Lea Delaria: “Temos que parar de tentar imitar os héteros cuzões”

A Big Boo do seriado “Orange Is The New Black” critica quem quer “normalizar” os gays e celebra o poder da comédia em entrevista exclusiva

por Marcio Caparica

Antes de se tornar conhecida pelo mundo todo ao interpretar Big Boo no seriado Orange Is The New Black, Lea Delaria já tinha um currículo respeitadíssimo no showbiz e no ativismo LGBT. Quando participou em 1993 do The Arsenio Hall Show, ela se tornou primeira comediante de stand-up a  se apresentar abertamente como sapatão na rede nacional americana. O termo é “sapatão” mesmo: “I’m a big dyke” (“eu sou uma sapatão enorme!”), dizia ela durante seu número.

Além de atuar na comédia, Lea também já participou de vários musicais e peças de teatro na Broadway, gravou alguns discos de jazz, e fez pontas em seriados de TV. Mas foi mesmo com o seriado da Netflix que o grande público aprendeu seu nome. O uso que sua personagem dá para uma chave de fenda ficou célebre: “as pessoas me abordam na rua e pedem para que eu autografe chaves de fenda! Eu sempre me pergunto, será que o povo fica andando com chaves de fenda no bolso para o caso de cruzarem comigo por aí?”, ela ri.

Lea celebra seu lado caminhoneira (tem “BUTCH”, o termo em inglês para as lésbicas masculinas, tatuado no antebraço). Com gel no cabelo, camiseta pólo, calça de couro e muito bom humor, ela recebeu o LADO BI na última sexta-feira para uma entrevista, que você pode assistir e ler abaixo.

LADO BI – Você está ansiosa para participar da Parada Gay de São Paulo?

LEA DELARIA – Sim, estou muito ansiosa. Eu já estive em muitas Paradas Gays pelo mundo. E vi fotos e vídeos desta parada e parece que é a maior festa do gênero no planeta! Por isso estou muito animada por estar aqui… Quando conferi meu itinerário, descobri que tinham planejado que eu ficasse apenas duas horas na Parada. Eu falei: “Vocês estão me tirando? Quero ver a parada inteirinha, cada aspecto dela!”.

E você preparou algum discurso para quem estiver lá?

“Garotas, cheguem mais!” Este é meu discurso.

Você conhece os problemas que a comunidade LGBT enfrenta no Brasil nos dias de hoje?

Não, não muito, mas suponho que sejam os mesmos que em outros países. Tenho certeza de que há discriminação, rejeição familiar, reacionarismo religioso. Se podemos dizer uma coisa sobre os gays é que somos uma comunidade mundial. E enfrentamos os mesmos problemas por todo mundo. Deveríamos tentar ao máximo não colocar barreiras entre nós. Os gays do Brasil são meus irmãos e irmãs.

O que você acha das críticas que as Paradas Gays do mundo têm recebido hoje em dia acerca da superexposição de corpos e de sexo? Há muitos gays que não querem se envolver com a parada porque eles acham que tudo se resume a sexo e exibir seu corpo…

Eu odeio quem pensa assim. Posso dizer que eu odeio essas pessoas com todas as letras. A maiore reclamação que ouço sobre as paradas gays ao redor do mundo é que elas estão tomadas por esse tipo de gays. Gays sem autoestima, cheios de homofobia internalizada e com uma pretensão de assimilação pela classe média. Perdemos o caráter político das paradas. Tem sempre uma bichinha reclamona dizendo: “Nós somos como todo mundo. Nós somos iguais aos héteros. Somos como qualquer outra pessoa!” E logo em seguida passa do lado dela uma drag queen de dois metros de altura, calçando saltos plataforma gigantescas, abrindo as asas de borboleta que ela tem nas costas… Entende o que eu quero dizer? Nós não somos como todo mundo. Nós somos pessoas com particularidades, temos nosso jeito de fazer as coisas, e temos nossa própria cultura. Devemos celebrá-la no dia do orgulho gay e parar de tentar imitar os héteros cuzões!

Lea Delaria como Big Boo em Orange Is The New Black.

Lea Delaria como Big Boo em Orange Is The New Black.

Você acha que as “caminhoneiras” enfrentam mais preconceito que as “pintosas”?

Acho que ambos enfrentam o mesmo tipo de merda. Você está se referindo às chamadas sapatas caminhoneiras e às bichinhas pintosas, certo? Novamente, isso vem do que a gente estava discutindo agora: essa necessidade de assimilação pela classe média. É como se as caminhoneiras e as pintosas fossem algo feio. Eles querem nos jogar para fora da comunidade. Mas se não fossem as caminhoneiras e as pintosas, não teria havido o Stonewall. Foram eles que começaram o movimento. Essa é a verdade. E nós somos uma grande parcela dessa comunidade. Estamos esquecendo da nossa história, e quando isto acontece, todos se complicam…

Há muita homofobia dentro da comunidade LGBT, certo?

Sem sombra de dúvida! Muita homofobia internalizada. Eu sou a primeira a chamar esse assunto para o debate. Eu não gosto nada disso. Aliás, eu tenho um espetáculo de stand-up chamado The Last Butch Standing [“A Última das Caminhoneiras”, em tradução livre], que aborda todas essas questões. Oh, yeah! Não se encontram mais caminhoneiras por aí!

A comédia é um jeito de conectar gays e heteros?

Totalmente! Todo movimento político através dos tempos tem um movimento cultural inerente a ele, e a comédia é parte desse movimento cultural. Afroamericanos, judeus, nativos americanos, todo mundo, hippies, feministas… Sempre há comédia junto a esses movimentos. E o legal da comédia é: as pessoas adoram rir. É o que eu chamo do método da colher de açúcar: você faz as pessoas rirem, e daí joga a política na cara deles. E assim você muda a mente das pessoas. Espero que isso funcione mesmo, senão eu desperdicei os últimos 30 anos da minha vida!

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

2 comentários

Fab

Vi no seu fb alguém perguntando sobre a expressão, é “nelly queen”.

James Cimino

Ah, muito obrigado, você sabe a origem desse termo?

Comments are closed.