Muçulmanos LGBT existem: conheça 10 deles, dentre milhões

A diversidade existe dentro de todas as fés, e o Islã não é exceção. A fotógrafa Samra Habib percorre a América do Norte e a Europa retratando muçulmanos LGBT como ela e compartilhando suas histórias. Confira algumas delas

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Samra Habib para o jornal The Guardian

Algo estranho aconteceu comigo há alguns meses. Eu recebi um aviso por e-mail de que meu projeto fotográfico, Just Me and Allah, que documenta muçulmanos queer e suas experiências diversas, havia sido mencionado num grande site LGBT.

Eu não me recordava de ter-lhes concedido uma entrevista, então fui conferir o artigo. A matéria era sobre uma garota muçulmana de 17 anos na Dakota do Norte que supostamente teve uma arma apontada para sua cabeça por seu pai, depois que ele descobriu que ela era lésbica. Na matéria, eu era citada como prova de que existem muçulmanos pró-LGBT – como se isso fosse uma anomalia. Eu fiquei imaginando se algum cristão LGBT aleatório seria mencionado se a história envolvesse um pai evangélico e sua filha.

Esse padrão de se usar dois pesos e duas medidas se repete em grande escala após o horror do massacre da boate Pulse. Já estamos acostumados ao fato de que, toda vez que um muçulmano desencaminhado comete um ato de violência, a religião como um todo e todos seus seguidores são questionados e colocados sob suspeita, de uma forma que não acontece com outras fés. Nós – e isso, claro, inclui os muçulmanos queer – temos que tomar um cuidado extra quando caminhamos pela rua à noite e adentramos nossas mesquitas, por medo de ataques islamofóbicos. Organizações muçulmanas e grupos ativistas  têm a tarefa de divulgar comunicados públicos, pedindo perdão pelas ações de terroristas e lembrando o mundo que o Islã promove a paz, para que muçulmanos inocentes, que estão apenas tentando viver suas vidas, não sofram repercussões.

Já se escreveu muito sobre o que leva alguém a matar pessoas inocentes. Arie Kruglanski, um professor de psicologia na universidade de Marylan, estudou as palavras finais de homens-bomba e descobriu um padrão: sua motivação é conseguir importância pessoal e a busca por um sentido que acreditam, por causa da lavagem cerebral, só pode ser alcançado com a morte. Essa não é a vivência típica de um muçulmano, mas sim uma aberração.

Nossos pensamentos agora têm que estar com aqueles que estão em Orlando. Mas em pouco tempo, conforme tentamos nos recuperar dessa atrocidade e começamos a compreender o que isso tudo significa, é importante se lembrar que o Islã é explorado por extremistas religiosos ao redor do globo, muitas vezes em ataques cometidos contra outros muçulmanos. Um desses incidentes aconteceu recentemente em Gulshan-i-Iqbal em Lahore, no Paquistão – um parque que eu adorava visitar com minha família quando criança. Nada fazia com que eu me sentisse mais livre do que, aos 8 anos, descer por um escorregador com minha irmã mais nova. Mais de 70 pessoas, a maioria mulheres e crianças, foram assassinadas por jihadistas que alegavam ter como alvo pessoas que celebravam a Páscoa. No entanto, a maioria das pessoas mortas eram muçulmanas – algo que os terroristas sabiam muito bem.

Tenho a esperança de que a história de Gulshan-i-Iqbal ilustra que essa questão não pode ser reduzida a um conflite de “nós” contra “eles”. Todos nós vivenciamos juntos a mesma tragédia. E posso contar em primeira mão: ser um muçulmano que ama a paz, e que está tão enfurecido por ataques homofóbicos quanto todas as outras pessoas, é algo muito comum. Confira as histórias de outros muçulmanos LGBT abaixo.

El-Farouk Khaki, fundador do Salaam Canada e co-fundador da mesquita Unity

el-faroukEu nasci na Tanzânia. Fugimos do país por causa do perfil politicamente rebelde de meu pai. Vivemos na Inglaterra por três anos, e migravos para o Canadá em 1974. Minha mãe não gostava da neve ou do concreto de Toronto, e preferiu as flores que nos saudaram em Vancouver. Meu pai era um humanista e ativista ferrenho. O Islã que os dois me ensinaram era o Islã do amor e da justiça, que acolhia a diversidade e a liberação. Era um Islã fortemente influenciado por uma variedade de tradições muçulmanas, especialmente o sufismo.

Uma das coisas que aconteceu com o Islã, especialmente depois do petróleo e da revolução iraniana, é que em vários níveis ele foi reduzido a uma mera lista do que fazer e do que não fazer. Ele foi esvaziado de qualquer espiritualidade ou de qualquer intimidade com o criador. As pessoas LGBT sempre existiram. A verdade é que gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transgênero sempre foram aceitos nas sociedades muçulmanas. A questão não era se eles eram muçulmanos ou não, era mais se eles eram transgressores ou não. Hoje, a identidade muçulmana das pessoas está sendo negada e roubada, arrancada delas.

Eu atuo com direito de imigração e de refugiados. Hoje em dia meus clientes são em sua maior parte refugiados. A maioria dos meus clientes são pessoas LGBT que estão fugindo da perseguição. Eu também represento muitas mulheres que escaparam da violência doméstica e contra seu gênero. Por volta de 20% dos meus clientes são soropositivos, e por isso temem o estigma e a discriminação em seus países de origem.

Quando eu fundei a Salaam (uma comunidade de muçulmanos queer no Canadá) em 1991, minha intenção era criar um espaço comunitário. Naquela época, eu não acho que estava pronto para reclamar um espaço religioso, mas tornou-se evidente para mim que ele era necessário. Seis anos atrás, Troy Jackson, meu parceiro, Laury Silvers e eu decidimos dar início a um espaço de mesquita nas sextas-feiras, com a intenção de que ele crescesse além de um espaço apenas nas sextas-feiras, e que se expandisse para além de Toronto. É o que está acontecendo: já temos sete comunidades ativas.

O que é realmente notável é que acendemos a imaginação das pessoas com a noção de um espaço de mesquita inclusivo, que contempla a igualdade de gênero e apoia pessoas queer. É um espaço que não pergunta se você é muçulmano ou que tipo de muçulmano você é. É um espaço em que todos são bem-vindos. As pessoas são acolhidas na totalidade de sua autenticidade.

Shazad, Toronto

shazadNasci em St. Albert, Alberta, Canadá. Cresci rodeado por minha família estendida. Nós éramos semirreligiosos, mas todos praticavam o jejum durante o Ramadan, e celebrávamos o Eid. Minha mãe criou a mim e minha irmã da melhor maneira que pôde. Ela acreditava em Deus, e me ensinou a orar o Namaaz, mas nunca nos forçou a ser religiosos. Ela acreditava que não é só porque você segue os cinco pilares do Islã que você é uma boa pessoa. Ter coração supera ser religioso.

Durante o divórcio dos meus pais, eu tentei me agarrar ao Islã porque eu estava cheio de conflitos e com medo. Eu pensava que era uma pessoa ruim e que podia ir para o inferno por ser gay, e que sair do armário deixaria minha mãe ainda mais estressada. Isso prosseguiu até que eu aprendi a conciliar minha sexualidade com minhas crenças religiosas durante a universidade. Eu deixei de sentir medo. Não fazia sentido para mim que eu queimaria no inferno por amar um outro homem.

Não foi até eu me mudar para Toronto depois de me formar, e viver por conta própria, que minha relação com Deus mudou, deixou de ser baseada no medo e passou a se basear no amor. Mudar de cidade permitiu que, ao construir uma comunidade e criar uma família por escolha, eu conciliasse minha fé, minha cultura sul-asiática e minha sexualidade.

Farhat, Nova York

farhatCresci numa família bastante liberal em Dhaka, Blangadesh. Nós vivíamos num ambiente de classe média, e no entanto eu e minha irmã frequentávamos uma escola inglesa muito prestigiada, na esperança de que nós duas um dia acabaríamos vivendo nos EUA.

Eu não era religiosa enquanto crescia, e também já sabia que era queer desde os 10 anos. Eu sentia vergonha da minha sexualidade e do meu gênero. Depois que eu entrei na faculdade, eu encarei essa questão, tranquei a faculdade por um ano e voltei para Bangladesh na esperança de eliminar minha homossexualidade e identidade de gênero. Eu devotei todo meu tempo à prática do Islã e a incorporar em mim os melhores valores do profeta Muhammad Sallallahu Alaihi wa Sallam.

Eu contava com um grande amigo que me acompanhou, e realmente me guiou por essa jornada incrível de tentar compreender o glorioso Islã, tão intricado. Mesmo assim, eu continuava a sentir que não seria capaz de mudar. Eu retornei aos EUA para meu segundo ano de faculdade, comecei a fazer alguns amigos queer e me tornei mais confortável com minha sexualidade e gênero.

Ainda há uma tensão imensa entre navegar os espaços ativistas radicalmente queer e ser uma pessoa muçulmana que ora para Allah todos os dias. Eu continuo a ter debates internos sobre o que significa incorporar o Islã em minha vida e fazer parte de uma comunidade pela qual eu tenho tanto apreço e na qual acredito tanto.

Christelle, Paris

christelle As pessoas me perguntam como é que eu posso ser queer e muçulmana, ou por que eu não tenho um nome que soa muçulmano, ou por que eu não me cubro. Já me perguntaram como é que eu posso ser negra e muçulmana, por causa da maneira como os árabes tratavam os africanos durante o tráfico de escravos árabe. As pessoas querem que você pense que toda sua identidade é haram, mas, cara, isso é algo entre Allah e eu.

Cresci numa família que é metade cristã evangélica e metade muçulmana sunita. Alguns de meus familiares não-muçulmanos são realmente islamofóbicos. Meus familiares muçulmanos tinham que praticar o Islã em segredo porque não queriam ser rejeitados pelos familiares não-muçulmanos. Recentemente encontrei alguns membros de minha família pela primeira vez em 15 anos porque eles não queriam se relacionar conosco.

Eu só me senti confortável para sair do armário para o lado muçulmano de minha família, não para o lado cristão. O que fez que eu me sentisse assim foi a maneira como os muçulmanos da minha família expressam sua tolerância com relação a pessoas queer e trans. Eu me sinto muito feliz por ter contado, porque eles me aceitaram.

Crescendo em Paris durante a adolescência, eu me senti solitária por muito tempo. Eu me sinto pertencente à comunidade negra e à comunidade das mulheres negras, mas não parte da comunidade LGBT de Paris, porque ela é muito, muito branca e padronizada, e despreza gêneros fora da conformidade e outras sexualidades.

Leila, Berlim

leila Eu sou uma árabe negra, ou seja, minha mãe vem do norte da África, da Algéria, e meu pai é caribenho. Eu não cresci muçulmana, pois nós praticávamos o budismo com meu pai. Minha mãe costumava seguir o jejum durante o Ramadan, e esses eram os únicos momentos em que nós praticávamos o Islã.

Eu passei a conhecer o Islã um pouco mais quando tinha 16 anos. Eu estava na biblioteca, peguei uma cópia do Qu’ran e li a tradução em francês. Eu o li em três semanas. Eu conversei com minha tia muçulmana sobre isso, e ela me deu alguns livros sobre a vida de nosso amado profeta Muhammad. Eu me apaixonei pelo Islã.

Quando tinha 20 anos, decidi me tornar uma muslimah. Eu passei a usar o hijab aos 25 anos. Essa foi uma decisão importante, especialmente num país islamofóbico como a França. Eu sou assistente social e educadora de crianças com necessidades especiais, e encontrar um emprego em Paris tornou-se uma batalha. Com o passar do tempo, meu hijab tornou-se mais que um símbolo de minha fé, tornou-se também um símbolo de resistência e um símbolo político.

Desde jovem eu sabia que era queer e isso nunca me causou problema algum, talvez porque eu não comentava a respeito. Euu comecei a me questionar conforme crescia dentro da comunidade muçulmana. Dói muito quando você escuta algumas coisas de pessoas que compartilham a mesma fé e rejeitam uma parte de você.

Ser queer e muçulmana não é uma doença. Nós sofremos de uma falta de um espaço seguro para nós. Nos reunimos muito em grupos muito pequenos, mas não é o suficiente. Alguns de nós sentem medo, e não é fácil.

Eu tenho três filhos, e eles conhecem o Islã, assim como conhecem o sistema opressor sob o qual vivemos. Eles conhecem a comunidade queer, e a comunidade antirracista. Eles vão a todos os protestos comigo comigo e com o pai deles, que é meu ex-marido e o melhor aliado que eu poderia desejar. Ele sabe que sou queer e sempre me ofereceu apoio e proteção.

Shima, Toronto

shimaEu nasci e fui criada em Shiraz, no Irã. Minha família se mudou comigo para o Candá há três anos, depois de morar na Malásia por algum tempo. Nós abandonamos o Irã antes que meu irmão fosse forçado a entrar no serviço militar, e para escapar a pressão crescente que meu pai sofria do governo da República Islâmica. Além de ser um advogado de defesa, meu pai promovia workshops que ensinando direitos humanos. Por sua causa, eu desenvolvi a consciência e a sensibilidade pela injustiça social a meu redor.

Crescer no Irã era um contraste de alegria e ansiedade. Eu gozava de dias ensolarados em jardins, comendo romãs e lendo poesia com uma família grande e colorida, na qual todos me amavam muito. Mas eu também convivia com mullahs que me diziam como eu devia me cobrir, desde criança.

Eu fui criada em grande parte de maneira secular, e incentivada a pensar por conta própria. Lentamente eu vim a aceitar o respeito a alguns aspectos do Islã e a apreciá-los, sem deixar de criticar outros. eu sabia que meu Islã não era aquele dos meus professores. Assim como a maioria de outros iranianos que têm dificuldade com o governo islâmico, a relação que minha família tem com o Islã é complicada. Eu me lembro do dia que minha mãe olhou feio para meu pai porque ele dizia blasfêmias. Para ele, Deus está em tudo, mas minha mãe tinha uma visão mais tradicional da religião.

Hoje, o Islã é para mim uma fonte de consolo. Uma identidade que eu consigo definir por conta própria. Aos 11 anos, eu peguei um daf (grande tambor iraniano) para tocar e comecei a estudá-lo com um grande mestre. Explorar o Tasawuf (filosofia espiritual sufi, vertente do Islã) tem sido a introspecção espiritual pela qual eu anseio.

Quando criança eu sonhava acordada com o dia em que eu colocaria um terno e daria um beijo de despedida em minha esposa, como faziam os casais brancos na TV. Já pré-adolescente, eu cortei meu longo cabelo bem curto, para ter uma aparência masculina, porque eu achava que a masculinidade era sinônimo de ter poder e de gostar de meninas.

Na minha opinião, o estigma e a exclusão são alguns dos maiores desafios que os muçulmanos queer têm que encarar hoje.  O Islã é incrivelmente mal compreendido, e a conversa sobre a questão queer está só começando. É possível que sejamos rejeitados tanto por LGBTs como por muçulmanos. Essa suposta justaposição do Islã com ser queer torna-se apenas mais complicada pela hostilidade que a América do Norte tem contra muçulmanos, num clima em que os muçulmanos lutam por aceitação e visibilidade.

Espero que eu seja capaz de retornar ao Irã e ajudar a tornar as coisas melhores para garotinhas que se sentem como eu me sentia. Espero que eu ajude a deslocar o Irã na direção da aceitação e do apoio às pessoas queer. Eu sonho com o aroma das flores de laranjeira e das montanhas ensolaradas de Shiraz.

Tarek, Paris

tarekEu cresci num subúrbio da França onde moram muitas pessoas que não são brancas. É, basicamente, um gueto. Meus pais não praticavam de verdade o Islã enquanto eu crescia, mas a religião torna-se cada vez mais presente em suas vidas conforme eles envelhecem.

Eu tento criar minha própria relação com o Islã, e gostaria de descbrir o Islã por conta própria. A maneira que eu me relaciono com a religião é muito mais complexa que seguir todas as regras. A essa altura de minha vida, o Islã é muito mais uma questão de espiritualidade. Eu sinto que sou uma página em branco, e tenho que escrever novas histórias. Eu não costumo falar sobre minha fé porque, quando tento, sinto-me isolado. Sem dúvida é uma coisa pessoal.

Eu me expresso por meio da poesia. Eu escrevo sobre ser LGBT, sobre ser árabe e sobre o que sinto quando tento negociar partes diferentes das minhas identidades. Eu tento conectar tudo isso de maneira experimental. Basicamente eu uso muita repetição, o que permite que eu crie palavras novas em francês. Eu amo a complexidade da linguagem e o que consigo fazer com ela. Quando comecei a escrever dessa maneira, eu li o texto perante minha classe de escrita criativa na universidade, e todos os alunos odiaram. Talvez porque era experimental demais. Mas meu professor adorou e disse “Eu não vou te deixar em paz até você publicar seus poemas”.

Yunique, Brooklyn

yuniqueApesar de não ter a aparência de uma muçulmana tradicional, eu me visto de maneira super-recatada. Eu gosto de pensar que meu estilo é meio esquisito, mas ainda é influenciado pelo Islã. Quando muçulmanas olham para mim em meu bairro no Brooklyn, elas sabem que sou muçulmana. Eu quero ser capaz de me identificar com elas e ser capaz de dizer “a paz esteja com você” e sentir essa conexão. Mas sinto que não posso, por causa da minha aparência queer.

O Islã me foi apresentado quando minha mãe e meu irmão começaram a ir o tempo todo nesse lugar chamado mesquita. Eu estava feliz por ela, ela parecia estar completamente submersa numa felicidade espiritual que eu não via nela a muito tempo, se é que já tinha visto. Parecia que ela havia encontrado algo maior que ela mesma. Ela sentou comigo um dia para finalmente me contar o que estava fazendo. Ela me contou sobre o profeta Muhammad e me convidou a ir para a mesquita com ela. Ao permitir que eu decidisse se o Islã era ou não a coisa certa para mim e como a religião seria para mim, ela me deu a plataforma para escolher minha independência aos 12 anos, que progrediu durante toda minha vida.

Por um período, eu até me converti para a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, com o apoio de minha mãe. Mas edescobri que há uma falta de identidade e inclusão negras no mormonismo (se bem que eu descobri Jane Manning).

Ser mormon foi um bom intervalo de ser muçulmana. Essas fés têm crenças algo parecidas, mas ser LGBT foi o que me fez abandonar o mormonismo e retornar à fé muçulmana. Allah nunca me abandonou. Eu nunca abandonei Allah.

Minha mãe também me apresentou a algumas músicas negras incríveis quando eu era jovem. Tracy Chapman para mim é uma profetisa. Sua música me deu pensamento crítico, fez com que eu refletisse sobre o mundo como um todo e sobre o ser. Ela fez que eu percebesse que era lésbica. Ela me ensinou que eu posso estar bem mesmo quando todos discordam. Que eu sou negra, que minha pele é escura, e isso é bom.

Por ser uma mulher negra muçulmana lésbica imigrante, eu me sinto inexistente, às vezes mesmo dentro da própria comunidade LGBT. Não há muitos como eu, por aí e visíveis. Mas no momento eu estou satisfeita com isso, eu ainda estou tentando me entender primeiro, e construir essa nova visibilidade adquirida passo a passo. No Brooklyn, eu tenho pessoas negras e latinas incríveis a meu redor. Sinto que estamos passando por cima da opressão. Estávamos mandando bem separadamente, e agora finalmente estamos mandando bem juntos.

Harry, Brooklyn

harryMinha mãe nasceu e cresceu em Damasco, na Síria, filha de um pai muçulmano sírio e uma mãe maronita (uma vertente cristã) libanesa. Meu pai cresceu no Brooklyn, filho de um casal grego pôntico da região da Macedônia.

Eu me lembro vivamente de como o 11 de setembro de 2001 foi uma virada enorme para minha mãe e suas irmãs muçulmanas. em público elas faziam de tudo para parecer e agir da maneira mais “americana” o possível. Elas colaram adesivos com a bandeira norte-americana em seus carros e mentiam para estranhos quando alguém perguntava sobre seus sotaques. Em casa, no entanto, elas começaram a se dedicar mais a ensinar o Islã para mim e para meu irmão. Elas liam o Qu’ran regularmente, e começaram a jejuar e a ir para a mesquita durante o Ramadan.

Eu contei para meus pais que era gay aos 13 anos. Eu escrevi um bilhete em árabe para minha mãe e deixei no espelho do banheiro quando ela não estava em casa, e fui passar a noite na casa de um amigo antes que ela o encontrasse. Sou eternamente grato pelo amor, aceitação, e apoio que minha família sempre me demonstrou. Quando estava no ensino médio, as únicas representações de pessoas LGBTs que eu encontrava na mídia eram brancas, magras, depiladas e ricas, nada com que eu conseguisse me identificar, obviamente. Lembro-me de querer tanto encontrar outros árabes e muçulmanos LGBT, ser capaz de me enxergar em alguém nesse nível era algo muito importante para mim. Com o tempo eu encontrei um grupo incrível de árabes e muçulmanos queer socialmente engajados depois que me mudei para Nova York, e quase me parece surreal hoje olhar para trás e lembrar da época que eu não contava com esse tipo de paoio em minha vida.

Acho que hoje um dos maiores desafios que confrontam os muçulmanos LGBT nos Estados Unidos é como descolonizar nossas mentalidades. Já houve algumas vezes em que vi ou ouvi outros muçulmanos queer regurgitarem alguns argumentos tão racistas e islamofóbicos que me davam nojo, voltados contra muçulmanos visivelmente religiosos (e a princípio heterossexuais), com o pretexto de “se protegerem”. Como você pode dizer que luta contra o racismo e todos os outros “ismos” em prol de outros, quando você o perpetua contra você mesmo?

Roo, Nova York

rooA única comunidade muçulmana de que já fiz parte é minha família. Eu avô cresceu em Glasgow, de uma família pashtun (agora paquistanesa), e minha avó cresceu em Londres, de uma família judia ashkenazi. Meu pai cresceu no sul de San Francisco, e minha mãe cresceu na Filadélfia, filha de uma família metodista branca de origem europeia. Minha mãe e minha avó converteram-se para o islã quando se casaram, e eu fui criado muçulmano.

Essa conexão se partiu depois que saí de casa e fui para a faculdade em 2001, e meu avô morreu pouco depois. Eu ainda não sei bem no que acredito, mas sei que sou muçulmano. É difícil ter uma existência genderqueer quando os únicos espaços muçulmanos que existem segregam por gênero.

Eu descreveria a relação que minha família tem com o Islã como religiosa e fervorosa, mas explicitamente não-dogmática e desconfiada da religião organizada. Meu pai e meu avô oravam cinco vezes por dia, mas nós íamos para orações em grupo apenas no Eid al-Fitr. Nós mantínhamos uma conduta estritamente halal em casa, e quase totalmente halal fora de casa. Nós tínhamos orgulho de sermos muçulmanos, mas com uma atitude inclusiva com relação a nossos familiares cristãos e judeus.

Como minha família é composta de várias religiões e raças, eu cresci com uma noção muito forte de quem estava na minha família, mas tive dificuldade em descobrir quem eu viria a me tornar. Por várias vezes fui tratado de forma diferente porque tenho uma aparência notadamente distinta do resto da minha família, chegando ao ponto de uma vez pararem minha família na fronteira do Canadá porque os policiais não acreditavam que eu era filho dos meus pais.

Quando eu tinha 10 anos, minha família se mudou para Kansas City, Missouri, para que meu pai pudesse fazer Medicina. Sendo bem sincero, foi uma droga. Virar de repente o nerdinho recém-chegado, junto com a chegada de uma puberdade indesejada, fez com que eu me sentisse bastante isolado. Eu me refugiei na internet, uma novidade, e nos meus desafios acadêmicos.

Acho que os maiores desafios que os muçulmanos queer têm que enfrentar nos EUA são os atos de violência causados pelo medo, as leis criadas especificamente para nos excluir, e uma cultura que nos destaca como “outro”, não importa o quanto nós tentemos nos assimilar.

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Um comentário

André

Se o cristianismo é uma religião que sempre fez tudo para destruir os gays e mesmo assim tem gays cristãos, porquê seria diferente nessa religião? Falta coerência a esses LGBTs.

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