Escandalose, com orgulho

Ao fim de mais um mês do orgulho, é hora de refletir por que tantos dentro da comunidade LGBT se incomodam tanto com aqueles que vão às ruas para questionar os padrões

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Alexandra Hernandez Muro para o site Sin Etiquetas

Chegamos ao final de mais um mês de junho, mundialmente considerado o mês do orgulho LGBT. Quando ele se aproxima, uma onda conservadora dentro da própria comunidade LGBT ressurge, todos os anos, para censurar as celebrações que nos permitem dar visibilidade ao orgulho de ser como se é de verdade: a parada do orgulho LGBT.

As razões: as paradas do orgulho são plataformas para que as formas mais “exibicionistas” e “escandalosas” de ser LGBT sejam expostas ao público! E isso, deus do céu, é imoral e detestável, não ajuda nada, pelo contrário: causa retrocessos nas lutas por nossos direitos! Se queremos ser bem tratados, deveríamos então sair para marchar bem normalzinhos, sem causar muito rebuliço, e, principalmente, evitar expor corpos seminus. Nada de sair por aí de tanguinha, glitter ou maquiagem escandalosa. Depois essa gente vem nos perguntar por que nos tratam como nos tratam, puta merda! Não, eu não vou às paradas do orgulho LGBT. Elas não me representam.

São estes, mais ou menos, os argumentos do “bom senso” que acompanham as críticas sobre as paradas do orgulho a cada mês de junho. E uso “bom senso” porque, claro, para muitos, nada mais lógico do que, em uma sociedade tão conservadora como a nossa, a repulsa e a aversão geradas quando alguém sai na rua expondo um corpo que transgride o gênero de maneira tão evidente. Esse tipo de atitude tornaria mais difícil para a população em geral nos compreender e, em última instância, nos dar a aceitação da sociedade, algo que – pensam os guardiões o “bom senso – é necessário para conseguirmos os direitos que merecemos.

Geralmente essas são as mesmas pessoas que pensam que se vai à parada por diversão, que deveríamos dar atenção a coisas mais importantes, que as mudanças acontecem por si só. O grande problema é que essas pessoas, algumas delas pseudointelectuais, fazem uma análise superficial do que significa um movimento social, e de como acontecem as mudanças na sociedade.

ALERTA: as mudanças e a evolução da sociedade não acontecem por passe de mágica, nem por que (finalmente) a maioria aceitou uma aparente minoria, nem porque a discriminação chegou ao fim. Basta olhar, por exemplo, os direitos das mulheres. As mulheres hoje podem votar, estudar, têm garantidos seus direitos civis… mas o machismo segue sendo o pão nosso de cada dia, mata, estupra, reduz, e tem efeitos notáveis nos planos econômico, político e social.

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O que é ser LGBT?

Claro, a expressão as mulheres já vem com todo um estereótipo do que é uma mulher, e que lindas as sufragistas quando lutaram pelo direito de votar, que lindo quando se faz campanha para que as mulheres estejam mais presentes na ciência e na política. Mas, oh, que horror quando o assunto é aborto, que horror quando o assunto são mulheres indígenas que decidem defender sua terra, ou quando o assunto são direitos sexuais e reprodutivos. Comunistas, feminazis, abortistas!

Calma lá, foram elas que trouxeram a questão feminina para os holofotes e que conseguiram com que as mulheres fossem consideradas algo mais que um mero instrumento doméstico do homem. Mulheres com direito a sua sexualidade, livres, sem a obrigação de serem heterossexuais, sem a necessidade de serem mães. Há muitas mulheres assim por aí, que querem mostrar que existem, e por isso saem às ruas.

Vamos nos lembrar que a luta LGBT é mais do que fazer o mundo ver a necessidade de podermos celebrar um lindo matrimônio estereotipado entre dois homens ou duas mulheres, capazes de se encaixarem nas tradicionais expectativas sociais do que é um homem ou uma mulher. As pessoas LGBT são dissidentes do gênero por excelência, são aqueles que desafiam a ordem tradicional do masculino e feminino, e são aqueles que, muitas vezes, não são nem homens, nem mulheres.

As maneiras de ser gay, bissexual, lésbica ou trans são muitas, e são todas muito diversas. Os corpos são diferentes, são muitos os gêneros, as expressões de gênero e as orientações, então por que não celebrar todas? Por que não sentirmos orgulho de todas?

Por que há corpos que merecem ser admirados, e outros que não? Porque apenas alguns corpos são considerados belos quando nus? Por que os seios assustam tanto quando exibidos numa passeata, mas não numa propaganda de roupa íntima? Por que a barriga nos causa repulsa se não está cravada de músculos? Por que são belos apenas alguns rostos, alguns cabelos, algumas maneiras de ser?

Há muito racismo, gordofobia e preconceito de classe dentro da comunidade LGBT. As pessoas trans são diversas, assim como as lésbicas, os bissexuais e os homossexuais. A androginia vai muito mais além da Ruby Rose de Orange Is The New Black; há pessoas LGBT de todos os tamanhos, etnias, corpos, formas e cores.

Que terrível que nos achamos super rebeldes porque damos um beijo na rua ou porque colocamos um filtro com as cores do arco-íris em nossa foto no perfil do Facebook, mas quando estamos assistindo TV, criticamos uma atriz porque ela engordou, ou achamos feio uma travesti gorda e negra que apareceu em uma reportagem sobre a Parada.

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Meu caro amigo homossexual, conservador e heteronormatizado: olhe para dentro de si, faça uma autoanálise, medite um pouco. Suas reclamações sobre o escândalo não passam de transfobia. Ninguém tem que reduzir a própria “escandalosidade” para que você e outros homofóbicos de carteirinha sintam-se mais confortáveis e não tenham um ataque de nervos. Confira a lista de direitos humanos e aprenda que a liberdade de expressão pacífica, o desenvolvimento livre da personalidade, e o direito à não-discriminação são direitos universais. Ninguém tem a obrigação de levar em consideração suas opiniões do que está errado. Muitas delas não passam de discriminação e violência – portanto, se alguém tem que rever o próprio comportamento, esse alguém é você.

A parada do orgulho LGBT representa mais que uma comunidade com vontade de aparecer; ela representa também as muitas formas de ser e a necessidade de se sentir orgulho de nossa diversidade. Não faz o menor sentido que um homossexual diga sentir orgulho de ser gay, mas ficar com vergonha quando outros gays decidem fazer uma performance de drag, porque “não passam de umas escandalosas”. É absurdo uma lésbica dizer que fica incomodada de ir às paradas porque os homens ficam seminus, cobertos de glitter. Ou alguém dizer que as crianças não podem ver esse tipo de coisa, mas achar ok que os pimpolhos assistam a 300 porque quando os corpos seminus são os dos soldados do filme – daí não tem problema.

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É claro que há comportamentos reprováveis, violentos, ignorantes. Mas ir à rua para expressar seu gênero da maneira que lhe parecer melhor, questionando as normas impostas pela sociedade, não é nem reprovável, nem violento, nem ignorante. Se você fica incomodado com um corpo que não tem gênero, pergunte-se por quê. Se você fica incomodado com um homem de saia, pergunte-se por quê. Se você fica incomodado com um corpo nu, pergunte-se por quê. Se você fica preocupado com a possibilidade de uma criança ver corpos diversos celebrando o orgulho de não ser heterossexual, pergunte-se por quê. Aqui vai uma ajudinha: você sofre de homofobia internalizada. Se você não sabe o que é isso e tem certeza que não é esse o caso, escute o programa no final do post.

Outra coisa, discriminar não é só odiar, nem só temer. Discriminar é considerar inferior uma maneira de ser, é pensar que um corpo é melhor que outro, uma orientação é melhor que outra, um gênero melhor que outro… quando, na realidade, ninguém lhe causou mal algum, ninguém lhe privou de direitos, ninguém lhe preojudicou! Se você está preocupado com a possibilidade de uma criança ir a uma parada gay e virar homossexual… Qual é o problema de ser homossexual? Por que deveria-se evitar que uma criança seja homossexual? Você se tornou gay porque viu homossexuais andando na rua?

Nenhuma luta foi vencida sem se levantar a voz, sem protestar e sem se exigir direitos.

Continuaremos marchando, escandaloses, rebeldes e transgressores. Para que você, assim como todes nós, tenhamos os mesmos direitos. Para que saibam que existimos e para que a violência, mesmo que vinda de dentro da comunidade LGBT, não nos detenha nem nos torne invisíveis.

Junho do ano que vem nos veremos de novo.

Fotos por I Hate Flash

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4 comentários

Isaac Carneiro Victal

Envio meu total apoio;pode parecer utópico más somos por outro lado os criadores dos valores e da moral,que por sua vez sempre estão mudando de acordo com tempo e o lugar,os movimentos sociais como as sufragistas,antes considerados escandalosos hoje parecem reivindicar um direito básico;claro pois há muito tempo foi concedido.Infelizmente existem muitos LGBT conservadores,a tal ponto de as minorias dentro da minoria(pertenço a uma sou andrógino) se sentirem muito mal.O cerne está neste lado conservador existente entre nós,estes colaboradores para a perpetuação do status quo(por incrível que pareça)que existem na realidade aos montes e precisam ser desmascarados e combatidos.Essa essência revolucionária em cada LGBT infelizmente não existe,muitos preferem resguardar sua ”diferença” para os ambientes privados somente e tentar se integrar à sociedade.

Cidao Manamour pintosa

Ué, mas as bichas pintosas que quebram os padrões são as primeiras a debochar da outra bicha..
mas isso ninguém fala né?

Fábio Oliveira

Concordo integralmente com o texto, porém faço uma ressalva. O preconceito não está apenas no Gay heteronormativo, o preconceito está além do gay “fora do meio”. Muita das bee ficam nos cantos das boates e nas redes sociais xoxando o gay gordo o negro, a trans a lésbica… e isso não é exceção. O preconceito está enraizado dentro de todos e a promoção da aceitação precisa ser ampla…

Cidao Manamour pintosa

logico que não tá, tem muita bicha pintosa precoceituosa com as outras bichas

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