabeça. Cada um tem sua vida, e acordos costumam ser possíveis – mas nem sempre.

Se casar por causa de sua religião também é problemático: desconsiderando-se a questão daqueles que não são religiosos, ações também não são necessariamente justas porque uma religião exige que aconteçam.

Mito 2: É uma declaração pública de amor

O próximo argumento que se costuma escutar é que o casamento é uma declaração de amor. Serve para “demonstrar” que você sossegou o facho, que o parceiro está “fora do mercado”, e que estamos em posição de construir uma família. Quase tudo isso, porém, é uma encenação para os outros. Há inúmeros casais monogâmicos que mantêm relacionamentos estáveis e saudáveis sem anéis ou certidões para “comprovar” a fidelidade.

Até porque, nós estamos tentando comprovar nosso amor para quem? A prova deveria ser a maneira como um parceiro trata o outro: qualquer outra coisa é mero adicional, não a base. Deveria-se ficar mais preocupado com a necessidade de se “prender” alguém com um anel ou certidão ou qualquer outro documento público, como se o outro fosse um animal feroz.

Além do mais, como as taxas crescentes de divórcio demonstram, se prender a outra pessoa não funciona para muita gente, principalmente pelo resto da vida. Muitos chegam num meio-termo. Casais hoje em dia praticam swing, mantêm casamentos abertos etc. Isso tudo só deveria fazer com que se questione por que ainda nos atemos ao ideal do “único e verdadeiro amor” no fim das contas.

Mito 3: pais casados são pais melhores

Claro que há indícios que apoiam a ideia de que casais de papel passado tornam-se pais melhores que, digamos, pais solteiros. Isso se deve em parte porque não há muita pesquisa a respeito de estruturas familiares alternativas, mas isso certamente deve mudar com as novas tendências.

Isso posto, não é apenas o casamento que dá aos casais os poderes mágicos para educarem bem os filhos: é a estabilidade no lar, o bom relacionamento, uma base sólida de apoio. Os responsáveis por isso não são certidões e alianças, mas sim pessoas maduras, honestas e boas – para consigo mesmas e para com os outros. Some-se a isso o fato de que a presunção de que todo adulto ou todo casal quer ter filhos é falsa.

Mito 4: você recebe benefícios legais e financeiros melhores

Não há como negar que essa talvez seja a melhor das razões horríveis a favor do casamento. Há benefícios legais e econômicos que só se obtém depois de casado. Seguridade social, direitos de propriedade, direitos de visitação, benefícios para viagens e isenções de impostos. É um dos campos em formulários de declarações de impostos, formulários médicos e fichas de viagem (não é das coisas mais românticas. A cerimônia devia dizer “até que os impostos nos separem”.)

Qualquer casamento que existe apenas pelas vantagens tributárias precisa de ajuda urgente. Significa que o casal está interessado não no relacionamento em si, mas sim nos benefícios que pode obter do estado. Não é muito diferente dos infames casamentos feitos com nativos de um país para se obter vistos de trabalho ou residência, ou cidadania. Esse tipo de atitude, mais uma vez, enfraquece o que muitos pensam que é o casamento – ou que deveria ser.

Mais ainda, deveríamos questionar por que apenas um tipo de relacionamento é reconhecido pelo Estado: o dito relacionamento monogâmico. A monogamia deveria ser opcional, não mandatória, em todos os níveis – principalmente no nível legal e financeiro.

Você pode argumentar que o Estado requer uma maneira de reconhecer a estabilidade. Se o casamento é a única maneira, então é o caso de admitir-se que o indivíduo e o Estado enganam-se mutuamente quando assinam os documentos para obterem benefícios mútuos. Presumindo-se, igualmente, que o Estado deveria estar envolvido no casamento para início de conversa, o que por si só pode ser contestado. Se, como adultos, nós podemos decidir como passar o resto da vida, nós deveríamos ser capazes de redigir documentos legais caso a caso. Assim, como aponta Edward Morrisey:

Aqueles que optam pela coabitação em relacionamentos não-tradicionais teriam opções amplas de formalizar seus arranjos por meio desse processo de contrato privado, que o governo faz cumprir mas não sanciona. Isso daria aos adultos liberdade de escolher quaisquer arranjos sexuais que desejem para além das proibições de fato que objetivamente se aplicam a todos. Isso é a verdadeira liberdade e igualdade.

Sendo assim, se possível, mesmo por essas razões econômicas e legais tão importantes o casamento parece ser desnecessário. No Reino Unido, por exemplo, as pessoas podem redigir contratos similares àqueles de casamento. No Brasil existe o conceito de união estável. Não há razão por que se negar a casais que não se casaram mas vivem juntos os direitos que são concedidos aos casados.

Por que alguém, para obter benefícios, deveria se ater à noção arbitrária, e em geral arcaica, do que constitui uma relação estável sob o ponto de vista de um governo? Se pode-se conseguir a maioria das benesses legais e contratuais sem o casamento, então ele perde toda credibilidade.

A “santidade” do matrimônio – seja lá o que isso quer dizer – há muito tempo vem sido minada por: altas taxas de divórcio, poliandria e poligamia, casamento gay, a admissão de que o casamento nem sempre foi do mesmo jeito, e por aí vai. Pondo isso tudo de lado, nós deveríamos questionar a necessidade de se estar casado.

Nós queremos uma sociedade em que todos são tratados igualmente como adultos. Ter o casamento como o ápice da vida social cria um estigma sobre aqueles que não se casaram, que são vistos como, por exemplo, menos estáveis, o que significa que eles têm menos chances de adotar filhos – apesar de que essas pessoas são tão estáveis quanto os casados.

Eu não estou propondo a erradicação do casamento, mas que se reconsidere sua importância e o que se pressupõe por causa dele. Isso ajudaria a todos a se abrirem às diferentes formas de interações românticas e sexuais das quais, de outra maneira, eles estariam privados – ou, no mínimo, aumentaria a tolerância, já que a sociedade não estaria premiando apenas um único tipo de relacionamento. Possivelmente isso diminuiria o estigma sobre os solteiros e permitiria que todos os cidadãos – solteiros, em relacionamentos ou em outros arranjos – fossem tratados com respeito. Os benefícios do casamento (estabilidade, facilidades legais e benefícios econômicos) ainda estariam disponíveis, sem recorrer à instucionalização.

Essa ideia não deve boicotar a luta por coisas como o casamento gay – até porque essa luta também faz seu papel em enfraquecer as presunções sobre o matrimônio e suas normas.

Pessoalmente, eu não vejo qualquer razão por que o casamento deveria ser algo desejado ou apoiado. Eu prefiriria viver numa sociedade que, apesar de ter pouco interesse nos meus relacionamentos, protegeria a mim e a todos igualmente. Esta não é uma situação de extremos, de interesse social absoluto ou completo desinteresse. Mantenham o casamento, se desejam isso, mas ele não deveria servir de impedimento a benefícios ou tratamento igualitário, nem servir de restrição a isso. Principalmente quando parece haver tão poucos motivos para que ele exista.

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Um comentário

Matheus

Acho que o problema é que o casamento vem sendo a séculos maquiado, na antiguidade e até na era das monarquias europeias o casamento só servia para unir bens e fortunas, unicamente um acordo econômico, que teria igual valor que qualquer contrato que seja feito por outra forma, a diferença é que é um tipo de contrato padrão, onde ao assina-lo ganha-se vários benefícios, dos quias seriam necessários vários outros contratos, um para cada área, ou um enorme com todos os pontos. Mas concordo ser um absurdo que governos mostrem dificuldade em aceitar contratos feitos pelas partes envolvidas e que não sejam no padrão do casamento, como é o caso de relações poligâmicas, qual o problema de se aceitar um contrato que diga a que cada um tem direito e quais os deveres de cada um, se todos estão assinando de bom grado não há problemas, e infelizmente no Brasil temos somente uns 3 contratos do tipo, se não me engano, se as partes envolvidas acordaram de bom grato com o que está em um contrato não vejo nenhum motivo para um governo não aceita-lo como funcional. Sobre isso eu mesmo só penso em me casar com meu namorado, no futuro né, por facilidades e por direitos, pois por outras razões, estando juntos é o que importa, o casamento não mudará nada na parte afetiva da relação, somente na socioeconômica.

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