Traduzido do artigo de James Henry para o site Atlas Obscura
Não demora muito na vida de qualquer pessoa até que ela comece a se deparar com pintos desenhados pelo mundo: em portas de banheiros, em muros, em cadernos… Sabe como é. Nada incomum nisso. Há um banheiro no West Village, em Nova York, que tem esse tipo de imagem em profusão – e foi preservado por ser uma grande obra de arte. Porque não há nada de comum nesses desenhos.
Foi em maio de 1989 que Keith Haring criou nesse banheiro o mural Once Upon a Time (“Era uma vez”, em tradução livre). Ele tinha 31 anos, e esse foi seu último grande mural antes de sua morte prematura em fevereiro de 1990, por complicações de saúde resultantes da Aids. A obra foi criada para o evento “The Center Show”, uma celebração do vigésimo aniversário da revolta de Stonewall, por muitos considerado o início do movimento pelos direitos civis LGBT. Os organizadores desse evento convocaram artistas LGBT para criarem obras de arte específicas para cada cômodo no edifício comumente chamado “The Center” (hoje chamado The Center: Lesbian, Gay, Bisexual & Transgender Community Center). Haring decidiu criar sua obra contestadora no banheiro masculino do segundo andar.
Seu mural cobre as quatro paredes internas e cerca o visitante com os desenhos em preto-e-branco típicos de Haring: vários pênis, secreções, bebês, e figuras que se agarram, entrelaçados entre si acima dos azulejos das cabines dos sanitários. Once Upon a Time era uma homenagem aos dias de banheirão mais despreocupados, em que era possível fazer sexo nos banheiros sem medo, antes de o HIV e a Aids dizimarem a população gay de Nova York e do mundo todo. Essas não são as imagens amistosas criadas por Haring que costuma-se encontrar em buttons, ímãs de geladeira, quebra-cabeças e roupas; esse é o Haring íntimo e sexual, trazido à vida numa celebração grandiosa e sem pudores da sexualidade gay.
Infelizmente, o tempo e as intempéries gradualmente desgastaram o mural. Isso deve-se em parte pelo fato de que Haring não preparou a superfície antes de pintar as paredes; os murais também ficaram expostos aos elementos, castigados por anos de janelas abertas. O banheiro foi usado como sala de reuniões pelo The Center por alguns anos, até que, em 2012, arrecadaram-se os fundos necessários para a renovação das obras. O mural foi restaurado e aberto ao público em 2015, juntamente de outras grandes obras de arte da mesma mostra criadas por Leon Golub, Barbara Sander, Kenny Scharf, George Whitman e Martin Wong.
As obras de Keith Haring já foram vendidas em leilões por cifras que chegam a 2,5 milhões de dólares, o que leva a crer que esse seja o banheiro mais valioso do mundo. Felizmente, é possível visitá-lo gratuitamente. O Banheiro de Keith Haring e outras obras do Center Show estão abertas ao público no The Center, no horário comercial.
The Lesbian, Gay, Bisexual & Transgender Community Center 208 W 13th St., New York, NY 100011
