As desventuras de ser gay e deficiente

O maior desafio de um cadeirante homossexual é conseguir fazer com que se enxergue a pessoa, não apenas a cadeira de rodas

por Marcio Caparica

Traduzido do post de Andrew Morrison-Gurza para o blog The Truth About Being Crippled

Ok, aqui está a questão: eu estou começando a pensar que é virtualmente impossível ter um primeiro encontro “normal”. (Quando eu digo normal, o que eu quero dizer é aquele tipo de encontro adolescente, ver um filminho e tomar um café depois – apesar dos encontros gays conseguirem hipersexualizar até isso, mas estou divagando).

Eu sei o que está se passando na sua cabeça: Andrew, você tem quase trinta anos, “namorinho adolescente”? Sério mesmo? OK, talvez isso seja o que se passa na minha cabeça conforme o encontro se aproxima. Mas enfim.

É virtualmente impossível ter um primeiro encontro “normal” quando você tem uma deficiência física. Sinceramente, eu estou começando a me conformar que o primeiro encontro de alguém com um nível de deficiência como o meu (com cadeira de rodas e tudo mais) será sempre um tipo de questionário médico.

Eu acabei de sair com um cara que eu conheci na internet. Ele parecia ser bem legal enquanto a gente teclava, e nós chegamos a conversar pelo Skype para evitar qualquer tipo de confusão. Estava tudo certo entre eu e o cara. Quando nós nos encontramos, juro por Deus, a primeira coisa que ele me disse foi “Então, você tem uma enfermeira que cuida de você?”. Não há ereção que resista. Eu deixei passar, e a conversa evoluiu para a seguinte pergunta, constrangida e constrangedora: “Alguém limpa você, certo?”. Puta. Queo. Pariu. Talvez o carinha fosse apenas um escroto mesmo, mas a gama de perguntas relacionadas à deficiência física que eu já ouvi em encontros é enlouquecedora. Por que nós não podemos conversar sobre música, afinidades e discordâncias? Será que minha deficiência é tão alienígena assim que não sobra espaço para outro tipo de pergunta na mente dos caras que eu encontro? Isso não me magoa de verdade – rende assunto para um post engraçado no blog, como esse, afinal de contas. Principalmente quando eu contar para você que em seguida ele fez questão de me dizer que nunca tinha saído com um cara de cadeira de rodas antes. Eu jamais suspeitaria…

Parece que a gente precisa que exista um manual para sair com pessoas com deficiência. Existe o Ultimate Guide to Sex and Disability (Guia Definitivo para Sexo e Deficiência), mas eu sinto falta de um livro que cubra as coisas tragicamente engraçadas que não se devem dizer ou fazer quando se vai para um encontro com um deficiente. Vamos repassar algumas?

  1. “Eu nunca saí com um cadeirante.” OK, isso pode até ser verdade, e eu levo em consideração que você está tentando deixar claro que se preocupa com minha situação. Acontece que ficar me dizendo isso cansa. Isso coloca tanta pressão para que eu deixe de ser o Andrew – e passe a ser o aleijado com quem você está saindo. É meio como se alguém dissesse “Eu nunca saí com um negro antes…”. De cara parece racista, não é? Pode-se dizer o mesmo com relação ao deficiente: é discriminatório. Que tal, ao invés disso, me dizer que eu sou o primeiro Andrew Morrison-Gurza com quem você sai?
  2. “Você contratou uma enfermeira para tomar conta de você?” Por que/como é que essa é a primeira coisa que você solta quando me vê? Licença, vou deixar tudo bem claro: alguém que realiza cuidados pessoais  não é alguém que toma conta de mim. Quando a pessoa está na minha casa, ela é, essencialmente, uma extensão de mim. Eu pago meu aluguel. Eu compro minha comida. Eu faço isso tudo. Quando alguém vem limpar minha bunda, eu que comandei esse ato. Então, basicamente, sou eu quem está fazendo isso por meio da minha assistente, deu pra entender? Em segundo lugar, o preconceito médico implícito ao se perguntar se eu tenho uma enfermeira é simplesmente errado e demonstra falta de consideração. Ser deficiente não quer dizer que eu sou frágil ou tenho a saúde fraca – eu posso ficar doente, mas a deficiência não é a culpada disso. Além do mais, por que você perguntaria isso logo de cara?
  3. “Você toma banho?” A suposição aqui é, basicamente, que se eu fico sentado o tempo todo e não consigo andar, certamente em algum lugar a higiene fica em falta. Isso me provoca tantas reações. As pessoas com deficiência não são sujas. Sim, muitos de nós têm que tomar cuidados extras para nos mantermos limpos, mas supor que o cara não tem higiene, ainda mais durante o encontro? Faça-me o favor. Caso algum garotão esteja em dúvida, sim, eu tomo banho regularmente, e se você quiser me dar uma mãozinha no chuveiro meu número é 647…
  4. “Você consegue se masturbar?” Hein?! Como você vem até aqui, senta no meu sofá e fala uma merda dessas? Isso traz à tona questões de independência e autossuficiência sexual que são reais e profundas para as pessoas que têm deficiência. Eu fico muito feliz por conseguir me masturbar sim, mas há muitos de nós que não conseguem. Levando isso em consideração, essa pergunta é ofensiva; dá a entender que, já que você está predisposto a enxergar um cadeirante como alguém assexuado logo de cara, você tem algum tipo de licença superior que lhe dá permissão para fazer esse tipo de pergunta. O cara que estava no encontro comigo era indiano – e se eu perguntasse pra ele se ele manja do tudo do Kama Sutra? Gzus.

Estas são apenas algumas das coisas incríveis que aconteceram nesse encontro. POR FAVOR, simplesmente lembrem-se que, quando estão com uma pessoa com deficiência num contexto romântico/erótico, o deficiente está alimentando tantos temores quanto você. De um lado você está pensando “eu nunca saí com um cadeirante antes”; do outro eu estou pensando “eu nunca saí com alguém que estivesse TOTALMENTE confortável com minha deficiência”. Você: quem toma conta dele? Eu: será que ele me ajudaria se eu precisasse? Como é que eu pergunto isso?

Está vendo? Muitas vezes, nós estamos com tanto medo de vocês quanto vocês da gente (sem querer criar um conflito de “nós” contra “vocês”).

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21 comentários

katia da silveira machado

ola tudo bem, interessante esse tema em questão do deficiente e gey, muito bom, assuntos pertinentes que quase ninguém fala sobre o assunto, parabeniso vôceis, parabéns, há sou mãe de um cadeirante de 21 anos.

Denisson Marques

E se caso não haja uma comunidade, criemos uma horas. Não postei nada ainda, mas vamos postando aqui ó #deficientegay

Denisson Marques

Olá, sou publicitário formado após o acidente, sou cadeirante devido à uma lesão incompleta na medula e a já ouvi muita asneira de algumas pessoas curiosas também.
Gostei muito da matéria e quero dizer que sou cadeirante Bissexual convicto.
Tenho uma vida sexual ativa depois desses cinco anos, apesar das dificuldades de ereção,mas o tem funciona.
Nunca me senti inferior à ninguém, trabalho, sou professor, dirijo e moro sozinho.
Só não faço o que realmente não dá, em última instância. Quero trocar idéias com homens inteligentes, que não tenham vergonha de si mesmo e com forte auto estima. Pra conversarmos sobre o os empecilhos do presente e desafios do futuro. Forte abraço.

Cristiano

Meu sonho é conhecer um cadeirante e por ele me apaixonar. Amo a ideia de viver um amor com um cadeirante. Leio muito sobre o assunto. Já me apaixonei por um mais ele era comprometido e então ficou por isso mesmo. Se você é cadeirante e sério, pode mandar email. Eu não sou cadeirante, mais só me relacionaria com um.

Marcos Vinícius

Olá, adorei tudo o que vc escreveu, e sei bem qual é a sensação, sou gay e sou deficiente também, a minha deficiência é…como posso dizer “simples$ perto da sua…nasci com o tendão de uma perna mais curto que o da outra e por isso ando mancando…e também já ouvi cada coisa em encontros ou até mesmo na rua, atualmente levo de boa, mas antigamente eu me chateava….morria de medo de me assumir…mas graças a Deus esse medo passou, eu me assumi pra minha família e hoje bem comigo mesmo!

A única coisa que eu não entendi até hoje é pq as pessoas tem tanto receio de se envolver com um deficiente, algumas são preconceituosas mesmo eu sei….mas tem outras que não são mas mesmo assim ficam colocando empecilho no relacionamento com um deficiente….mas enfim, amei a sua história e suas dicas, continue assim!

E…se alguém quiser me conhecer me add no Face: Vinny Souza, ou no Skype: marcos.souza381

Igor silveira

Ola! Matéria bacana! Já tive a oportunidade de ficar com um cadeirante e foi algo tao “legal” que me deixou saudades. Hoje ele mora nos usa, eu não possuo nenhuma limitação e gostaria de conhecer alguem bacana, inteligente e sem preconceito consigo mesmo. Caso alguem queira trocar idéias… Skype: Mr. Higorcavalera.

Ton

Infelizmente, as pessoas nem pensam nem em adotar uma criança com deficiência, imagina se um dia eles iriam namorar com alguém assim.
Bem, eu já namorei até com garotas, acho que não existe limites quando amamos alguém.

Paulo

Matéria excelente!! Poderia ser melhor divulgado.
Sinceramente nunca conheci um gay com qualquer tipo de deficiência, talvez pelo medo em assumirem não sei.
Gostaria de trocar idéias e conhecer.
Parabéns pela iniciativa.
Abraços

Deivid Silva

Ola Paulo!!
Tudo bem? Você diz que gostaria de conhecer e trocar ideias, enfim. Tenho 23 anos e sou deficiente a pouco mais de três anos, sofri um AVC e perdi boa parte dos movimentos do lado esquerdo do corpo, enfim. Me identifiquei um pouco com a vida do Andrew, haha Bom se quiser bate um papo, meu email é este: deividgreenday17@hotmail.com
Até logo!!

Neto

Olá Deivid

Meu nome é Neto e também não tive oportunidade de ter amigos ou parceiro gay e cadeirante. Gostaria muito de te conhecer. O meu face é Francisco NNeto

Gabriel

Materia excelente mesmo.

Gostaria de saber se há algum grupo onde se possa conhecer pessoas assim.

Att

A. Silva

Gabriel, encontrou algum grupo onde possa conhecer pessoas deficientes? Eu gostaria de saber, pois sou deficiente não cadeirante. Muito difícil conseguir um parceiro pela deficiência, infelizmente.
Obrigado.
Abraços

JOSEPH

Ja namorei um cadeirante que não me deu valor, é algo super normal e namoraria outro de boa.

O erro de meu ex era querer o que eu podia dar ( coisas materiais) não o que eu era…

David

gente interesseira e foda e deficiente interesseiro + foda ainda….JOSEPH gostaria de te conhecer melhor se interessar mande uma resposta.

Jonathan David

Poderia ter um programa sobre o tema, ia ser de grande utilidade.

David

oi eu sou gay e cadeirante eu gostaria de saber como seria esse programa?

Danilo

Olá, boa tarde, meu nome é Danilo e gostaria de saber se existe algum grupo ou comunidade no facebook destinado ao tema acima: Gay deficiente, ou cadeirante!
Se tiver, me passem por favor, se não existir, criem uma pessoal!
Aguardo retorno!
Abraços!

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