Príncipe de “Finding Prince Charming” foi garoto de programa no passado…

... e a reação da emissora Logo TV e dos gays que a assistem ao passado de Robert Sepúlveda Jr. só faz fortalecer os estigmas que deveríamos eliminar

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Dan Savage para o siteThe Stranger

Na próxima quinta-feira à noite, estreia o reality show Finding Prince Charming (“Em busca do príncipe encantado”, em tradução livre) no canal de TV a cabo Logo (o mesmo que RuPaul ainda sustenta com RuPaul’s Drag Race). “Basicamente um The Bachelor com caras gays”, descreve a revista TV Guide, para então afirmar que esse programa “já devia existir faz tempo”.

Eu tinha algo para comentar sobre o programa assim que eu fiquei sabendo a seu respeito – algo breve e querido e óbvio para mim, mas de alguma forma não tão óbvio para os produtores – mas um escândalo! tomou conta do seriado antes que eu tivesse tempo de escrever sobre ele. Descobriram que Robert Sepúlveda Jr., o solteiro gay que está sendo disputado por treze pretendentes gays, costumava trabalhar como garoto de programa, talvez tenha sido preconceituoso com um cliente negro (acusação que se baseia no testemunho de um internauta rejeitado), e gravou alguns vídeos eróticos quando trabalhava como acompanhante. (A internet jamais esquece nada, e comentadores nunca perdoam.) Em poucos dias, os executivos do canal Logo jogaram seu príncipe encantado na fogueira: o passado puto e prostituto de Sepúlveda não havia sido descoberto durante o processo de seleção, afirmaram em pânico para o site The Wrap, e soubessem disso antes, não haveriam escolhido o galã para ser o astro do programa.

O escândalo em si não me interessa muito – atuar como profissional do sexo não deveria ser motivo para escândalo, e programas de TV que se apoiam em relacionamentos são um tipo de trabalho com sexo – e discordo fortemente com aqueles que deixam comentários em sites como Queerty dizendo que Sepúlveda é “uma desgraça para a comunidade”, “um pervertido também aos olhos de outros gays” e que “de príncipe encantado não tem nada”. (É sempre muito triste ver gays que caem no padrão sexofóbico de repreender e agredir profissionais do sexo.) Mas concordo em gênero, número e grau com E. Alex Jung, que escreveu sobre o escândalo para a revista New York, quando ele argumenta que Sepúlveda e o canal Logo estão reforçando o mesmo estigma em torno da prostituição que é a fonte de seus problemas:

No primeiro episódio de Finding Prince Charming, [Sepúlveda] afirma que está em busca de casamento e de uma “família de margarina”. Além disso, ele diz que busca um homem com “bons valores familiares”. Isso tudo pode ser verdade, mas a falta de sinceridade [sobre seu passado] só aumenta o estigma do trabalho com sexo porque sugere que ele é incompatível com o desejo de assentar. Um dos escritores do site Str8upgayporn (nem precisa dizer que esse link é NSFW, mas, por via das dúvidas, estão avisados) chegou à raiz do problema: “Ao contrário do que a Logo gostaria que seu público acreditasse, nem todos os gays estão em busca de ‘valores familiares’ (uma mensagem em código obscena contra LGBTs utilizada por religiosos para inflamar eleitores). A verdade é que gays enfiam coisas no rabo, e gays engolem porra”.

Robert Sepulveda Jr.

Robert Sepúlveda Jr., o astro de Finding Prince Charming

Finding Prince Charming não quer abrir mão de nada: seus produtores buscaram um solteiro com a aparência de astro pornô para ativar os desejos libidinosos e bagaceiros dos gays, mas não querem que ele fale fale sobre isso quando percebem que ele realmente já foi astro pornô. É aquela velha história de que existe mulher para comer e mulher para casar, só que para os gays. Na verdade, o que pode fazer com que Finding Price Charming realmente se torne interessante não é tanto o próprio Sepúlveda, mas a era que o show representa: quando o casamento torna-se não apenas uma possibilidade para LGBTs, mas uma obrigação.

Antes de eu falar o que queria dizer originalmente sobre esse reality show de namoro – e quaisquer outros que venham a utilizar gays – vou despejar rapidamente algumas coisas: não há nada inerentemente bagaceiro nos desejos libidinosos dos gays. Uma porção de relacionamentos gays ótimos devem suas existências (de algumas horas, ou de anos pelo resto da vida) à decisão de dois (ou mais) homens gays colocarem em prática seus desejos libidinosos. Além disso, gays do meu coração: casamento não é uma obrigação.  Eu tenho dois irmãos mais velhos, os dois héteros; um é casado, o outro não. Se o casamento não é obrigação para meu irmão mais velho, num relacionamento de longa duração que jamais se tornou casamento… também não é uma obrigação para nós. E se meu irmão mais velho hétero conseguiu ter os culhões de resistir às alianças apesar das expectativas esmagadoras da história, do patriarcado heterossexista, e de nossa mãe… não há de ser tão difícil resistir às pressões da Logo. Além disso, nem ser um astro pornô no presente é algo incompatível com o desejo de se assentar. Outra coisa, sabe quem também enfia coisas no rabo e engole porra? Héteros! Eles são iguaizinhos a nós! Quase! Alguns sabem até soletrar “gozar” corretamente!

Agora, finalmente… aqui está o que eu queria dizer sobre esse reality show de namoro com gays e outros similares…

Num reality show de namoro/trepada/casamento heterossexual, há um solteiro e uma porção de pretendentes mulheres que desejam ficar famosas se casarem, ou uma solteira e uma porção de pretendentes homens que desejam ficar famosos se casarem. Esses programas dependem da escassez – escassez criada artificialmente, escassez de mentira, impressão de escassez. Os produtores criam um desequilíbrio entre a oferta de buceta/pau e a demanda por buceta/pau, trancam todos numa casa enorme, sacam as rolhas das garrafas de vinho, e ligam as câmeras.

Agora, coloque numa casa um solteiro gay e treze pretendentes gays intercambiáveis, todos razoavelmente bonitos e razoavelmente sem sal – pretendentes que podem ser substituídos sem grandes prejuízos não apenas uns pelos outros, mas também podem substituir o “astro” solteiro com alguma facilidade – e o que é que vai impedir que os pretendentes resolvam-se entre si?

Nada.

Para que um programa no estilo de The Bachelor funcionar, para que haja uma competição de verdade, os produtores precisam fabricar um tipo diferente de escassez. Eles precisam criar um desequilíbrio de oferta e demanda que não depende do gênero ou dos genitais – e, quer saber de uma coisa? Isso não é tão difícil. É só escolher um gay que seja exclusivamente ativo como solteiro e treze passivonas como pretendentes. Ou vice-versa. Simples assim.

Mas se você realmente quiser se divertir com as complexidades e subculturas do desejo gay…

Escolha um urso tipão mais velho para o solteiro e treze lolitos magrinhos que só sentem tesão por bears tiozões como pretendentes. Ou vice-versa. Ou selecione um mestre leather/BDSM gostosão como solteiro e treze escravos leather/BDSM como pretendentes. Ou vice-versa. (Nada de trocar de papéis!) Ou pegue um magrelo que curte caras gordos como solteiro e treze gordos que curtem magrelos para serem seus pretendentes. OU vice-versa.

Brinde: os gays sabem que esses tipos de complicações existem, os héteros sentem verdadeiro fascínio por esse tipo de coisa, e incluir/explorar essas vertentes faria que o programa se tornasse mais maluco, mais bem-informado, e mais interessante.

Sem alguma outra forma de escassez, sem criar um problema de oferta e demanda diferente, não há nada que impeça que os pretendentes de Finding Prince Charming fujam uns com os outros ou (o que é mais provável) formem uma pilha de corpos entrelaçados no quintal. Os pretendentes têm que serem todos sexualmente incompatíveis de uma forma fundamental e impossível de ultrapassar, e o “astro” gay solteiro tem que ser seu único alvo sexual/romântico – os pretendentes são todos panelas, e o solteiro a única tampa.

O trailer de Finding Prince Charming dá a entender que os solteiros ficam entre si e/ou insinuam-se uns para os outros. Isso pode ser fonte de algum drama motivo para se jogar a bebida no rosto de alguém. Mas qualquer drama que se obtenha pela atração que os pretendentes sentem uns pelos outros – ou de escapulirem juntos – não vale a subsequente perda da sensação de escassez, a tensão que ela cria, e a competição desesperada que ela instila.

E, com licença, um programa em que um urso é disputado por treze lolitos seria tão melhor de assistir.

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4 comentários

Felipe

Caparica, que tradução infeliz essa de “passivonas”! Isso só reforça a ideia de que passivos são “menos” do que ativos. Que decepção! O texto do Savage, já achei profundamente infeliz, e aí a tradução conseguiu piorar minha impressão …

Me cansa muito esse desespero de higienizar gays pra se adequarem aos padrões heteronormativos só pra agradar héteros, isso quando muitos héteros nem vivem tão preocupados em seguir isso.

Acho que esse programa vai ser uma porcaria e vai ser cancelado na primeira temporada prq simplesmente esse modelo de programa não funciona com gays, além de que no fim das contas é um cara musculoso, branco e machão procurando outro musculoso, branco e machão, o programa tem pouquíssima variedade pelo que deu pra ver e com certeza o que tem de variedade é apenas cota que eles vão eliminar aos poucos e deixar algum perdido pra chegar perto da final antes de ser eliminado pro príncipe padrãozinho acabar com outro príncipe padrãozinho.
Muita preguiça.

Marcos

Texto preconceituoso. Deve ter sido escrito por um Ht.
Eu não engulo nada e não enfio nada no lá também. Não que isso seja algo importante, na verdade, é algo tão minúsculo, que não deveria ser dito, nem colocado como algo de gays.

André

Sinceramente eu jamais me envolveria com um garoto de programa, ou ex garoto, realmente eu não conseguiria confiar, ficaria pensando com quem ele saiu, e se iríamos encontrar algum ex cliente, então não teria um bom relacionamento! Apesar de tudo que foi escrito, cada um tem um modo de pensar.

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