O abuso sexual de homens permanece sob estigma e silêncio

Jornalista relata as duas vezes em que foi abusado sexualmente numa tentativa de alertar quanto às dificuldades por que passam os homens que são estuprados

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Joseph Rogers para o jornal The Orion

O abuso sexual nem sempre acontece num beco.

Nem sempre acontece no escuro.

Nem sempre acontece à ponta de faca.

Nem sempre acontece num parque.

Mas sempre deixa cicatrizes.

Mesmo que isso seja difícil de escrever, há uma mensagem – uma perspectiva, minha e de outros homens – que não deve continuar calada.

Um dos melhores homens que eu conheço me disse uma vez que, se eu realmente desejo fazer a diferença no mundo, eu deveria contar minha história.

Não minha história oficial que eu compartilho com as pessoas nos âmbitos bem educados – a história verdadeira, pessoal.

Eu me lembro quando eu frequentei um dos Congressos de Diversidade do Centro de Liderança Multicultural. Há uma atividade no ponto alto do evento chamada “atravessar a linha”, em que situações são citadas, e se elas tiverem acontecido com algum dos participantes, nós “atravessamos a linha” do círculo para ficarmos no meio com outros que estão no mesmo barco.

“Atravesse a linha se você, ou alguém que você conhece, já foi vítima de abuso sexual”, anunciaram.

Eu hesitei. Por volta de cinco segundos. Então eu atravessei a linha.

Supostamente eu poderia justificar atravessar a linha dizendo que eu conhecia uma vítima, mas a preparação prévia nos incentivou a deixar de lado barreiras sociais e emocionais.

Eu estava vulnerável.

Acho que eu dei três, talvez quatro passos para o meio do círculo antes de desmoronar. Eu caí no pranto – eu  derrubei algumas lágrimas. Eu fugi correndo do recinto.

Eu sou muito grato por uma amiga minha também era uma aluna trabalhando no congresso. Ela saiu atrás de mim. Eu não tenho palavras para descrever como essa situação foi verdadeira.

Tristeza? Sim. Vergonha? Mais ainda. Desespero e depressão? Pra caralho. Raiva? Sim, com a intensidade de mil sóis.

As estatísticas sobre homens que são vítimas de abuso sexual são raras e inconsistentes. Alguns dizem que 10 por cento de todas as vítimas de “agressão sexual, abuso sexual e estupro” são homens. Outros chutam mais alto e estimam que seja 38 por cento das vítimas.

Há quem diga que um de cada seis homens “já passou por situações sexualmente abusivas antes dos 18 anos” ou “um de cada 33 homens nos Estados Unidos já foi vítima de uma tentativa de estupro ou de um estupro completo durante sua vida”.

Confuso? A dificuldade é questão de linguagem – como abuso sexual e estupro são definidos tanto legal como socialmente.

Um homem tem que ser penetrado para ser uma vítima de abuso sexual? Não. Se seu pênis fica ereto isso quer dizer que há consentimento implícito? Não. Se ele chegou ao orgasmo, quer dizer que ele queria, certo?

Muitas leis sobre abuso sexual, até há pouco tempo, utilizavam uma linguagem que deixava implícito que apenas mulheres poderiam ser consideradas vítimas.

Há um estigma significativo ao redor dos homens sobreviventes de abuso sexual, que torna difícil conseguir estatísticas confiáveis.

Muitos acreditam que as pessoas vão pensar que, se o homem não foi capaz de impedir o abuso, ele foi fraco. Ou que homens heterossexuais que são vítimas de abuso serão vistos como gays. Ou que gays vítimas de abuso vão se sentir discriminados por causa de sua orientação sexual.

Homens sobreviventes de abuso sexual passam por efeitos psicológicos similares aos que acometem as vítimas femininas. Depressão, medo, ódio, descrença, culpa e dúvida assolam sobreviventes de abuso de qualquer identidade de gênero.

Um caso de abuso sexual aconteceu em Santa Clara. Aconteceu à luz do dia, num vestiário de paredes pintadas com aquele tom de verde-ervilha horroroso das instituições dos anos 1970, ao lado do banheiro público, próximo aos currais. Eu era um garoto de 9 anos. O agressor foi um adolescente que trabalhava com a família há anos.

E doeu.

Muito.

Aconteceu também na festa de aniversário de 21 anos de um amigo. Um carinha bonito, que vinha puxando um papo quase comportado, e me ofereceu uma bebida, e depois eu não me lembro de nada até o amanhecer.

Acordar nu e desorientado, sendo lambido por um dálmata gigante enquanto me vestia. Ouvir os comentários sexuais sobre a “noite passada” que confirmavam a atividade sexual. E não encontrar um pacote de preservativo em lugar nenhum.

Os relatos públicos de sobreviventes de abuso sexual são tão raros que alguns homens chegam a duvidar que passaram por isso.

Infelizmente muitos dos serviços de apoio a sobreviventes de abuso sexual não são muito acolhedores para homens. É compreensível, já que a maioria dos sobreviventes são mulheres, mas isso não diminui a necessidade de espaços seguros em que homens sobreviventes de abuso possam buscar auxílio.

Eu acabei não dando queixa.

Quando eu tinha 9 anos, não se falava a respeito de abuso de crianças ou estupro, então quem é que ia acreditar que eu não estava inventando aquilo tudo?

Quanto ao segundo caso, eu tinha medo. Eu tinha que lidar com minhas dúvidas a respeito de mim mesmo. Eu não queria lidar com a polícia. Será que o policial que ouviria minha queixa tiraria sarro de mim? Fazer comentários inadequados?

Eu não precisava daquilo.

De nada disso.

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12 comentários

Lucas

No ano de 2015, depois de uma festa fomos à casa de um “amigo” da faculdade. Eu e mais 3. No fim das contas, ao dormir, e um ano depois, com todas as piadas e coisas que se fez ouvir, finalmente chego à conclusão que além do estupro, tudo foi filmado e fui difamado. Meu próprio irmão, o peguei vendendo as imagens de meu estupro. Nunca cheguei à ver. Não tenho o traumo do ato. Mas a questão social muito completamente. A família é outra. Os amigos não eram tão amigos. Se foram. Ninguém ne contou nada. Hoje sigo firme. Forte. É a primeira vez que falo assim na internet sobre. Quando tento falar com irmã ou irmão, fazem se desentendidos.

MSH

Eu não lembro que idade eu tinha, era apenas um garoto cheio de sonhos, tinha meu tio como meu herói, ate mesmo mais que meu próprio pai, ate que as brincadeiras ficaram diferentes, não eram mais tão divertidas, um dia ele chegou bêbado, eu nunca o tinha visto daquele jeito. Ele me agarrou, eu pedia para parar porque estava com medo, ele tampou minha boca e fez aquilo que destruiu a minha vida. Não sei o que doía mais em mim, se era a dor física ou a dor que sinto até hoje. Meu Tio hoje vive longe e quando esta perto não nos falamos, ele vive com sua esposa feliz e com seus filhos. Eu vivo sem esperança, não consigo enxergar o sexo como algo bom, tentei ter uma experiência sexual foi horrível, minha mente não apaga aquilo. Hoje tenho 28 anos, e vejo cada vez mais longe os meus sonhos serem realizados, sonho de ter uma família, de ser pai e proteger meu filho de tudo.
Hoje eu sou só o que restou daquela noite tenebrosa.

Karine

Pô, cara, sinto muito por você, quem sabe se você procurar ajuda não consegue superar isso ou pelo menos melhorar? Ainda dá tempo, boa sorte.

Amanda

Olá, tudo bom?
Eu sou aluna do Ensino médio, com um projeto de conclusão de curso (TCC) com o tema de “Abuso contra o homem”. Se você pudesse nos ajudar com sua história ou até mais relatos, por favor entre em contato comigo.
Email: amanda.g.martins@hotmail.com

SCL

Eu relutei muito em comentar, embora eu tenha total certeza de que não fui o único. Minha primeira experiência sexual foi advinda de um estupro, quando eu tinha 17 anos, marquei um encontro sexual com um homem quase 30 anos mais velho.
Fui a casa dele, era um bairro desconhecido pra mim, estava em chamas porque finalmente teria minha primeira relação sexual, o que ficou pre acordado era que eu estaria na posição de ativo na relação, durante o encontro ele foi muito gentil, nos beijamos, trocamos carinhos, bebemos um pouco… Quando as coisas começaram a esquentar, fomos pra quarto, ele pôs o colchão no chão, disse que era pra evitar o barulho, fizemos sexo oral e tudo que estava perfeito passou a se modificar, ele pediu pra me comer, eu estava a vontade com ele, mas não tinha a intenção de fazer aquilo … Pedi então pra continuarmos com o combinado, foi então que ele começou a me atacar, me imobilizou, me deitou de bruços, tapou minha boca com sua cueca, me penetrou sem pena, sem carinho, sem paciência, eu nunca havia sido penetrado, então pode-se imaginar a dor que eu senti, ele passou a dizer coisas desagradáveis no meu ouvido, quando escrevo este relato, eu sinto as sensações vívidas no meu corpo, o cheiro da cueca, o tom de voz, o roçar da barba, os tapas, o nojo,a vergonha e principalmente a sensação de impotência. Ele demorou até terminar, quando finalmente acabou, eu estava destruído e sem reação, eu não esperaria nunca aquilo, ele ainda disse que “sabia que eu queria aquilo”, e que não era todo dia que ele tinha a oportunidade de deflorar um “viadinho”. Eu saí de lá mudo, cheguei em casa e fui tomar banho, tinha sangue na minha cueca… De lá pra cá, poucas vezes fui penetrado e todas as vezes que tentei , a imagem dele vem a minha cabeça.

Francisco Carlos

Meu Deus…
Meu caro, quando leio seu comentário, dou graças aos céus de nunca ter passado por um estupro em minha juventude.
Até quando sentimos prazer com outro homem, um troço imposto pela sociedade chamado de “culpa” nos apossa. Imagino o drama que você carrega .
Mas, siga em frente, liberte-se disto .
Um beijo carinhoso e que você siga em frente .

clayton g bueno

eu ja sofri varios abusos assim deste o ano de 1978 ate 1981 onde fui deixado em um lar espirita em rolandia parana depois de ter 13/16 anos fui estrupado varias vezes na antiga febem em tatu a pe sao paulo e por fim depois de me tornar evangelico da assembleia de deus fui estrupado pelo filho do meu pastor muitas vezes nao havia consentimento em ter sexo com ele era na força mesmos e nao podia falar pra nimguem sei o que e isto e ate hoje quanto tenho relaçao com outro homen nao consigo ser ativo devido a total submiçao que estes abusos me condiçionaro mas hj lido com mais calma com este trauma e sofro muito quando ouso homens falar de suas esperiençia sei que difiçio e dolorosa.

Sarah

Eu tenho 24 anos e sofri abuso sexual do meu bisavô e do filho mais velho dele (meu tio) quando tinha entre 5 e 7 anos, eu me lembro da sensação horrível deles tocando cada parte do meu corpo tão pequeno, do cheiro que sentia naqueles momentos, como a maioria das crianças nessa situação eu tinha medo de contar e não acreditarem em mim, por sorte eles nunca penetraram em mim. Quando eu achei que estava livre dessas situação, o tio da minha prima (na época eu tinha 8 anos, e ele por volta de 15) me obrigava a abaixar as calças para que ele pudesse esfregar o pênis dele no meu ânus, eu chorava, e tentava gritar, mas ele me ameaçava, e me ameaçava se eu falasse que contaria, eu tinha tanto medo dele, ele acabava gozando em mim, e eu ia tomar banho correndo e chorando pra tirar aquilo de mim, na época eu não entendia o que era aquilo, mas agora entendo e não sei lidar com isso. O tio da minha prima ainda mora aqui na rua, ele parou com os abusos quando eu tinha 8 anos, mas eu nunca esqueci e não suporto olhar na cara dele, e ele ainda tenta fazer brincadeiras comigo, eu apensas ignoro e finjo não ver. O meu bisavô faleceu, e o filho dele ainda está vivo e eu finjo não lembrar quando o encontro, mas sinto nojo de todos eles. Eu desenvolvi alguns problemas por causa dos abusos, e não sabia que tinha relação com isso até ir em um psicologo. Hoje em dia eu sofro de Transtorno obsessivo compulsivo (TOC), mania de limpeza, ataques de pânico, ansiedade, síndrome das pernas inquietas e faço tratamento com psicologo e psiquiatra, e tomo remédio controlado. O TOC quase acabou comigo no começo desse ano, por quase dois meses eu perdi o controle sobre mim, eu não tomava banho sozinha, não arrumava meu cabelo, queria sempre estar limpa e não podia tocar em nada “sujo”, não saia de casa, não comia direito, chorava sempre, tinha que lavar as mãos o tempo todo e várias seguidas, até machucar, eu sabia que nada aconteceria, mas na minha mente coisas ruins iriam acontecer se eu me afastasse desse hábitos, eu tinha pensamentos horríveis, mas graças a Deus, minha família, meu noivo, minha psicologa e meu psiquiatra eu melhorei 90%, e ainda estou em tratamento. Quando eu era mais nova sofri de depressão e me cortava, mas isso acabou. Eu espero que outras pessoas nessa situação possa encontrar um caminho de cura, é difícil, o caminho é longo, eu mesma ainda choro sozinha quando lembro, mas sentir pena de si mesma não é o caminho, eu já senti pena de mim, o caminho é procurar ajuda, não deixar o abuso te destruir, lutar pela sua vida.

Eliéser

Obrigado Sarah, seu comentario me fez me sentir melhor e que também posso melhorar de todos os meus males! =) obrigado mesmo, bjs. Seja feliz!

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