“Quero ser mais musculoso”: dismorfia corporal também é um problema para homens

Novas pesquisas revelam que o número de homens com distúrbios de imagem corporal ou alimentares é cada vez maior; o problema afeta gays com mais força. O ativista Christian Lewis compartilha sua própria luta contra a obsessão por um “corpo perfeito”

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Christian Lewis para o site Huffington Post

A imagem corporal é algo com que muitas pessoas lutam – especialmente pessoas queer. A sociedade já tem muito a dizer sobre mulheres com anorexia, e muitas vezes as retrata na mídia, mas pouco se fala sobre homens com dismorfia corporal; e, ao contrário do que pensa o público, ela é bastante comum.

Pessoas queer costumam ser hipersexualizadas, e nossa aparência recebe bastante atenção extra – o que adiciona mais pressão à maneira como enxergamos nossos corpos. As mulheres, em particular, são criticadas por sua forma física. No entanto, esse não é o tema do meu artigo; eu vim aqui escrever sobre minhas experiências e os problemas que eu enfrento com a imagem corporal.

Até recentemente, não havia muita pesquisa científica (ou sequer preocupação) sobre os distúrbios alimentares e problemas de imagem corporal em homens. Vigorexia era um termo que se usava como brincadeira; as pessoas não pensavam realmente que a masculinidade fazia com que alguém se preocupasse com o peso. Há 20 anos, para cada 10 casos registrados de mulheres com algum distúrbio alimentar, havia um homem. Atualmente, a proporção já aumentou para um caso de distúrbio alimentar registrado em homens para cada 4 registrados em mulheres. Outro estudo publicou que por volta de 18 por cento dos garotos adolescentes estão altamente preocupados com seu peso e forma física. Dismorfia muscular, ou “anorexia reversa”, também é um distúrbio que passou a ser pesquisado recentemente entre os homens: a condição em que homens sentem que estão sempre abaixo do peso e desejam tornar-se cada vez mais musculosos, o que leva que abusem de esteroides e façam exercícios físicos em excesso – muitas vezes, passam de 3 a 4 horas por dia na academia.

Essa estatística pode parecer estranha para você. Ela não me espanta, porque eu faço parte desse percentual. Eu luto com minha imagem corporal. Eu vivo preocupado com meu peso e com minha forma física. Eu sinto uma vontade incapacitante de me tornar mais musculoso. Eu não sou feliz com meu corpo.

Eu me observo constantemente no espelho, mas não por vaidade, mas por tristeza. Eu me observo e só penso nas coisas que gostaria de mudar.

Eu não me permito subir na balança. Eu não me peso. Eu vivo num medo perpétuo de recair num estilo de vida pouco saudável.

Ser gay faz com que eu estresse ainda mais com meu corpo. Homens gays são extremamente sexualizados (pelo público, mas especialmente uns pelos outros). Dá-se tanta importância para nossa forma física: definição, músculos, pelos, tamanho da cintura, peitoral, abdome, bíceps, queixos, pomos do rosto, tudo.

Eu sofri com minha imagem corporal pela maior parte da minha vida. O Ensino Básico foi difícil, cheio de dismorfia corporal e infernos relacionados. Mas, felizmente, quando cheguei no Ensino Médio eu havia aprendido a controlar meus hábitos pouco saudáveis. Eu ainda não gostava da minha aparência, mas eu estava melhor. Então eu fui para a faculdade, me aceitei e me declarei gay. Daí as coisas ficaram ruins.

Assim que eu me declarei gay, senti toda uma pressão nova para ter uma certa aparência. Quanto mais eu me envolvia na cultura gay, e mais a conhecia, pior as coisas ficavam. Apesar de sempre ter sido gay, quando descobri o que era um twink (Nota do tradutor: também conhecido como ‘lolito’ no Brasil), eu passei a sentir todo um conjunto novo de pressões. De repente, eu precisava me encaixar num certo padrão. Eu voltei a me sentir gordo. Eu sentia que precisava perder peso. Eu queria me tornar mais musculoso de qualquer jeito.

Eu comecei a frequentar muito a academia da faculdade. Depois de algum tempo, eu cortei meu cabelo num daqueles cortes da moda (gay). Eu comprei roupas das marcas certas. Na real, isso fez com que eu me sentisse um pouco melhor. Parte disso era a vontade de me redefinir, outra parte era a necessidade de obedecer os padrões gays do que é “sexy”.

Cada vez que um cara me chamava de twink eu recebia o elogio com certo pesar: sim, era algo bom de se ouvir, mas também era uma tarefa, um desafio, parte da lição de casa. Cada vez que me diziam que eu era um twink eu sentia a necessidade de ser mais magro, de ir mais uma vez para a academia, de comer mais uma barra de proteína, de me depilar (ainda) mais, de cortar o cabelo, de comprar roupas mais justas. A comunidade gay e seus ideais de beleza me pressionam para que eu tenha uma certa aparência. Esses padrões de beleza fazem com que eu me sinta mal. Eles me deixam infeliz quando eu me olho no espelho.

Sim, eu sou homem. Sim, eu sofro com minha imagem corporal. Sim, ser gay faz com que isso seja pior. Esse não é um problema apenas das meninas heterossexuais. A dismorfia corporal é algo com que muitas pessoas sofrem, e não é algo que pode-se ignorar. Então, por favor: faça mais elogios, aceite a maneira como as pessoas são e não pressione alguém para ter um certo tipo de aparência. Distribua amor e aceitação para todos os pesos, tipos de corpo, formas físicas e tamanhos. Diga para alguém que essa pessoa é linda. Faça alguém sorrir.

Christian Lewis é o fundador da revista LGBT Queer Voices  e ativista queer na universidade Vassar em Poughkeepsie, EUA.

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

4 comentários

Kelvin Rosa

A questão é que eu tenho um problema parecido. Claro, estou na adolescência, mas esse é o momento em que todo jovem quer aparecer. Porém, o meu problema é o seguinte: como, como, como e não engordo. Meu peso sempre fica parado no 50KG. Eu posso até ganhar uns 1-2KG de vez em quando, mas um dia depois, torno a perdê-los.

Como o autor do texto, claramente me sinto envergonhado do meu corpo, por estes motivos: magreza excessiva, coxas finas, pernas finas, e um tronco muito definido/grande e desproporcional ao corpo.

Outro problema é que eu não gosto da maioria dos alimentos que fazem bem à saúde. Não consigo comê-los. Tenho ânsia de vômito e sinto que isso irá me prejudicar num futuro não muito distante.

Carlos

Seria ótimo que vc procurasse um médico ou algo do tipo, sentir esses enjoos não é nada bom e é preocupante.

Também me sinto bastante feio em comparação aos padrões atuais, as vezes me olhar no espelho e encarar meu corpo magro é bem chato, tbm vivo comendo e não engordo. Mas sabe aos poucos eu vou querendo cada vez me amar e amar pessoas menos padronizadas, dar um pouco de afeto pra quem normalmente não é bem visto. É uma luta diária.

Eduardo

E não seria bacana que os sites LGBT parassem de reproduzir esse padrão de beleza raso em suas páginas? Mais diversidade por favor!

Comments are closed.