Abuso de Viagra na indústria pornô põe atores em risco de impotência

Com milhares de dólares dependentes de suas ereções, atores pornôs tomam (e injetam) medicamentos contra disfunção erétil em doses excessivas e desenvolvem dependência física e psicológica

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Tracy Clark-Fiory para o site The Fix

Há quase um ano, Danny Wylde acabou no pronto-socorro com uma agulha de injeção gigante espetada em seu pênis ereto. E esse não era o problema; era o tratamento.

Depois de tomar 80 miligramas (quatro vezes a dose máxima recomendada por dia) de Cialis, uma droga contra disfunção erétil, o ator pornô de 28 anos estava mantendo a maior ereção de todos os tempos – uma ereção que simplesmente não acabava. Quando finalmente chegou na emergência, o pau duro conseguido com assistência farmacêutica já perdurava há mais de doze horas seguidas. Se continuasse, havia riscos de que ela causasse danos permanentes para seus tecidos penianos, e talvez que o ator até perdesse completamente o membro de que sua carreira dependia tanto. Os médicos só encontraram uma solução: utilizar uma seringa para drenar o sangue de seu pênis.

Ao longo de sua carreira de oitos anos na indústria dos filmes adultos, Wylde havia usado Cialis rotineiramente e experimentado uma vez ou outra o Bimix, droga injetável contra disfunção erétil que é aplicada diretamente no pênis. Essa era a terceira vez que seus hábitos o fizeram parar no hospital – mas dessa vez a coisa era diferente. O médico no pronto-socorro lhe disse que, a não ser que ele deixasse de usar essas drogas, ele poderia perder a habilidade de ter ereções. “Foi aí que eu meio que entrei em pânico”, conta Wylde. “Eu não ia abrir mão do sexo aos 28 anos para que eu continuasse a participar de filmes pornôs por mais algum tempo”. Ele deixou de atuar em filmes pornôs no dia seguinte.

Foi uma decisão destruidora. “Essa era minha carreira há oito anos. Era meu trabalho, meu sustento, minha identidade – e tudo isso desmoronou de um dia para outro”, ele lamenta. “Foi um terremoto.” Alguém pode perguntar: por que não continuar a fazer pornôs, mas sem a ajuda farmacêutica? Impossível, responde Wylde. “Antes de tomar as drogas, eu falhava nas cenas”, recorda-se. “Eu não conseguia fazer o que tinha que fazer.”

(Pesquisas apontam que o uso regular de Cialis e Viagra por jovens na população geral pode levar à dependência psicológica e prejudicar o funcionamento sexual normal, o que por si só aumenta a dependência. A utilização de drogas contra disfunção erétil na indústria pornô excede muito a média de utilização entre os jovens em geral.)

A história de Wylde pode parecer extrema, mas o uso dessas drogas em excesso do que recomenda a receita médica é o padrão na indústria dos filmes adultos. “Que eu saiba, há apenas dois atores que eu acredito que realmente não tomam esses remédios”, estima Wylde. “Tenho quase certeza que todos os outros tomam. Eu diria até que a maior parte deles toma os remédios todas as cenas.” Às vezes quem fornece as drogas são os produtores ou diretores dos filmes. Na verdade, em 2012 um contra-regra processou a Adult Entertainment Broadcast Network, alegando que foi forçado a injetar Trimix nos pênis dos atores apesar de suas objeções contra administrar drogas em pessoas sem prescrição médica.

Em despeito da prevalência das drogas contra disfunção erétil nessa indústria, são poucos os atores que estão dispostos a falar abertamente sobre isso. Quando eu perguntei a um ator famoso (que prefere se manter anônimo) se ele já havia visto outros atores tomar essas drogas no set de filmagem, ele disse “Os atores não tomam esses negócios perto de outros atores, você devia saber. Que macho quer admitir que não é um garanhão sexual naturalmente?”. Quanto a seus próprios hábitos, ele admite “Eu costumo tomar meio Viagra se eu tenho duas cenas no mesmo dia, para dar uma forcinha. O lema é ‘não vai te machucar, só vai te ajudar’.”

O problema é que às vezes o abuso vai te machucar. Alguns anos atrás, o premiado diretor de filmes pornôs Axel Braun teve que despachar um ator famoso para o hospital. Eles haviam encerrado a filmagem de uma cena de sexo há poucas horas, e estavam aguardando para filmar algumas cenas de diálogo quando Braun percebeu que o astro ainda estava com uma ereção. “Ele estava pálido, e seu pau de 30 centímetros estava estourando através da calça.”  A ereção do ator persistiu por seis horas. Ele havia usado a droga injetável Caverject e acabou tendo que ter o sangue drenado de seu pênis no hospital. “Há apenas um punhado de caras em toda a indústria que não usa drogas contra disfunção erétil ,e mesmo assim, conseguem atuar no alto escalão”, confessa Braun.

O que aconteceu com o ator de Braun e com Wylde se chama priapismo. O dr. Richard Lee, um urologista do Centro de Saúde Masculina Iris Cantor, explica: “Imagine um torniquete em volta do seu dedo. Se você mantiver esse torniquete no dedo por muito tempo, você vai danificar os tecidos do dedo. Se você tiver episódios repetidos de priapismo, daí, realmente, você vai ter problemas.” Mas ele pondera que, em situações normais, as medicações contra disfunção erétil são “bastante seguras” e que, se usadas como se deve, “as pessoas deveriam ser capazes de utilizá-las indefinidamente”.

Mas, por definição, o uso feito por atores pornôs não é como se deve, até porque, para começar, a maioria deles não sofre de disfunção erétil. Além disso, as pressões do sexo profissional podem levar ao uso exagerado. Há muitas coisas que dependem dessas ereções, aponta a diretora de filmes pornôs Joanna Angel. “Literalmente cinquenta mil dólares em produção podem ir para o ralo se o pau não ficar duro”, estima. “Se eles não conseguirem atuar, isso não vai acabar só com o dia deles, vai acabar com o trabalho de todos no set de filmagem.” E os atores não têm apenas que serem capazes de conseguir uma ereção, eles às vezes têm que mantê-las, ou fazê-las surgir e desaparecer repetidas vezes, ao longo de três horas, conta.

Wylde afirma que não há nada natural no que se exige dos atores pornôs. “Se seu único trabalho é ter uma ereção e mandar ver logo para que todos consigam chegar em casa na hora”, reclama, “você tem que ser uma máquina” – ou um humano medicado. Nisso atuar em filmes pornôs é como ser um atleta profissional, um ramo de atividade amplamente ligado ao abuso de drogas. “É só ver o que acontece no UFC, no futebol americano, no basquete. Olha os levantadores de peso”, ele aponta. “Ninguém é natural. Aquilo tudo é resultado de esteroides e outras drogas que melhoram o desempenho.” A verdade, alerta, é que sem o auxílio das drogas contra disfunção erétil  “o ator simplesmente vai ser péssimo – a não ser que seja um mutante.”

Além da resistência necessária para a função, há também o problema ocasional da falta de sensualidade do sexo. “Duvido que a maioria dos homens já passaram pela situação em que basicamente você encontra alguém e, em seguida, tem que manter uma relação sexual com essa pessoa sem sentir qualquer atração e, talvez, sem ela ter qualquer interesse por você”, ele continua.

É raro alguém se tornar fisicamente viciado em drogas para disfunção erétil, lembra o Dr. Lee, mas Wylde está convencido de que ele era, ao menos, psicologicamente dependente. Sua relação de atração e aversão às drogas remete ao comportamento dos dependentes. Ele usou Bimix por alguns meses e daí foi parar no hospital pela primeira vez, o que fez com que deixasse de utilizá-la por vários anos. Mas então, ele diz, “eu fiz uso dela em várias ocasiões em que eu estava apenas me sentindo estressado e estava tendo dificuldade em realizar meu trabalho”, lembra. “Eu voltei a utilizá-las, e passei então a ter essas ereções que não acabavam nunca depois das gravações, o que me assustava. Eu tentava abandoná-las, e conseguia por alguns meses, até um ano. No final, no último ano ou dois, eu usava só Cialis, mas com maior frequência, e mais comprimidos por cena.”

Hoje, um ano depois daquela visita trágica ao hospital, Wylde está até feliz que ela aconteceu, porque o forçou a entrar no ramo de produção e edição. Também revitalizou sua vida sexual. “Eu tive a sorte de ter uma parceira que continuou comigo por todo esse processo, e reacendeu minha vida sexual sem o uso dessas drogas”, comemora. “Está tudo ótimo agora. Está tudo funcionando, o que é bem bom.” Apesar do que passou, Wylde não guarda ressentimentos contra a indústria pornô, que agora o emprega por trás das câmeras. “As pessoas me perguntam se eu acho que isso é um problema, se eu sou contra o uso das drogas contra disfunção erétil. Minha resposta é não. A razão é que eu acho que a maior parte das pessoas não devia entrar nessa de fazer filmes pornôs. Não é como as pessoas imaginam.”

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal: