Massacre na boate Pulse: gays continuam impedidos de doar sangue

Após a atrocidade na casa noturna LGBT, a população local faz filas para doar sangue em prol das vítimas. Homens gays, no entanto, ainda são impedidos de prestar esse ato de solidariedade

por Marcio Caparica

Os bancos de sangue da Flórida depararam-se com filas em suas portas no domingo de manhã. Centenas de voluntários tentavam compensar o horror do acontecido na noite de sábado, quando Omar Mateen assassinou 50 pessoas e feriu 52 outras na boate Pulse, em Orlando, Flórida. Segundo o pai do assassino, a atrocidade não teve motivação religiosa, mas Mateen já havia demonstrado raiva anteriormente ao ver dois homens se beijando na rua. Durante o massacre, Mateen ligou para o serviço de emergências e declarou que cometia suas ações em prol do Estado Islâmico. Mateen foi baleado durante o conflito com policiais na manhã de domingo. O Estado Islâmico já reconheceu a responsabilidade pelo atentado.

Com toda essa comoção, circulou pelas redes sociais um boato de que havia sido suspensa a proibição contra doações de sangue feitas por homens gays. A regulamentação atual define que homens que fazem sexo com homens só podem doar sangue depois de  12 meses de celibato – a mesma regra que se aplica no Brasil. Mesmo que a pessoa tenha sempre praticado sexo seguro. Mesmo que o doador em questão esteja num relacionamento monogâmico. Não se exige qualquer tipo de restrição no comportamento sexual de pessoas heterossexuais, apesar de grande parte delas também praticar sexo anal e em grande parte das vezes fazer sexo sem preservativo. O boato foi rapidamente desmentido pelo banco de sangue da cidade.

A proibição reacendeu o debate sobre as regras para doação de sangue, criadas durante o pânico da Aids na década de 1980, mas hoje nada mais que um fóssil que aponta para a homofobia renitente que ainda existe em vários setores da sociedade. Uma vez que todas as bolsas de sangue são testadas contra DSTs, e que as práticas que conduzem à transmissão dessas doenças não são exclusivas de homossexuais, essa proibição não passa de homofobia. Como colocou o repórter Bobby Blanchard, do jornal Dallas Voice: “Os hospitais de Orlando necessitam de doações de sangue para ajudar a salvar pessoas gays. No entanto, pessoas gays não podem doar sangue para ajudar pessoas como elas próprias. Porque são gays.” O deputado norte-americano Jared Pollis, abertamente gay, apontou para mais um absurdo dessa regulamentação: ela impediria que o marido de uma vítima do atentado doasse sangue para salvar a vida de seu próprio parceiro.

O mês de junho é dedicado ao orgulho LGBT nos EUA, e a luta contra essa proibição agora ganha mais importância. Como escreveu o colunista John Paul Brammer no jornal The Guardian:

Enquanto celebramos o Orgulho LGBT – e sim, nós vamos celebrá-lo mesmo depois dessa tragédia, como sempre – vamos recordar-nos de nossas origens radicais. Acima de tudo, o Orgulho é uma celebração da resistência. É uma celebração de nossa audácia de existirmos.

Então, no espírito do Orgulho LGBT, no espírito de Stonewall, no espírito de nossos familiares LGBT que nos foram tomados cedo demais, vamos continuar a resistir.

O dia de hoje serve para nos lembrar de que ainda há muitas batalhas a serem combatidas. A política opressiva e defasada contra o sangue queer é uma delas. Ela deve ser eliminada. Anseio por um futuro em que possamos expressar nossa solidariedade por aqueles que estão necessitados de nossas doações de sangue.

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