Traduzido do artigo de Rebecca Nicholson para o jornal The Guardian
Quando o jogador de rúgbi Keegan Hirst se declarou homossexual essa semana, ele admitiu que vinha escondendo isso há muito tempo. “Como é que eu podia ser gay? Eu sou do interior. Ninguém é gay no interior.” Fosse o jogador de 27 anos alguns anos mais jovem, ele poderia ter encontrado algumas pessoas em sua cidade natal que ao menos consideram-se sexualmente fluídas. Uma pesquisa divulgada pela empresa YouGov essa semana avaliou que 46% dos jovens britânicos entre 18 e 24 anos identificam-se como completamente heterossexuais, e apenas 6% deles consideram-se exclusivamente homossexuais. A sexualidade agora está se espalhando entre os extremos: a identidade é muito mais flexível, e a fluidez sexual, muito mais aceitável, do que antes.
O binarismo entre homossexuais e heterossexuais está desabando, e rapidamente. A época em que a orientação sexual de uma celebridade era digna de escândalos nos tabloides passou faz tempo. Apesar dos jornais ainda noticiarem quando pessoas famosas saem do armário e comentarem seus relacionamentos homoafetivos, o palavreado tenebroso que era comum a essas matérias foi substituído por um tom de fofoca, estilo “você sabe da última?”, o tipo que sua mãe poderia adotar no telefone quando lhe conta o que a vizinha da rua de trás andou aprontando. E a reação das celebridades também se metamorfoseou em uma atitude que nega-se a entrar no jogo de colocar-se rótulos. A estrela pop Miley Cyrus publicou no Instagram a foto de uma manchete que a descrevia como genderqueer, acompanhada da legenda “Nada pode/vai me definir! Livre para ser TUDO!!!”. Kristen Stewart, que vem sido perseguida por insinuações a respeito da “colega” ao lado de quem vem sendo fotografada há alguns anos, finalmente comentou a respeito de seu relacionamento em uma entrevista para a revista Nylon deste mês. Ela simplesmente declarou “Coloque meu nome no Google, eu não estou escondendo nada”, mas, assim como as pessoas que responderam à pesquisa da YouGov, recusou-se a definir-se como heterossexual ou homossexual. “Acho que em três ou quatro anos haverá muito mais pessoas que não acham que é necessário definir se você é homossexual ou heterossexual. Tipo, cada um na sua.”
Pode-se argumentar que celebridades como Stewart são parte da razão por que esses parâmetros tornaram-se menos relevantes, pelo menos no ocidente. Não deveria caber às pessoas famosas definir nossas atitudes sociais, mas a visibilidade faz diferença, simples assim. Se ver a estrela da série Crepúsculo andando de mãos dadas com sua amiga na rua não é visto como ultrajante ou transgressivo, isso faz uma pequena contribuição para que a normalidade do ato seja reforçada. Se Cara Delevingne declara à revista Vogue que ama sua namorada, isso, também, colabora para esse quadro. Quanto mais pessoas saem do armário, mais comum isso se torna; menos confuso se sente o jovem de uma cidade pequena que lê os sites de fofoca; menos pasmo fica o pai de um adolescente quando o filho traz um ficante do mesmo sexo para casa. Isso, somado às legislações que reforçam os direitos igualitários com força avassaladora – o casamento homoafetivo foi legalizado na Irlanda e nos Estados Unidos – faz com que de repente pareça menos “anormal”, menos fora da caixinha, apaixonar-se ou sentir desejo por alguém do mesmo gênero.
“Eu me descreveria como bissexual homorromântica”, afirma Alice, 23, de Sussex. Para quem não tem a legenda, eu pedi uma explicação. “Isso quer dizer que eu gosto de transar com homens e mulheres, mas eu me apaixono apenas por mulheres. Eu não quero dizer algo besta como ‘eu gosto de pessoas’, porque na maioria das vezes o lance é apenas que eu gosto de pau.” Ela diz que sua atitude quanto ao sexo e sexualidade é similar entre outras pessoas que convivem com ela. “Muitos de meus amigos tratam sua sexualidade como um tipo de comportamento hoje em dia, não como um rótulo. Eles dizem, ‘Eu curto meninos’, ou ‘Eu pego meninas também’, ao invés de falarem ‘Eu sou gay, eu sou lésbica, eu sou bissexual’.”
Ela afirma que mesmo entre aqueles que saem apenas com pessoas do mesmo gênero há uma relutância em adotar uma identidade tão carregada como “gay”. “A maior parte dos jovens que são homossexuais não veem isso como uma característica definidora de seu caráter, porque eles não são obrigados, porque a sociedade não fica lembrando eles dessa diferença o tempo todo.” No entanto, ela toma o cuidade de apontar que isso acontece apenas na pequena parte liberal de Londres onde ela vive agora. “[Não se definir] é algo que eu me dou o direito de fazer porque vivo em Londres, mas não acho que seria capaz de fazer o mesmo numa cidade pequena do interior. Eu nunca sofri discriminação quanto a minha sexualidade, mas eu sei que a razão disso é que eu não dou pinta.”
A verdade é que, entre os jovens britânicos com quem eu falei, a geografia é algo vital. Lucy, 25, pergunta-se se o número de pessoas que dizem não serem heterossexual realmente corresponde ao número de pessoas que realmente poem em prática esses desejos. “Dizer que você é fluído sexualmente significa que você faz parte de um movimento. Significa que você é visto como à frente de seu tempo”, ela provoca, sugerindo que há um certo prestígio ligado a ser visto como alguém aberto, que não se apega a afirmações de heterossexualidade. Ela também acredita que é um fenômeno que acontece muito mais na capital, e não representa o país como um todo. “Se eu voltar para minha cidade natal, nós não ficaríamos conversando sobre ‘fluidez sexual’. Ou você é ‘sapata’ ou não é. Lá só tem um tipo de lésbica”.
Muitas pessoas que questionam sua sexualidade passam pela tradicional migração de uma cidade pequena para uma cidade grande, em busca de pessoas como ela – para encontrar sua tribo, para fazer parte de algo. É uma história familiar e compreensível, conhecida há gerações. Mas agora, dentro dessas metrópoles, os pubs e bares que já foram os pontos de encontro para pqessoas não-heterossexuais estão começando a desaparecer, engolidos por forças econômicas brutais do mercado imobiliário, porque são lugares voltados para um nicho relativamente pequeno, incapazes de atrair o público de outros lugares heterossexuais. O canal Broadly, da revista Vice, lançou recentemente um filme chamado The Last Lesbian Bars (“Os últimos bares lésbicos”), em que investigava por que espaços voltados exclusivamente para mulheres nos EUA estavam fechando. Assim como em Londres, a falta de viabilidade financeira era parte da questão, assim como o crescimento de aplicativos de encontros, mas o que mais chama a atenção no filme e de observações empíricas é que muitas das noites “lésbicas” tornaram-se eventos mistos, queer, nos quais todos os gêneros são bem-vindos. Em seus melhores momentos, esses eventos tornam-se uma reunião alegre de desajustados de todos os tipos e preferências.
A palavra queer, que em outros tempos foi reapropriada desafiadoramente dos xingamentos homofóbicos, hoje tornou-se uma expressão bastante comum. Os jovens com quem conversei resistiam muito à palavra “bissexual”, mesmo quando dormiam com homens e mulheres, mas utilizam a palavra queer com facilidade e sem ressalvas. “Entre aqueles que nos telefonam e nossos voluntários, cada vez mais pessoas identificam-se como queer, principalmente entre as gerações mais jovens”, afirma Natasha Walker, uma das administradoras da LGBT+ Helpline, que recentemente mudou seu nome do antigo London Lesbian & Gay Switchboard (“Linha para gays e lésbicas de Londres”, em tradução livre) para ser mais inclusiva. “No passado, as pessoas lutavam pelo direito de definirem-se como lésbicas, gays, bissexuais, trans etc. Isso ainda acontece muito, mas também há um movimento claro para que se aceite as pessoas do jeito que são – com rótulos ou sem.”
Também há um certo atrativo nas raízes radicais do termo queer, principalmente quando a atração homoafetiva torna-se mais comum: a assimilação pela sociedade em geral faz com que a discriminação torne-se cada vez mais improvável, mas também arrica remover a identidade “renegada” da vida gay, que muitos gostariam de preservar.
“A verdade é que os homossexuais estão se casando, e tudo está se tornando normal”, aponta John, 32, de Plymouth. “Queer ainda é uma expressão política. Quanto mais velho eu me torno, mais eu a utilizo, porque eu tenho a sensação de que a compreendo mais do que quando tinha 22 anos. Mas isso também é, sem dúvida, uma mudança na cultura.” A palavra “bissexual” é, como diz John, “meio embaçada”, mas queer abarca um espectro amplo de desejos, e também inclui todas as pessoas que venham a rejeitar o binarismo de gênro.
Deixar para trás a necessidade de se identificar de alguma maneira pode parecer utópico em vários aspectos, e reconhece que para muitos a sexualidade não é uma decisão entre uma coisa e/ou outra. Ela também se apoia, no entanto, numa visão idealizada de uma sociedade generosa e de mente aberta, existente, digamos, no privilegiado mundo das celebridades, mas nem sempre verdade em outros lugares. A homofobia corriqueira não foi apagada pelo otimismo semântico. John lembra-se que um taxista recentemente deixou de atendên-lo quando encostou o carro e o viu beijar seu namorado. “Nós corremos atrás do carro, mas ele nem parou.” Mês passado, um dos amigos de John levou uma cusparada na cara vinda de um carro que passava em frente ao pub gay onde eles estavam. Esses são lembretes pequenos, mas constantes, de que o abuso, a discriminação e o preconceito continuam presentes e danosos, em cidades pequenas e grandes. Não há dúvidas de que mais jovens rejeitarem a heteronormatividade é uma coisa boa, ajam eles de acordo com essas ideias em suas vidas afetivas pessoais ou não. Mas adotar uma identidade tem seu poder, e também vale lembrar que a apatia pode ser tão perigosa quanto os rótulos.
Se o estão comentando sobre o namoro real do Príncipe Harry com a Princesa Flávia Windsor, eles são do governo então esse assunto é público, estamos anciosos pra ver os dois juntos.