Ben-Hur, 1959

Remake de “Ben-Hur” elimina subtexto gay da trama original

Interessados em agradar o público cristão religioso, produtores de novo Ben-Hur apagaram referências homossexuais e aumentaram a importância de Jesus no filme

por Marcio Caparica

Chega hoje às telas dos cinemas brasileiros uma nova versão de Ben-Hur, dirigida por Timur Bekmambetov e estrelada por Jack Huston (Ben-Hur) e Toby Kebbel (Messala). A história da rivalidade e ódio entre dois irmãos adotivos no império romano que culmina em um encontro com Jesus Cristo (interpretado agora por Rodrigo Santoro) também é famosa por ser um dos maiores exemplos na história do cinema de contexto homossexual plantado propositalmente. Os produtores da nova versão estão fazendo seu melhor para deixar claro que nada disso ocorre no filme que estreia hoje.

Lançado em 1959, o Ben-Hur original venceu 11 Oscars (dentre eles, Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator). Boa parte do sucesso do filme provavelmente se deve ao trabalho do ensaísta, dramaturgo, escritor e roteirista Gore Vidal, que trabalhou no roteiro do épico bíblico. Em 1995, como parte do documentário The Celluloid Closet (O armário de celuloide), Vidal revelou que reescreveu partes do início do filme para que se insinuasse uma relação sexual no passado entre o herói Ben-Hur (interpretado por Charlton Heston) e seu amigo de infância Messala (interpretado por Stephen Boyd), que viria a trai-lo.

Vidal, abertamente bissexual, justifica a intervenção no roteiro como uma maneira de dar credibilidade a um ódio tão intenso entre os dois personagens. Ao longo das três horas do clássico, Messala acaba com a fortuna de Ben-Hur, faz com que ele se torne Ben-Hur num escravo, manda a mãe e a irmã do antigo amigo para a prisão (onde contraem lepra), e nunca, nunca deixa de odiá-lo. Um acidente que quase mata um governante romano não serve de justificativa para tanta energia gasta.

A revelação causou polêmica em 1996 quando Charlton Heston usou o jornal The Los Angeles Times para responder ao documentário, acusando Vidal de superestimar sua participação no roteiro de Ben-Hur e tentar sujar o nome de William Wyler, seu diretor. Vidal explica numa resposta publicada no mesmo jornal que realmente ninguém havia avisado Heston das intenções do roteirista, mas que Boyd estava ciente do contexto dos personagens e atuou de acordo. Mesmo Wyler embarcou na trama no último momento:

Gore Vidal, roteirista de Ben-Hur

Gore Vidal, roterista de Ben-Hur (1959)

Já faz alguns anos eu venho contando a história de como, ao me deparar com um script péssimo para o filme Ben Hur, eu convenci seu produtor, Sam Zimbalist (esse era um filme feito pela MGM, e o roteirista trabalhava junto ao produtor, não ao diretor; posteriormente o diretor, nesse caso William Wyler, fazia considerações) que a única maneira de se justificar várias horas de ódio entre dois rapazes – e aquele monte de cavalos – seria estabelecer, sem que isso fosse dito em palavras, um caso entre eles quando jovens; quando se reúnem no início do filme, o romano, interpretado por Stephen Boyd, deseja reatar a relação de onde ela havia parado, mas o judeu, Heston, o despreza. Essa é a cena que foi filmada e que aqueles que assistiram a The Celluloid Closet viram, com meus comentários. O crítico de cinema Kenneth Turan escreveu que “assistir o trecho do filme serve como um argumento forte a favor da veracidade das afirmações de Vidal de que Boyd sabia o que estava acontecendo, mas Heston não.

Heston nunca mais retomou a polêmica.

Ben-Hur, 2016

A questão toda voltou à tona com a estreia da nova versão, e está sendo empurrada para debaixo do tapete com velocidade maior que as bigas das arenas de Roma. Toby Kebbel afirmou em entrevista que “em 1959, o contexto gay era muito importante. Eles precisavam levantar a voz. Isso era algo próprio que eles queriam retratar, mas nós não precisamos. Felizmente, hoje os tempos são outros.” A produtora Roma Downey foi mais longe e bateu na tecla de que o passado homossexual de Ben-Hur e Messala não existia nem no original: “eu não sei sequer se isso era verdade naquele filme. Nós temos dois irmãos. Eles se amam. Eles foram criados no mesmo lar, e é trágico ver uma família se desfazer.”

O novo Ben-Hur tem toda a intenção de conquistar não apenas o público que gosta de cenas de ação em 3D com gladiadores viris, mas também o espectador religioso que aprecia a mensagem cristã no final da trama (não é à toa que Downey tem no currículo a série Touched by an Angel). Jesus, que no primeiro filme faz apenas uma ponta, ganha maior proeminência na nova versão. E, portanto, torna-se essencial eliminar qualquer dubiedade quanto à sexualidade dos personagens principais. O acidente que gerava todo o bafafá no filme de 1959 foi substituído por algo muito mais substancial: um judeu zelota, refugiado na casa de Ben-Hur, mata autoridades romanas quando o herói se distrai.

Faz todo sentido para o marketing da fé, mas é lamentável quando a questão é representação. Os filmes-pipoca de Hollywood continuam anos-luz atrás dos seriados de TV quando o assunto é diversidade (80% dos grandes lançamentos sequer tinham um personagem homossexual; quando a personagem existe, em geral ela é apresentada de maneira negativa). Quase 60 anos depois, os estúdios continuam a preferir o mundo de Charlton Heston. Gore Vidal só lamenta.

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20 comentários

capoeira

É, eu sempre suspeitei daquela frase que os dois dizem no começo: “Abaixo Eros, viva Marte!”, pra mim os dois se pegavam sim quando adolescentes kkkkkk

marcos

Gore Vidal foi uma bicha louca. Via implicações homossexuais em tudo. Nada a ver isso de viadice em BEN HUR. O filme é coisa de macho mesmo, rivalidade, amor, ódio….mas sem essa viadice que esse escritor gay quis insinuar.

Solange

Nunca li o livro, mas já assisti ao filme uma dezena de vezes.
Adoro!
Nunca passou pela minha cabeça essa ligação entre eles.
Tudo o que percebi foi o Messala como um homem ambicioso , capaz de passar por cima de qualquer amizade pelo poder.

Guilherme

Definitivamente o Filme não trás nada de cunho gay, hétero, ou seja lá o que querem que ele pareça.
O Desentendimento entre Judah Ben-Hur e Messala é simplemente ideológico. Irmãos de criação que em função de suas escolhas Políticas, Religiosas e Sociais acabam por se transformar em inimigos. Basta assistir o filme para se notar que não há nada além de amizade e respeito entre eles, mesmo quando se tornam inimigos. O Filme é tão complexo e profundo que que identificou questões de natureza homossexual nele simplesmente não conseguiu entender nada sobre a mensagem que o filme transmite.

Um Clássico, provavelmente entre os 3 melhores filmes de todos os tempos, pra mim é o melhor.

Cada coisa infeliz que se tenta criar hoje em dia pra chamar atenção.

Rodnei

Assista novamente a entrevista do roterista do filme, eu disse o roteirista, e refaça seu pensamento. Era muito normal o homosexualismo na Era Clássica. Idolatria ao corpo. Nunca se perguntou o porque do odio dos protagonistas? Não tem absuolutamente nada de ideologico.

Alexandre dias

Não sou gay. Penso que o universo gay não é melhor nem pior que o hetero. Apenas diferente. Vcs não acham que o mundo e a conquista dos direitos dos gays já nao evoluiu o suficiente para que isso tenha alguma importância? Definir que o Ben Hur comeu o Messala ou não tem a mesma importância para a comunidade gay do que teria a menstruação das baleias no ártico. Nenhuma. Os senhores deveriam se preocupar é com a situação de perigo que vivem homossexuais que ainda encontram na prostituição sua única forma de sustento. Ou com imbecis que ainda acham que tem o direito de espancar um semelhante só porque ele gosta de alguém do mesmo sexo.

Marcio Caparica

Como o senhor não é gay, o senhor cresceu vendo casais héteros como você atuando nas telas, sendo heróis e tendo suas histórias contadas. Então o senhor não percebe a importância da representatividade de uma classe historicamente ignorada na mídia (a não ser em poucos retratos, em geral negativos), nem o preconceito enrustido quando você compara a importância dessa representatividade com a relevância de menstruação de baleias.

CARLOS NOGUEIRA

Ben-Hur, um dos melhores filmes de todos os tempos. Se eu classificar os 10 melhores filmes de todos os tempos, com certeza Ben-Hur estará entres os 10. Provavelmente até entre os 5. Charlton Heston, meu ídolo no cinema foi um dos melhores de todos os tempos.
Não vou criticar o filme porque o filme é sem defeito. Aquela corrida de bigas para ser filmada na época em que foi feita, merece todos os aplausos. A cena da mãe e irmã dele no vale dos leprosos é super emocionante. O filme é espetacular, perfeito, sensacional. Nota 1000. Quero ver hoje quem faz algo melhor.

Natália

Para complementar o artigo e rebater as falas do produtores do filme é bom lembrar que no livro Ben Hur e Messala não são irmãos nem mesmo adotivos. Quer dizer que essa desculpa de que o filme é mais próximo do material fonte é balela. Se fosse assim deixariam os dois personagens principais como no filme dos anos 50: amigos. Segundo, que o subtexto homoerótico não é exclusividade do roteiro de Gore Vidal. Claro que podemos argumentar se no livro foi algo intencional ou não, porém é possível a partir do livro interpretar a relação dos dois como homoerótica. Inclusive na primeira conversa que vemos entre Messala e Ben Hur o primeiro compara o outro com Ganimedes dizendo que o amigo poderia ter sido o copeiro de Zeus. É difícil acreditar que Wallace (autor do livro) não soubesse as implicações clássicas de fazer tal comparação. Isso porque Ganimedes foi raptado por Zeus que se apaixonou pelo rapaz e o levou para o Olimpo e é frequentemente associado na Antiguidade a esse tipo de relação. Enfim, a mudança de amigos para irmão do filme é exclusivamente para barrar qualquer leitura homoerótica presentae na narrativa e conhecida pelo produtores do filme. Essa estratégia é comum e foi feita da mesma maneira quando transfomaram Pátroclus de amigo para primo de Aquiles.

Natália

Sabe o que é mais interessante? Vendo pelos comentários aqui percebe-se que as pessoas ou não lêem os textos ou estão tão determinadas a acreditarem em uma coisa que não importa as evidências ao contrário encontram-se surtas pra qualquer coisa que possa contestar esse pensamento. Essa é a única explicação pra quem insiste em reafirmar que esse subtexto homoerótico do filme do anos 50 é só imaginação. Afinal o próprio Gore Vidal que foi o roteirista disse que ele escreveu com esse propósito. Então isso é indiscutível quanto a essa versão do filme. É possível questionar se esse subtexto é uma mera invenção de Gore Vidal ou se ele se encontra, consciente ou inconscientemente na trama do livro de Wallace. Mas aí já é outra discussão. O que eu acho interessante é a estratégia de má fé usada pelos produtores do filme com essa de que “querem seguir mais de perto a história original” quando ao que me parece pelo trailer e tudo que li sobre mostram que provavelmente essa é a adaptação que menos segue livro. Não apenas na mudança de status do Messala de amigo pra irmão de Ben Hur mas em outro ponto fundamental: nessa adaptação Ben Hur não é adotado pelo nobre romano que ele salva e consequentemente não se torna um romano rico e poderoso voltando para se vingar do antigo amigo. Pra mim isso muda completamente o teor da história que a meu ver sempre esteve mais pra “conde de monte cristo” (preso, perde tudo e volta com outra identidade e mais poderoso para se vingar) que pra Gladiador.

Audrey

Desde a primeira vez que vi o filme e já o vi diversas vezes, a cena entre os dois tem um certo clima pesado, não necessariamente de que os dois tenham tido um caso, mas certamente há mais que o ódio político por parte de Messala. O olhar do ator é bem ambivalente, o que se vê ali não é amor fraternal nem ódio bélico. Tanto faz o que foi proposto no livro. E acho ainda menos importante definir qual a intenção na produção. A ambivalência presente é clara, apenas acho que ela não aponta para certezas, apenas insinua (muito fortemente) atração entre homens.

Marcelo

Rapaz já assisti Ben Hur original umas 6 vezes porque é um puta dum filme massa pra karaio! Mas sinceramente, esse lance aí só na mente de vocês mesmo, sério, o que esse movimento faz pra se aparecer é triste, os dois caras no filme sempre foram rivais e amigos, e ainda mais em anos como aqueles em que esse filme foi feito, aí mesmo me dá certeza do quanto essa conversa é fiada.

Onça

Sério que vc se acha mais preparado que o Gore Vidal, pra interpretar o contexto da obra? Rs

Ana Paula

Momento em que a pessoa acha que sabe mais que o próprio roteirista. Okay…

Rafael

Bom….o novo é filme quis se manter mais fiel ao livro, que não tinha essa insinuação. O que vale é o material original….Então…

Natália

Rafael, você já leu o livro? Se o que vale é o metarial original porque não deixaram Messala e Ben Hur como amigos e inventaram essa história de irmãos? Podemos questionar se há ou não contexto homoerótico no original. Eu particularmente acredito que essa leitura possa ser feita especialmente se como no filme dos anos 50 ela fica no subtexto, sugere e não afirma nada, exatamente como no livro…aí fica a cargo do leitor ou expectador fazer ou não a ligação. O que não dá pra fazer a partir da leitura do original é entendê-los como irmão adotivos.

Jorge

Caro, assista o filme original antes de escrever. Ben-Hur passa a ser odiado por Messala quando se nega a se tornar um delator…

Alexandre

É o mesmo que procurar chifre em cabeça de Cavalo, mais cada tem sua interpretação.

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