Homens de maquiagem? Qual é o problema?

Traduzido do artigo de Seán Faye para o jornal The Guardian

É segunda de manhã, e eu estou prestes a realizar meu exame de legislação em serviços financeiros quando uma colega sussurra, “Seán, está tudo bem? Sua pele está meio… azul?”.

Mal ela termina a pergunta, e eu sei do que se trata. “Ah, não, eu estou bem”, respondo, enquanto minha memória repassa a cena de duas noites antes. Alguns drinques depois do expediente se transformaram numa noitada, e logo meus amigos me convenceram a sair para dançar. Não tem como, eu argumentava, porque eu não havia trazido maquiagem.

Daí veio a inspiração. “Eu posso usar esse marca-texto azul como sombra de olho – vai ser demais”, eu disse, enquanto desenhava casualmente pinceladas largas de tinta fosforescente sobre minhas pálpebras. Trinta e seis horas e quatro chuveiradas inúteis depois, eu ainda estou claramente com a cara pintada enquanto me preparo para relembrar qual é a atividade que é regulamentada pela FSMA 2000. Se é para eu defender a maquiagem, fico pensando, eu preciso começar a garantir que eu faça uma direito.

Eu tenho 26 anos, e uso maquiagem há 10. Nesse período, a maneira como a uso, e o que eu opto por expressar quando o faço, mudou. Quando eu era adolescente, na maioria das vezes era algo secreto e experimental, mas acho que também era para chocar. Hoje em dia eu estou tão acostumado a isso, que não me parece mais ser uma questão importante. Na década desde que eu comecei a usar maquiagem, eu também percebi que sou queer (o termo que eu prefiro usar para minha identidade sexual) e os amigos que eu fiz na vida adulta não são do tipo que se choca ao ver um homem usando maquiagem – na verdade, eu conheço vários caras que usam maquiagem também (e, em geral, a deles é muito melhor que a minha).

Ao mesmo tempo, eu embarquei numa carreira que, como costumam me dizer os bêbados nas áreas de fumante, parece incongruente com o fato que eu uso rímel nos finais de semana. Fora ser fascinante que eles pensem que eu não seria capaz de simplesmente lavar a cara antes de ir para o escritório (deixando de lado as canetas marca-texto), esse tipo de reação demonstra muito sobre como nós categorizamos as pessoas – um homem que conscientemente escolhe uma aparência feminina pode ser divertido, legal ou interessante, mas de jeito nenhum pode também ser sério, entender de deveres fiduciários ou usar o Microsoft Excel.

De muitas maneiras, eu sou aquele exemplo que os pais usam do que não se deve fazer. O pai homofóbico de um dos meus colegas de escola não deixou o filho entrar no teatro da escola no primeiro ano do Ensino Médio porque achou que aquilo era um antro de afeminação teatral. Você tem que dar a mão à palmatória: quando os homofóbicos estão certos, eles estão certos mesmo (Eles nunca estão certos). Ainda assim, a primeira vez que eu usei maquiagem foi durante uma peça na escola. Ano sim, ano não, nós encenávamos produções em conjunto com a escola para meninas local, e nos anos que se seguiram eu invariavelmente era escolhido para interpretar condessas vampiras, donas-de-casa prussianas lúgubres e uma ou outra criada francesa.

Na primeira vez que uma amiga da minha mãe passou lápis no meu olho, eu pisquei e me contorci descontroladamente, e acabei empalando a minha própria córnea. Lacrimejando e com os olhos vermelhos, eu não parecia uma nobre do século XVII, mas sim uma garçonete traumatizada numa novela de época. Desde então, eu adestrei minhas pálpebras com a ajuda de lápis de olho, géis, pós, glitter, cola e lantejoulas (coladas nas sobrancelhas).

Outros garotos que eu conheço e que começaram a usar maquiagem durante a adolescência descobriram que a cena emo era sua válvula de escape. Mas, apesar da pele pálida e dos cabelos escuros que herdei dos meus ancestrais celtas, eu tendia a ser mais alegrinho e gostava mais de R&B animado; minha breve tentativa de ser emo não deu muito certo.

Eu fui para uma escola apenas para meninos que impunha um uniforme bastante tradicional; mesmo já tendo começado a usar maquiagem nas minhas horas livres, meus professores e colegas de classe nunca me viram maquiado. A universidade me permitiu alguns experimentos mais destemidos. Claro que no começo foi um desastre: minha aparência era absurda. Sambando na cara da sutileza no glamour, eu ia para aulas às duas da tarde usando sombras metálicas e batons azuis. Mesmo me deparando com a cara feia do professor de Literatura Renascentista, isso nunca me causou problemas (será porque eu estava frequentando um curso de artes? Talvez outros cursos com, hmmm,  professores mais conservadores teriam incentivado uma autocensura visual).

Há toda uma época em 2008, ainda registrada nos recantos mais longínquos do Facebook, à qual eu me refiro hoje como “tuberculose chic” – eu achava que era uma ideia ótima sair com uma combinação de tons vermelhos, rosados e roxos na cara, como uma criança enferma da era vitoriana. Como você pode imaginar, isso foi uma maravilha para minha vida sexual estudantil: parece que ninguém quer sair com uma figura do século XIX. Parte disso se deve não apenas às cores horrendas, mas ao fato de que eu simplesmente usava maquiagem. E alguns dos comentários mais desagradáveis vieram de outros gays. No melhor dos casos, eu era excêntrico e divertido, mas certamente nada sexual: um eunuco colorido. No pior dos casos, me consideravam um constrangimento em busca de atenção, que tornava mais difícil os gays serem levados a sério. Isso significava que eu não podia usar maquiagem em encontros porque eu acreditava que tinha mais chances de me dar bem sem ela. Alguns anos atrás alguém que eu vinha encontrando há algumas semanas me disse que não se importava que eu usasse maquiagem, mas preferia que eu não o fizesse na frente de seus amigos. Eu o dispensei imediatamente.

Nesse mesmo período, é estranho observar a crescente venda de produtos de beleza voltados para homens – com um marketing que se sente obrigado a pedir desculpas e lidar com o frágil conceito de masculinidade. Veja, por exemplo, o delineador para homens, que nenhuma “pessoa razoável” usaria. No entanto, é difícil não revirar os olhos cheios de tinta com o bafafá que se faz quando celebridades como Johnny Depp, Jared Leto e Russel Brand usam delineador – afinal de contas, eles são heterossexuais confortavelmente rebeldes, aparentemente alinhados com seu gênero. Ainda mais interessante são os lábios vermelhos de Eddie Izzard, as sobrancelhas marcadas de Adam Lambert e a cara pintada do promoter e estilista Daniel Lismore, que leva a maquiagem masculina a níveis muito além do que as revistas de moda escrevem em polvorosa.

É pra ser algo divertido: o leque de opções de estilo à disposição dos homens já é tão restrita que é uma tristeza. Um mundo em que se preparar para a noite é mais do que simplesmente escolher qual camiseta da Zara você vai usar hoje não seria muito mais excitante para todos? Meninos, acreditem em mim, não há maneira mais rápida de sacudir a neblina de uma semana de trabalho que olhos esfumaçados e gloss nude. Se você está em busca de um ponto de partida simples, basta espalhar um pouco de sombra marrom ao longo da linha dos cílios. Você já não se sente mais sexy?

Nas sextas à noite as pessoas costumam fugir direto do trabalho para o bar, mas eu gosto de me montar em grupo, em casa ou na casa de um amigo. Minha mãe sempre descreveu a maneira como ela faz sua maquiagem como pintar numa tela em branco, e eu herdei essa metáfora. É altamente ritualístico. Eu me sento na frente de um espelho e aplico base líquida com um pincel. Daí eu estabeleço uma estrutura sutilmente diferente em meu rosto usando blush, e sinto minha transformação em uma criatura da noite (maquiagem fica melhor sob as luzes de bares e clubes, afinal de contas).

Meu kit de maquiagem agora provavelmente preenche uma pequena maleta de mão: base líquida e em pó, pó bronzeador, delineador preto e metálico, sombras de várias pigmentações e um arsenal de pincéis. Eu nunca curti usar batom, mas um amigo me apresentou recentemente ao lápis para contorno labial roxo, que eu tenho a intenção de experimentar em breve. Meu sonho é comprar um daqueles kits completos carésimos com tudo, que têm pincéis que já vêm com o próprio xampu – mas, sabe como é, o mar não está pra peixe.

Claro, há ocasiões em que eu escolho não usar maquiagem. Eu não uso em eventos ligados ao trabalho, talvez por um latente senso de obediência. Mas eu acho que deveria ser capaz de me maquiar de maneira similar à das minhas colegas, de forma discreta e apropriada, para o ambiente de trabalho.

Quando estava em meu emprego anterior, eu uma vez encontrei meu chefe na rua, numa noite de sábado. Eu estava usando glitter rosa sob meus cílios inferiores. Tive um momento de hesitação antes de ir até ele e cumprimentá-lo, antes de me dar conta que esse tipo de autopatrulha faria com que eu me sentisse pior que qualquer outro tipo de repercussão social. Ele ficou um pouco surpreso, mas tudo ficou bem.

Pra falar a verdade, como a maquiagem se encaixa na minha vida profissional é o que menos me preocupa. O que realmente me deixa preocupado é minha segurança na rua. Caminhar pela cidade usando cílios postiços e máscara durante uma parada gay é uma coisa, mas para voltar para casa de ônibus à noite é outra. Mesmo à luz do dia, as crianças nas praças me xingam e homens me perseguem pela calçada; às vezes ficam me secando silenciosamente, às vezes fazem perguntas degradantes. Sempre é ameaçador.

Seria mais fácil sair sem maquiagem e não ter que levar comigo os lenços umedecidos se eu quero voltar sozinho para casa,  com segurança, depois da balada. Mas também há muitas reações positivas. Mesmo se você se montou tão mal que você parece um boneco de cera velho derretido depois de um incêndio, as pessoas de bem vão elogiar. Alguns estranhos estão tão desesperados para demonstrar como acham completamente OK um homem usar maquiagem que são capazes de vir do outro lado da sala para dizer como seu look é ótimo. E eu não tenho vergonha de admitir que esse tipo de afago barato é uma maravilha.

Também dá para argumentar quase sinceramente que há uma causa nobre por trás disso tudo – que as selfies no Instagram não são apenas o produto da minha própria vaidade, mas sim um desafio provocante ao status quo. Um rebelde lutando corajosamente pela liberdade. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra de olho da morte, não temeria mal algum. Tipo isso.