São Yantó. Fotógrafa: Aline Belfort

São Yantó lança álbum sobre o prazer de não ser santo

Em seu quarto disco, o cantor antes conhecido como Lineker cria nova identidade e explora as vertentes do desejo em cinco canções

por Marcio Caparica

Cinco canções sobre o desejo são a maneira como São Yantó, antes conhecido como Lineker, escolheu para reapresentar-se no mundo. Em seus álbuns anteriores ele já havia mostrado ser dono de uma voz magnética, autor de composições instigantes e capaz de construir arranjos dos mais complexos para suas canções. Isso tudo se mantém, mas agora acompanhado de um sorriso safado, catapultado pela liberdade de uma nova identidade.

Lançado no dia 3 de novembro, São Yantó traz canções luminosas e extremamente pessoais. Quem o escuta tem a impressão que o intérprete e compositor sentou a seu lado, encostou a cabeça em seu ombro, deixou a mão pousar em sua coxa e lá ficou, numa sedução sem pressa de ser concluída. O prazer está em instigar mesmo. São Yantó discorre sobre a relação entre artista e admirador em “Medida”, relembra a adolescência em “Expedito” e avisa na primeira faixa: “O meu desejo é um leão faminto, e vai te devorar”.

Quem admirava o espírito ativista dos álbuns anteriores de São Yantó pode ficar tranquilo: ele continua a existir, apenas transmutado para essa obra. “Acredito que há algumas formas de resistir a todos os golpes que estamos sofrendo e, nesse momento, uma das formas que considero mais poderosa é o desejo, o sexo, o tesão”, explica o artista. Confira a seguir a entrevista ele concedeu, por e-mail, ao LADO BI.

LADO BI Qual foi a principal razão para a mudança de sua identidade artística para São Yantó?

São Yantó Sinto que essa mudança é resultado de um emaranhado muito complexo de transformações pessoais e artísticas, então eu seria um pouco leviano se quisesse atribui-la a uma razão especial. Sinto que fui me transformando tanto ao longo dos últimos anos que meu trabalho passou a não caber mais no nome Lineker. Assistindo a uma conferência de Alejandro Jodorowsky, que muito me impactou, veio esse lampejo/conselho: “Liberate del nombre!”. Daí pra frente sinto que um portal se abriu, e essa mudança passou a ser inevitável. Essa mudança não é burocrática nem comercial. É mesmo mística, espiritual. É um renascimento. Como um papa, um rei, um sacerdote, que se liberta de seu nome e de sua vida anterior para se tornar algo além.

Qual é o significado de São Yantó e o que ele sinaliza quanto ao rumo da sua expressão musical?

São Yantó não tem um significado literal. É um nome mágico, que me foi dado por entidades espirituais, e quando digo isso não estou me utilizando de uma metáfora. Sinto que esse novo batismo me chama a buscar uma conexão cada vez mais intensa e verdadeira com aquilo que acredito, principalmente com minha intuição. Naturalmente estou mais voltado para minhas próprias necessidades artísticas, assumindo e bancando minhas escolhas, sendo autor de todas as etapas de meus processos criativos. Musicalmente devo seguir me transformando, mas sinto que, principalmente por estar, pela primeira vez, compondo, arranjando e produzindo minhas próprias canções, posso ter chegado, finalmente, a uma sonoridade na qual devo me aprofundar ao longo dos próximos trabalhos.

Numa época em que os conflitos políticos acentuam-se cada vez mais, por que lançar um disco completamente focado em relacionamentos?

Eu não diria que esse disco é completamente focado em relacionamentos. Eu diria que ele é focado no desejo, no sexo e no amor. Mas um amor nada dentro dessa embalagem hollywoodiana e do conservadorismo que anda fechando exposições, museus e boicotando peças. Acredito que há algumas formas de resistir a todos os golpes que estamos sofrendo e, nesse momento, uma das formas que considero mais poderosa é o desejo, o sexo, o tesão.

O novo álbum investe na sensualidade entre homens, sem jamais chegar ao sexo explícito. Falta aos gays apreciar a escalada do desejo?

Eu tenho a sensação de que ao longo da vida talvez a gente vá perdendo essa escalada. Não sei se é porque nessa era da comunicação virtual tudo anda muito prático, objetivo, fácil. Quando compus as canções desse álbum, sinto que me conectei novamente com um desejo mais adolescente, pueril. Talvez por essa coisa de me autocanonizar ter me levado de volta às minhas origens católicas. Em canções como “Leão Faminto” e “Expedito”, consigo reviver aquela sensação do adolescente católico que está completamente confuso com seus sentimentos e com a forma como deve agir. O corpo ali explodindo em hormônios, tesão e fantasias nunca realizadas.

“Amado” explora o funcionamento de um relacionamento aberto. Qual é a sua atitude quanto à monogamia?

Um relacionamento para mim precisa ser baseado em compreensão, sinceridade, liberdade, amor, cuidado, respeito, responsabilidade, amizade e companheirismo. Tendo a achar que muitos dos modelos monogâmicos de relação perdem nos quesitos liberdade, sinceridade e compreensão. Mas também já conheci muitos casais não-monogâmicos que se perderam na falta de cuidado, respeito e companheirismo. Acredito que cada pessoa precisa ser muito sincera consigo mesma e com quem escolhe se relacionar. Precisa entender quais são suas necessidades e as de sua(seu)s parceira(o)s, e encontrar a melhor forma para que todes sejam felizes na relação. Independente de ser uma relação monogâmica ou não.

É importante para um compositor gay colocar aberta e explicitamente sua sexualidade em suas composições? Já chegamos num estágio em que esse posicionamento não afasta mais o público?

Sinto que isso é um processo que tem de ser orgânico. O processo de criação de cada pessoa é de um jeito. Uns mais autobiográficos, outros nem tanto. O importante é ser verdadeiro consigo, dizer o que quer dizer, sem julgamentos. Então, se alguém não tem vontade de falar a respeito de sua própria sexualidade em uma letra de canção e não fala, acho tão genuíno quanto quem fala porque quer falar. Acredito sim que hoje temos muito mais liberdade de nos posicionarmos, mas que principalmente quando é assim, genuíno, o público se aproxima, independente de sexualidade.

São Yantó. Fotógrafa: Aline Belfort

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