Convivência contra o estigma da soropositividade: conheça o trabalho do Ulrichs Café

Fundado por duas organizações que auxiliam soropositivos, o Café Ulrichs em Berlim oferece um espaço de convivência em comum entre soropositivos e soronegativos, e abre suas portas para pessoas de todas as nacionalidades

por Marcio Caparica

Mundo BiMesmo com a significativa melhoria com relação à qualidade de vida e chances de sobrevivência de soropositivos, ser portador do vírus HIV é considerado tabu – Charlie Sheen que o diga. São raros os soropositivos que divulgam seu status sorológico abertamente. Muitas pessoas que não contraíram o vírus não conhecem alguém que já contraiu – ou pior, pensam que não conhecem alguém que foi infectado pelo HIV.

A convivência, como sempre, é a melhor maneira de acabar com o preconceito. E é para promover a convivência, digamos, “sorodiscordante”, que um grupo de voluntários montou em Berlim o Ulrichs Café. Instalado em Schönenberg, o mais tradicional bairro LGBT da capital alemã, ele oferece um espaço em que, entre xícaras fumegantes e pedaços de bolo, soropositivos podem ser abertos quanto a seu status, e soronegativos aprendem, pela convivência, que não têm nada a temer. Seus voluntários também são treinados para atender às dúvidas de quem se aproximar de seu balcão e sabem dar apoio soropositivos de todas as nacionalidades.

A fim de conhecer melhor o projeto, o LADO BI entrevistou por e-mail Thomas Sielaff, um dos coordenadores do Ulrichs Café. Ele contou um pouco da história desse projeto, explicou o que fazem e lembrou do papel que organizações como a sua têm no auxílio a imigrantes e refugiados desde o início da crise da Aids, há 25 anos.

LADO BI Como é que um café pode ajudar a fazer com que soropositivos sejam melhor aceitos pela sociedade?

O Café Ulrichs tem suas raízes em duas instituições: uma é o Café PositHiv, fundado em 1989 por pessoas soropositivas como um projeto de autoajuda. A outra é o time de café-da-manhã da Berliner Aids-Hilfe, um projeto voluntário. Desde novembro de 2013, as duas iniciativas se uniram como o Café Ulrichs, em que 40 voluntários trabalham no café, não importa seu status de HIV. Ele se torna uma janela aberta para soropositivos, seus amigos e pessoas das redondezas. O objetivo não é isolar-se ou esconder-se, mas sim mostrar abertamente que os soropositivos são parte da comunidade queer e da sociedade como um todo.

Quais são os status sorológicos da equipe do café? Por que tipo de treinamento eles passam para trabalhar ali?

Os status sorológicos das pessoas da equipe do café não vêm ao caso; o que importa é que estejam dispostos a trabalhar para – e com – pessoas soropositivas. Os voluntários passam por três treinamentos, que incluem a história e concepção própria da organização em si, preparação médica sobre HIV e Aids, e treinamento em comunicação. O treinamento de como se preparam 100 refeições por dia ou de como se faz um latte machiato é feito com os colegas, ao longo do processo de trabalho.

Que tipo de serviços vocês oferecem?

Além de um almoço gostoso, uma xícara de café ou um pedaço de bolo 4 dias por semana, todas as terças e quintas-feiras oferecemos um brunch das 11 da manhã até a uma da tarde, por um preço muito acessível. Além disso, grupos como “Offene Kunstgruppe” (grupo de arte aberta voltado a soropositivos), “Bekam” (imigrantes soropositivos, seus parentes e seus amigos), “Schreibgruppe für Frauen” (grupo de escritoras soropositivas) e muitos outros usam o café para realizarem seus encontros e eventos. Nosso grupo acolhe calorosamente a todos, principalmente agora, antes do Natal, em que promovemos concertos, show e nosso tradicional jantar no dia 25 de dezembro.

Pessoas de quaisquer nacionalidades podem buscar auxílio no Ulrichs Café e na Berliner Aids-Hilfe?

Os serviços da Berliner Aids-Hilfe incluem aconselhamento em alemão, inglês, francês, russo, polonês, búlgaro, romeno, dinamarquês, sueco e norueguês, assim como a oportunidade de se unir a grupos de apoio. Quanto ao café, contamos com voluntários da França, da Noruega, da Argentina e do Líbano, mas ajuda muito saber falar alemão para ser atendido.

Berlim é famosa por suas festas ensandecidas. Você acha que as pessoas por aí estão preocupadas em prevenir-se contra o HIV?

Depende muito de que parte da comunidade LGBT você está falando. Quanto mais as pessoas tornam-se conscientes de que uma infecção de HIV tratada logo de início oferece poucos riscos, mais os medos diminuem. Hoje os temores são bem menores que os de 15 anos atrás. No entanto, os números de pessoas infectadas vêm se mantendo estáveis com o passar dos anos. Apesar de o HIV não ser mais tabu em muitos lugares, muitas pessoas ainda pensam que não se deve falar sobre isso. O uso de preservativos, a PrEP e tratamento como prevenção é algo sobre o que todos da nova geração devem estar informados.

Soropositivos ainda sofrem de muito estigma na sociedade alemã?

Sem dúvida o pânico da década de 1980 acabou, mas ainda é mais fácil simplesmente manter segredo sobre seu status, por exemplo, com relação a seu empregador ou seus empregados. E, claro, depende muito de onde você vive: Berlim tem uma atitude especial com relação aos soropositivos, quando comparada a cidades menores ou quem vive no campo.

Como a crise dos refugiados interage com a crise do HIV? Refugiados soropositivos são recusados por causa de seus status sorológicos?

Desde o início organizações que combatem a Aids, como a Berliner Aids-Hilfe, trabalham com refugiados e imigrantes. Mas em 2015 o número de pedidos de ajuda triplicou. Mesmo assim, a Alemanha abre sua cultura acolhedora também para refugiados soropositivos. Além disso, as autoridades alemãs consideram que têm a obrigação de oferecer proteção especial também para as pessoas LGBT em geral. Um de seus objetivos é retirar essas pessoas o quanto antes dos campos de refugiados e conseguir acomodação privada para elas assim que possível.

Viagem realizada a convite do Centro de Turismo Alemão.

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3 comentários

Armando Mubai

Maravilhosa idéia, pois deveria ter em todos lugares do mundo casas como estas. Agora pergunto se tem também voluntário não soropositivos?

João P.

Gente, que ideia bacana
*-*
Não só um porto seguro para quem é soropositivo, mas também uma mina de ouro em ideias e diálogos para reduzir o preconceito que o a sigla HIV provoca na sociedade. Adorei a proposta, são lugares assim que mudam o mundo

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