Traduzido do artigo de Tony Scupham-Bilton para o site Outsports
Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro já contam com um recorde: essa será a Olimpíada com o maior número de atletas abertamente LGBT na história. No momento, a lista conta com 41 atletas declaradamente LGBT (certamente há muitos que ainda preferem ficar no armário). Quando esses atletas começarem a competir, farão parte de uma história de atletas LGBT que lutam por medalhas, fora do armário ou não. Desde 1928 mais de 250 competidores LGBT já passaram pelos Jogos Olímpicos. Eles deixaram um legado do qual devemos nos orgulhar, que cresce a cada quatro anos, apesar dos preconceitos que ainda persistem e das inseguranças pessoais.
A história dos atletas LGBT nos Jogos Olímpicos já ultrapassa um século. Você sabia que em 1908 um atleta gay foi dispensado de sua equipe Olímpica porque era másculo demais? Isso aconteceu com o ginasta dinamarquês Niels Bukh, de 28 anos. Os técnicos da equipe consideraram-no “robusto demais” para se encaixar no padrão do time, que era formado por atletas delgados, e dispensaram-no.
A família de Bukh sabia de sua sexualidade. Se ele tivesse competido em Londres em 1908, ele teria sido o primeiro atleta LGBT a competir nos Jogos Olímpicos. Isso não fez com que ele abandonasse a carreira esportiva: Bukh tornou-se técnico e preparou a seleção dinamarquesa de ginástica olímpica, que acabou por ganhar o ouro nos jogos de Estocolmo em 1912. Infelizmente, Hitler também era um grande fã do atleta, e alistou-o para colaborar em seus esforços de propaganda nos jogos de Berlim em 1936.
O primeiro atleta confirmadamente gay a competir nos Jogos Olímpicos é Otto Peltzer, da Alemanha, que fez sua estreia em 1928, em Amsterdam. Ele detinha o recorde dos 800 e 1.500 metros rasos, era o capitão de sua equipe e também o favorito para ganhar a medalha de ouro. Infelizmente, uma lesão afastou-o da vitória nesse ano. Nas olimpíadas de Los Angeles em 1932, uma escolha errada de sapatos de corrida impediu sua que ganhasse a medalha de ouro. Peltzer foi detido em 1934 por causa de sua homossexualidade, e posteriormente aprisionado, o que impossibilitou que treinasse para as oliimpíadas de Berlim. Ele acabou sendo enviado para um campo de concentração nazista, e foi liberado pelas forças armadas norte-americanas em maio de 1945.
Se em 1928, em Amsterdam, a sexualidade de Peltzer não era pública, a de sua colega alemã, Renée Sintenis, era. Abertamente lésbica, nesses jogos olímpicos ela ganhou uma medalha de bronze, tornando-se a primeira medalhista olímpica LGBT da história. Ela não pode ser considerada uma atleta, no entanto, pois sua vitória não foi esportiva. Sintenis ganhou uma medalha em escultura, já que a arte fazia parte do programa de competições olímpico, algo que continuou até 1952.
Os jogos olímpicos de Berlim também foram o palco da primeira grande controvérsia de gênero já registrada. Uma corredora relativamente desconhecida, Helen Stephens, dos Estados Unidos, apelidada de “Fulton Flash”, venceu a prova de 100 metros rasos feminina. A polonesa Stanislawa Walasiewicz, que havia vencido a prova em 1932, ficou abismada com o resultado. Os técnicos poloneses levantaram a acusação de que Stephens estaria trapaceando e seria na verdade um homem, o que acabou provando-se falso. Ironicamente, em 1980 a polonesa Stanislawa foi assassinada, e sua autópsia mostrou que ela era intersexo.
Stanislawa Walasiewicz divide com Mildred “Babe” Didrikson a honra de serem as primeiras atletas LGBT das olimpíadas: ambas competiram pela primeira vez em 1932. Didrikson era um prodígio esportivo. Na primeira vez que realizou um arremesso de dardo, ela quebrou o recorde mundial e tornou-se uma campeã olímpica. Ela também ganhou medalha de ouro nos 800 metros rasos. Fora dos jogos olímpicos, Didrikson destacou-se em vários esportes, inclusive aquele pelo qual tornou-se mais famosa, o golfe. Em 1999 Didrikson foi eleita pela Associated Press a melhor atleta feminina do século 20.
A patinação no gelo traz o atleta olímpico LGBT mais jovem de todos. Nos jogos olímpicos de inverno de Innsbruck, em 1964, o patinador tcheco Ondrej Nepela competiu uma semana antes de completar 13 anos. Em 1972, nos Jogos Olímpicos de inverno de Sapporo, ele tornou-se campeão olímpico. Ao morrer em 1989, Nepela tornou-se o segundo atleta olímpico a morrer em decorrência da Aids. O primeiro foi Tom Waddel, fundador dos Gay Games, que faleceu em 1987.
O atleta que sucedeu Nepela no pódio também morreu em decorrência da Aids. John Curry era o campeão europeu e britânico na patinação no gelo quando chegou nos jogos olímpicos de inverno de Innsbruck, em 1976. A performance com que conquistou a medalha de ouro ainda é considerada uma das melhores da história. O que aconteceu na manhã seguinte a sua vitória, no entanto, é o que faz dele o primeiro campeão olímpico abertamente LGBT. Um jornal publicou uma história revelando sua sexualidade, e, apesar de não negar, Curry também não confirmou. O campeão preferiu insistir que as pessoas deveriam preocupar-se com sua patinação, não com sua vida privada. Durante a cerimônia de gala para o encerramento dos jogos, ele intencionalmente decidiu fazer uma performance mais masculina que aquela com que venceu a competição. Quando seu reinado de campeão encerrou-se em 1980, Curry admitiu que sua sexualidade era um segredo aberto.
Já o primeiro atleta abertamente LGBT a competir nos jogos olímpicos foi cavaleiro Robert Dover. O norte-americano saiu do armário durante a segunda vez que participou das Olimpíadas, em Seul, 1988. Dover ainda detém o recorde de participações em jogos olímpicos: seis consecutivas, desde 1984.
As décadas de 1980 e 1990 trouxeram a epidemia do HIV e, com isso, os temores de represálias homofóbicas contra atletas LGBT. Essa homofobia ainda está presente em muitos esportes, e é uma das razões por que há menos atletas masculinos abertamente LGBT que atletas femininas. Sabe-se de 153 mulheres LGBT que já competiram nos jogos olímpicos, contra 93 homens.
Desde que Robert Dover competiu em 1988 até os Jogos Olímpicos de Inverno de Turm, em 2006, o número de altetas abertamente LGBT nunca ultrapassou um dígito. A quantidade de atletas que competiu e posteriormente declararam-se LGBT sempre foi pelo menos o dobro. Agora estamos vendo mais atletas do que nunca expressarem abertamente sua sexualidade. em quantidades que igualam-se ou ultrapassam o número de atletas que historicamente revelam sua sexualidade depois.