Nesse último sábado, uma garotinha chamada Umma Azul foi batizada na cidade argentina de Córdoba, a 700 km de Buenos Aires. Ela é filha de um casal de lésbicas. A madrinha da garota? A presidente argentina Cristina Kirchner.
Gerada via inseminação artificial e nascida em 27 de janeiro, Umma é filha de Karina Villarroel e Soledad Ortiz, que fizeram o pedido para que Kirchner fosse a madrinha da garota via Facebook. Para sua surpresa, a presidente aceitou, e no dia do batismo enviou um representante para participar da cerimônia em seu lugar. O casamento igualitário está regulamentado na Argentina desde 2010, o que permitiu que a garota tenha carregue o sobrenome de ambas as mães.
O arcebispo Carlos Jose Nanez realizou o sacramento sem qualquer objeção, já que o cânone católico não faz qualquer referência quanto ao estado matrimonial dos pais do bebê, apenas requer que haja uma esperança fundamentada de que a criança será criada dentro da religião católica. As mães agora afirmam que vão lutar para conseguirem casar-se dentro da igreja também.
No outro lado do hemisfério sul, ontem, o filho do príncipe William e Kate Middleton teve seu primeiro encontro com crianças plebeias. No que também é a primeira viagem oficial de sua vida, George encontrou crianças de dez famílias neozelandesas – entre elas a filha de um casal gay. A pequena Isabella é filha de Jared e Ryan Mullen. A escolha não foi por acaso (nada que rodeia a realeza britânica é improvisado, né?). Eles foram escolhidos para representar o número crescente de famílias homoafetivas da Nova Zelândia, onde o casamento gay se tornou lei em 2013. A presidente da organização que promoveu o encontro declarou: “os pais vêm de todas as comunidades da Nova Zelândia, o que inclui os maoris, os samoanos, pessoas de descendência chinesa e casais gays. Nosso país é muito multicultural, e nós queríamos que o duque e a duquesa de Cambridge encontrassem pessoas de todos os perfis.”
Enquanto isso, aqui no nosso Planalto Central… A votação do Plano Nacional de Educação, que tem a intenção de estabelecer metas para a educação das crianças brasileiras para os próximos dez anos, está emperrada há três dias pela bancada evangélica. O projeto já tramita há quatro anos e propõe que se gaste 10% do PIB com a educação e que o analfabetismo seja erradicado, entre outras coisas. Como relata o jornal GGN:
O presidente da Assembleia de Deus e parlamentares que defendem os chamados direitos das minorias travaram, ao longo de quatro horas de sessão, um embate sobre questões de gênero. Feliciano sustentou que a redação do PNE (PL 8035/10) pode abrir caminho para que escolas de todo o País promovam lições acerca de opções sexuais. (…)
“A sociedade brasileira tem 88% da sua formação de pessoas que dizem acreditar em Deus dentro de uma opção cristã”, afirmou Feliciano. “Está sendo criada uma cisão em torno de um tema relevante para o país. O PNE tem que ser votado urgentemente, e não podemos esbarrar em uma palavrinha”, completou.
A “palavrinha” a qual Feliciano se refere, na verdade, é bandeira de inúmeros manifestantes que marcaram presença na sessão de votação do PNE. Tudo porque movimentos sociais esperam que a Câmara corriga o texto alterado pelo Senado.
Quando o Plano foi aprovado pela Câmara em 2012, a redação sustentava a superação de disparidades educacionais “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Os senadores mudaram o dispositivo e definiram que, na superação das desigualdades educacionais, teriam ênfase a “promoção da cidadania e a erradicação de todas as formas de discriminação”.
“Ideologia marxista”
Durante a sessão de terça, o deputado Luiz Fernando fez um discurso sobre ideologia de gênero, afirmando que esta é uma “ideologia marxista” que não pode entrar nas escolas. “O discurso de Luiz Fernando foi belíssimo. (…) O ser humano nasce um ser amorfo. Ele vai se descobrir homem ou mulher depois. Se isso é de foro íntimo, por que os educadores têm de intrometer nessa história?”, indagou Feliciano.
“Uma coisa é não promover o combate ao preconceito. Mas aqui diz o texto que é a promoção. Promoção é o que? Dizer que é normal ou bom? Isso é problemático, porque uma coisa é dizer que é normal, outra é dizer que é bom, e criarmos, no futuro, uma fábrica de pessoas amorfas”, finalizou o pastor.
Em defesa do PNE aprovado pela Câmara em 2012, o deputado Jean Wyllys (Psol) disse que “o Brasil é uma República e se caracteriza pela divisão, pelo menos formal, entre Estado e Igreja”. “Somos um Estado laico, e isso pressupõe que o Estado está protegido de influência de dogmas de qualquer religião”, pontuou.
Enquanto as figuras políticas importantes de outros países promovem a tolerância, a diversidade e o respeito, nossos representantes tentam tirar esses princípios de nossa legislação. E nossa presidente? Continua omissa, como sempre.
1. O PNE foi construído depois de um intenso e profundo debate que envolveu parlamentares e atores sociais REALMENTE engajados na Educação.
— Jean Wyllys (@jeanwyllys_real) April 9, 2014
2. Foram três anos de um trabalho árduo, mas democrático e responsável na construção de uma legislação consistente para a Educação.
— Jean Wyllys (@jeanwyllys_real) April 9, 2014
3. Após esses três anos de trabalho, PICARETAS fundamentalistas caem de pára-quedas e querem desconstruir o PNE ou impedir sua votação.
— Jean Wyllys (@jeanwyllys_real) April 9, 2014
4. Nosso sentimento – de nós que trabalhamos no PNE – é de profunda frustração com tamanha irresponsabilidade movida por fanatismo e cinismo
— Jean Wyllys (@jeanwyllys_real) April 9, 2014
São os ‘ares’ de Francisco, renovando a Igreja, acredito q a partir de agora novas possibilidades vão surgir com mais frequência.
Embora eu tenha uma certa dificuldade para entender um gay católico, é muito digno o que se passou na Argentina (tanto a presidente aceitando o convite, quanto o padre celebrando o batizado). Já por aqui… às vezes eu tendo a concordar com Odete Roitman: “Isso aqui é uma mistura de raças que não deu certo. É isso que é o Brasil”.
[…] Publicado pelo, Lado Bi. […]