Votante gay e latino manda carta à presidente da Academia questionando mudanças no Oscar

“Eu sou um homem gay e meu pai é um imigrante latino. Por favor, explique-me como me negando meu direito ao voto fará a Academia e os indicados ao Oscar mais diversificados?”, diz o produtor Mark Reina em série de colunas escritas por membros da Academia que está sendo publicada na revista “The Hollywood Reporter” acerca do excesso de brancos no Oscar

por James Cimino

A polêmica em torno da ausência de negros entre os indicados ao Oscar deste ano levou a presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, Cheryl Boone Isaacs, uma mulher negra, criasse novas regras para incentivar a diversidade nas próximas votações.

Acontece que essas mudanças têm desagradado muitos membros atuais da Academia, porque, pelas novas regras, só terão direito quem tiver atuado na indústria ativamente nos últimos dez anos. A cada dez anos, sua atuação será avaliada e o direito será renovado caso comprovado seu trabalho. E somente apenas após três mandatos de dez anos — ou se o profissional for indicado ou ganhar um Oscar — que o membro terá direito a voto vitalício.

Hoje em dia, as regras variam de categoria para categoria. Ser indicado ao Oscar ou vencer o prêmio é uma delas. Ter seu nome nos créditos de pelos menos três filmes, para atores por exemplo, é outra. O problema todo é que a nova regra será aplicada retroativamente — e isso está deixando muitos eleitores atuais, especialmente aqueles que já estão no ocaso de suas carreiras, irritados, pois correm o risco de perder seu direito ao voto.

Nesta coluna para convidados da “Hollywood Reporter” chamou a atenção uma carta escrita pelo produtor Mark Reina, um membro do ramo de relações públicas da Academia, que passou a maior parte de sua carreira na Warner Bros.

Alguns dos meus colegas da Academia acharam que talvez as pessoas possam estar interessadas nos pontos que levantei no e-mail que enviei a Cheryl Boone Isaacs [a presidente da Academia]. Não recebi nenhuma resposta.

Cara Cheryl Boone Isaacs,

Eu entendo a sua necessidade de responder às críticas que a Academia recebeu recentemente sobre a falta de diversidade entre os indicados ao Oscar. No entanto, estou perplexo com sua escolha e do conselho administrativo.

Eu trabalhei na indústria por mais de 20 anos, a maior parte desse tempo como um executivo de estúdio de cinema. Por causa disso, eu sou atualmente um membro votante vitalício da Academia. Segundo as novas regras parece que esse direito me será negado me a fim de tornar a Academia e, portanto, os indicados ao Oscar “mais diversificados”.

Você está dizendo que eu sou racista ou que tenho tendências racistas e, por isso, preciso ser excluídos da votação? Você está dizendo que se eu trabalhasse mais dez anos eu iria votar de forma diferente? Você está dizendo que eu não fiz as minhas escolhas de voto baseado em critérios de qualidade, mas sim com base na cor da pele dos artistas? Você está dizendo que eu votei (consciente ou inconscientemente) com o intuito de excluir as mulheres, membros da comunidade LGBT e outras minorias? Acho que isso é uma ignorância e um insulto. Eu assumo minhas responsabilidades de adesão a sério e seu muito honrado por fazer parte da Academia. Eu paguei minhas dívidas anuais, votei no Oscar todos os anos, votei em categorias somente depois de ter visto todos os filmes concorrentes e consistentemente me envolvi em outras votações importantes da Academia desde que fui convidado a participar em 1995.

Eu sou um homem gay e meu pai é um imigrante latino. Por favor, explique-me como me negando meu direito ao voto fará a Academia e os indicados ao Oscar mais diversificados?

Agradecemos antecipadamente pela sua resposta.

Infográfico do "Daily Telegraph" mostra as (des)proporções de gênero, etnia e idade na Academia

Infográfico do “Daily Telegraph” mostra as (des)proporções de gênero, etnia e idade na Academia

Após ler a carta de Mark Reina e de outro membro que se intitula como “homem branco e velho” sobre seus direitos ao voto tenho alguns comentários a fazer.

Ser gay e latino não te faz necessariamente não racista ou não homofóbico, como diversos artigos que publicamos aqui provam.

Dizer que gostou de “Creed” e de “Straight Outta Compton”, mas não fazer lobby para que esses filmes efetivamente alcancem as indicações que, segundo o “homem branco e velho” que também escreveu nesta coluna, eles merecem, apenas demonstra, a meu ver, passividade perante o status quo.

E estou usando a palavra “lobby” porque, como o próprio “homem branco e velho” disse, é tudo uma questão de dinheiro. Afinal, se talento e relevância artística é o que menos importa, porque não dar aos negros a parte que lhes cabe do latifúndio?

Voltando ao votante “gay e latino”: Usar sua experiência pessoal para avaliar experiências coletivas é limitador e, em muitos casos, desonesto com o conceito de diversidade em si: as pessoas são diferentes, reagem de forma diferente a estímulos idênticos e mesmo quando têm uma origem que deveria colocá-las em posição de empatia com os oprimidos podem vir a reagir de forma totalmente oposta. Só para usar um exemplo cinematográfico: o papel de Samuel L. Jackson em “Django Livre”, que faz um negro racista.

Agora, uma coisa que me chama muito a atenção sobre essa reação dos membros que perderão direito ao voto é: custa largar o osso? Você já participou do processo durante 20 anos. E nestes 20 anos não conseguiu mudar em nada o panorama dos eleitos pela Academia. Por mais que Mark Reina individualmente se diga não racista ou não homofóbico, algo que acredito sinceramente, em que efetivamente ele colaborou para que algo mudasse?

E já que não quer perder o direito a voto e é produtor, que tal então trabalhar mais dez anos exatamente tentando mudar esse panorama e, assim, manter seu direito e, ainda, ajudar a promover as mudanças que a Academia se propõe?

Acho sinceramente que as pessoas têm de parar de personalizar questões coletivas, porque, na minha opinião, o que me parece é que Mark Reina e outros membros estão querendo manter um status que, pelas novas regras, não terão mais.

Os experientes também têm que aprender a ter a nobreza de abrir o caminho para os mais novos e para as novas ideias. Ou, no mínimo, praticar o que dizem acreditar e defender.

É importante, no entanto, se atentar aos fatos e dados sobre o perfil dos votantes do Oscar.

A média de idade dos votantes do Oscar é de 62 anos, 77% são homens e 94% são brancos. Comparando-se com a população americana, em que 63% são brancos, ainda assim é uma disparidade grande.

Segundo a reportagem “O Oscar e os Negros”, publicada pelo UOL nesta quinta-feira (28), a falta de diversidade no Oscar é um reflexo da indústria do cinema e de seus componentes. Segundo dados do último United States Census Bureau, 62,1% da população dos Estados Unidos é branca; 13,2%, negra; 17,4%, latina; e 5,4%, asiática. Nos filmes de maior bilheteria de 2013, os brancos representaram 83,3% dos protagonistas. Já o perfil do público traz outros números: 63% são brancos; 17%, latinos; 12%, negros; e 8%, asiáticos e outros grupos. Quer dizer: os filmes de Hollywood não representam bem nem a população norte-americana, nem quem os assiste. As minorias étnicas, as de gênero e as de sexualidade ainda têm um longo caminho a percorrer.

Por último, mas não menos importante, é sempre bom lembrar do que Viola Davis disse ao vencer o Emmy de melhor atriz por “How to Get Away with Murder”: “Não se pode premiar atrizes e atores por papeis e filmes que não existem”. Ou seja, o problema vai além do Oscar. Bem além…

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

2 comentários

Isabele

A Academia do Oscar,consegue ser em um programa uma oportunidade de inaltecimento de recalques,injustiças,desafetos,puxões de orelhas…A estatueta do Oscar,deixa de ser relevante o que no final das contas é mesmo um paradoxo o prêmio q a Indústria acredita ser o mais cobiçado!

Kaiser D. Schwarcz

Um argumento tosco o dele.
Mas eu não vejo como essas novas regras para membros poderia mudar o quadro de baixas indicações de proficionais negros para o Oscar. Concordo com Reina que exigir 30 anos de participação para ter um lugar permanente no quadro de votantes é excessivo. Isso tende a excluir profissionais experientes que já se encaminham para o encerramento de suas carreiras, mas poderiam contribuir muito na avaliação dos novos trabalhos.
A questão é que mesmo nessas novas regras, o direito à voto é condicionado à participação da produção cinematográfica de Hollywood e é aí que está o problema. A maioria dos atores, só para citar uma categoria, escalados para filmes de Hollywood são homens brancos, supostamente héteros. Não achei dados para atores negros (quem achar me mande), mas para mulheres, por exemplo, houveram apenas 12% dos filmes de 2014 em que elas foram protagonistas. Se considerarmos todos os papéis com fala, foram 30% de atrizes trabalhando (http://tinyurl.com/o8gcxm4). Então, mesmo com essas novas regras, as mulheres seriam minoria entre os membros da academia.
Suponho que algo semelhante ocorra com os profissionais negros (atores e outras áreas), estando em minoria em relação aos brancos. A menos que a Academia adote um sistema forte de cotas (50% de cotas para mulheres e 50% para homens, com uma boa proporção de cada grupo reservado para negros), a composição dos membros da Academia não deve mudar muito.
O problema não está no Oscar em si, mas sim na indútria americana de cinema (e na Européia, e na brasileira, etc) que prefere trabalhar com gente branca.

Comments are closed.