Holtzmann (Kate McKinnon) em Caça-Fantasmas

Estúdio coloca personagem de “Caça-Fantasmas” no armário

Jillian Holtzman, interpretada pela lésbica Kate McKinnon, dá toda pinta de que curte mulheres, mas não consegue ir além do subtexto: os executivos ainda temem que uma personagem homossexual venha a prejudicar a bilheteria

por Marcio Caparica

Na televisão norte-americana, personagens homossexuais são algo tão comum que já deixaram de ser notícia – atualmente, é difícil encontrar um seriado que não tenha pelo menos um. No cinema, no entanto, a história é bem diferente. Há uma notável falta de personagens LGBT nos grandes filmes-pipoca que estão estreando em 2016. E quaisquer fatores que possam dar a impressão de que uma personagem é gay ou lésbica ainda são reduzidos ao máximo, mostrando que Hollywood ainda não saiu muito do século 20. A personagem Jillian Holtzmann, da nova versão de Caça-Fantasmas, é o exemplo mais recente.

A excêntrica heroína é interpretada por Kate McKinnon, a primeira comediante abertamente lésbica no elenco do clássico programa de TV Saturday Night Live. Holtzmann é a engenheira que cria toda a parafernália tecnológica da equipe de Caça-Fantasmas; o carisma e autoconfiança da atriz que a interpreta transpira pela tela. As interações que ela tem com as outras mulheres do filme são cheias de duplos sentidos: quando encontra Erin Gilbert (interpretada por Kristen Wiig) pela primeira vez, a inventora dispara: “Você vem sempre aqui?”. Mais tarde, ela pisca sedutoramente para sua colega.

Jillian Holtzmann em Caça-Fantasmas

E, no entanto, apesar de as personagens principais de Caça-Fantasmas serem todas inspiradas pelas atrizes que as interpretam, Jillian Holtzmann não tem permissão para ser abertamente lésbica. Em entrevista recente para o site The Daily Beast, Paul Feig, o diretor do longa, desconversa quando questionado sobre a sexualidade de Holtzmann:

Apesar de McKinnon ser a primeira atriz abertamente lésbica no elenco de SNLCaça-Fantasmas oferece poucos indícios a respeito de Holtzmann, que passa todo seu tempo livre flertando descaradamente com Erin. Eu pergunto para Feig: Holtzmann é homossexual?

Ele faz uma pausa e sorri: “O que você acha?”

Eu gostaria de pensar que sim, respondo. Ele acena positivamente com a cabeça, sorrindo silenciosamente. “Eu detesto fazer mistério sobre isso”, completa. “Mas quando se lida com os estúdios sobre esse tipo de coisa…” Ele dá de ombros, como se pedisse desculpas.

“Sabe, Kate é quem é e eu adoro a relação entre as personagens da Kate e da Melissa”, continua. “Acho que é uma relação muito interessante e próxima. Quando se conhece Kate é fácil perceber que ela é meio que uma fera pansexual, e todos a seu redor se apaixonam por ela, e ela é tão carinhosa com todos. Eu queria que isso transparecesse na personagem.

Ou seja, aparentemente o diretor não tem permissão para tornar a personagem explicitamente lésbica por receios dos executivos dos estúdios Sony. Os manda-chuvas têm medo de que uma personagem abertamente homossexual possa comprometer sua bilheteria, principalmente num filme voltado em grande parte para o público infantil – como se a garotada já não estivesse careca de ver relacionamentos homoafetivos nos maravilhosos desenhos animados de hoje em dia.

A razão para isso é que os blockbusters custam, obviamente, muito dinheiro para serem feitos, e têm a obrigação de fazer mais dinheiro ainda. Isso significa, entre outras coisas, mantê-los o mais heteronormativos o possível, para que sejam bem aceitos mesmo entre os públicos mais conservadores – e em países em que a homofobia é muito arraigada, como China, Índia e, por que não dizer, Brasil. Vários filmes que não foram tão bem nas bilheterias norte-americanas conseguiram recuperar seus custos no mercado internacional, como Warcraft, X-Men: ApocalypeAlice Através do Espelho. É por isso que apenas 17,5% dos filmes dos grandes estúdios apresentam algum personagem LGBT – muitos deles pouco lisongeiros – e mesmo franquias como X-Men, uma metáfora para minorias, ainda não contam com um personagem homossexual sequer. Alvo de muita polêmica gerada por homens chorões revoltados com o elenco feminino – “estão estragando minha infância”, choramingam, como se o original fosse algo muito maravilhoso – o novo Caça-Fantasmas arrecadou 46 milhões de dólares em seu final de semana de estreia, ficando em segundo lugar (a animação Pets – A vida secreta dos bichos ficou no topo do pódio). Sem distribuição na China – talvez pelos temas sobrenaturais, talvez porque os chineses nunca viram os originais dos anos 1980 e estão pouco se lixando para a nova versão – o longa vai ter que suar para arrecadar os 300 milhões de dólares investidos nele em produção e divulgação para satisfazer os estúdios.

Caça-Fantasmas

Os diretores de Hollywood, no entanto, lutam como podem para tornar seus filmes mais inclusivos, a passos de tartaruga. Kevin Veige, dos estúdios Marvel, já afirmou que “não há razão” para não existirem personagens LGBT entre os super-heróis (mas ainda esperamos algo mais explícito que o supostamente pansexual Deadpool). Andrew Stanton, de Procurando Dory, afirmou que as duas mulheres que aparecem na animação, apontadas por muitos como um possível casal lésbico, “podem ser o que você quiser que sejam”. Roland Emmerich incluiu um discretíssimo e coadjuvante casal gay entre os heróis de Independence Day: O Ressurgimento. O caso mais notável até agora está em Star Trek: Sem Fronteiras, que vai mostrar que o oficial Hikaru Sulu tem marido e filha.

Do jeito que as coisas se encontram agora, Hollywood se faz de santa com seus “filmes família”, jogando migalhas em segredo para seu público LGBT. Quando, no futuro, personagens homossexuais ou trans forem tão não-notícia no cinema como são hoje na TV, os estúdios certamente apontarão para esses personagens enrustidos e tímidos como sinais de que “sempre foram a favor da igualdade”. Até lá, gays, lésbicas, bis e trans de todas as idades vão ter que se contentar em procurar avidamente sinais de homossexualidade ou transexualidade em seus heróis do cinema.

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6 comentários

Robson

o desespero para colocar um personagem gay eh impressionante, pq nao fazer algo natural, ela ou ele se envolve e pronto, mas não, parece que querem enfiar um personagem la de qualquer modo que seja gay só pra falar que tem no filme

Andre Navarro

É impressionante como esse filme tentar usar todo tipo de artifício pra fazer barulho, já que o filme em si não tem a menor capacidade pra isso.. Não, a questão aqui não é gênero ou sexualidade, a questão aqui é muito simples: pegaram um clássico dos anos 80, fizeram uma copia medíocre do roteiro, trocando apenas os atores, sem nem fazer referência ao original ou trazer algo de novo, e ai tentam causar polêmicas que nem se quer existem realmente no filme, pra vender ingressos. Desculpa, mas eu não nasci ontem.

Moises Souza

Meu pai.. onde vc viu que “quase não há” personagens gays no cinema? O ibope não deveria ser seu primeiro parâmetro reporter…

Edvaldo

Impressionante essa atitude ridícula desses “jornalistas” em atacar o filme original pra fazer essa versão feminista parecer menos pior. É patético.

Não é questão do filme ser bom ou nem tão bom assim seus tolos, e sim que essa franquia e tudo relacionada a ela está diretamente ligada àqueles personagens há mais de 30 anos.

Se algum dia decidirem lançar “The Godmother”, um filme sobre uma chefe de família mafiosa e suas filhas, haverão cagões igual esses caras para dizer que “o original não era tão bom assim” e achar que com isso estão fazendo média com alguma mulher.

Tá faltando é coragem pra escrever sobre como é desnecessário fazer um filme invertendo o sexo dos personagens quando poderiam fazer um filme completamente novo.

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