PM avisa: vai ter que ter muita coragem para exercer seu direito democrático

O número desproporcional de policiais durante o Segundo Ato Contra a Copa deixa claro: a intenção não é proteger os protestos, mas evitá-los

por Marcio Caparica

Quando os helicópteros começaram a sobrevoar o meu bairro, comentei: “Já deve ter começado o protesto”.

Eu moro no centrão de São Paulo. Da janela do meu apartamento tenho um camarote de onde assistir a maioria das passeatas que vêm acontecendo no último ano. Várias vezes já desci até o térreo e corri alguns quarteirões para me juntar a um protesto que estava passando perto de casa.

Mas participar do Segundo Grande Ato em 2014 Contra a Copa não estava nos meus planos ontem. Havia uma lista de atividades bem mais alienadas na minha agenda para aquele sábado, admito. E também admito outra coisa: fiquei com medo.

Do oitavo andar, eu vi comboios de carros da Polícia Militar correrem com a sirene tocando até a Praça da República. Quatro, cinco, seis helicópteros rodeavam a praça. Não demorou muito, os sons de bomba começaram a chegar até minha casa. Aflito, ansioso, encontrei o link de alguma transmissão da Mídia Ninja, e acompanhei pelo computador o que pessoas com mais coragem do que eu transmitiam da área do protesto.

Vinte minutos depois, eu e meu namorado fomos até o metrô Anhangabaú, rumo à casa dele. No asfalto, a tensão era mais que palpável, era áspera. No cruzamento da São Luís com a Consolação, mais de dez PMs aguardavam parados no meio da rua. Esperando o quê? Vários outros se enfileiravam na Xavier de Toledo. Na entrada do metrô, outro bloco da polícia, preparado com escudos e capacetes, armava uma tocaia. Não há outro termo.

A tensão e a frustração de presenciar aquilo tudo e desviar, seguir rumo outros bairros mais seguros, onde a rotina continuava, me acompanharam pelas próximas horas. As notícias que começaram a chegar confirmavam as impressões que eu havia aglutinado com o que vi à distância: uma ação desproporcionada do governo, uma ostentação de força que não poderia dar outro resultado que não abusos de autoridade. E aumentando a frustração, constatar que tem muita gente, gente querida, que acha que isso é certo e que é assim que se deve proceder mesmo.

O namorado, presenciando meu desconsolo, tentava desarmar a bomba de nervos em que eu havia me tornado desde que aquele primeiro helicóptero surgiu no céu. “Você acha mesmo que faria alguma diferença você estar lá? Você acha que vale o risco? Você acha que vale a pena arriscar levar porrada, acabar com uma bala de borracha no olho, fugir de gás lacrimogêneo, para participar de um protesto?”

E foi nesse momento em que consegui compreender exatamente o que me afligia: constatar que estamos vivendo sob repressão.

A Polícia Militar se concentra no cruzamento da avenida São Luís com a rua da Consolação durate o Segundo Ato Contra a Copa.

A Polícia Militar se concentra no cruzamento da avenida São Luís com a rua da Consolação durate o Segundo Ato Contra a Copa.

Porque não havia dúvidas: a intenção de se mobilizar uma quantidade faraônica de PMs para cercar a praça onde se concentrava o protesto não era impedir a ação de “vândalos”, como gostam de apontar todas as reportagens sobre qualquer protesto desde junho do ano passado. O que se percebia no momento é que eles estavam literalmente  cercando a Praça da República – como viriam a cercar manifestantes mais tarde. A mensagem estava sendo transmitida como uma sirene: nós podemos dar porrada em todo mundo que está insistindo nessa história de protesto.

A polícia não estava lá para garantir a paz num ato democrático. Não estava lá para proteger a propriedade pública e privada de algum manifestante exaltado. Ela estava lá para tocar medo em quem participava do protesto. E, principalmente, tocar mais medo em quem não participava. O cerco militar tornava o ato impermeável a cidadãos que casualmente decidissem demonstrar seu desagrado contra a Copa e contra a farra com o dinheiro público vista nesses últimos anos todos. Se unir àquele protesto por uma hora, gritar palavras de ordem, ajudar a dar o recado, e depois seguir a vida (como já fiz várias vezes)? Impossível: entrar no ato era entrar conscientemente numa zona de guerra.

O maior sinal de que estamos sob repressão é que os temores – meus, do namorado, de tantos amigos e conhecidos – não vêm do que pode acontecer se você estiver no meio da muvuca e os black blocs começarem a botar pra quebrar. Bala de borracha, porrada de cassetete, gás lacrimogêneo, chave de braço: todas as ameaças à integridade física que devem ser consideradas ao se juntar a um ato como o de ontem vêm da polícia, que deveria proteger o cidadão.

A PM estima que houvesse 1000 manifestantes no ato ontem (provavelmente havia mais, mas vamos aceitar esses números). Desses, oficialmente 262 foram presos. Ou seja, detiveram mais de um quarto dos presentes. Difícil acreditar que um quarto das pessoas fossem perigosos agressores: a praça, que eu saiba, continuou inteira, se houve feridos, não foi por causa dos manifestantes. O que eles querem que você entenda: se você entrar num protesto, suas chances de acabar na cadeia são muito grandes.

Numa situação verdadeiramente democrática, protestar pode ser um ato de alegria. Graças aos nossos governantes, se tornou um ato de coragem. O que vi no sábado era uma tentativa hiperbólica de colocar uma mordaça naqueles que não estão satisfeitos com um governo que prioriza estádio às necessidades básicas do cidadão. Que dá mais importância a vidraças que a seres humanos. Que acha que os direitos humanos são negociáveis. Eu me recuso a calar e consentir. Vou fortalecer a minha coragem para participar do próximo.

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11 comentários

Helen

Nossa, parabéns pela análise.
Estive no protesto de sábado e em vários outros. Em termos de repressão, esse foi o PIOR de todos. Mas o que me alegra mesmo foi saber que ainda há pessoas que enxergam que o que a polícia faz nessas manifestações é absurdo. E indignados que ficam, resolvem aderir aos atos e a entender as causas.
Infelizmente, a grande maioria das pessoa apoiam a repressão, pois veem tudo pela TV e acha que os protestos não passam de baderna. Quem está lá, sabe que não é assim.
Algo podre acontece em nosso país, algumas pessoas acordaram. São estas que estão nas ruas desde junho.
Espero te ver lá no próximo ato!
Um abraço
Helen

Vanessa

Vem pra rua, Marcio! Com medo mesmo. (E um capacete, se tiver. E um óculos de proteção. E uma armadura. Heh)

Ângelo Elizario Zirbes

Capitão do mato é pau mandado do Estado parasita! A mesma PM que logo mais vai chorar as pitangas reclamando de baixo salário e péssimas condições de trabalho. É assim no país todo!

Luis Felipe R. Pinheiro

Se dúvidas que essa copa será mesmo a “copa das copas”. Mãe Dilma não erra. Pobres policiais (literalmente). Manda quem pode, obedece quem precisa.

Pedro Dias

Legal mesmo é ver o Segurança Pública de São Paulo super elogiar toda ação de ontem. Aproveito e endosso a campanha de vcs. Se gay não vota em Dilma, gays, lésbicas, travas, drags, crianças, idosos, mulheres, jovens, prostitutas, cachorros, macacos e tucanos não votam em Alckmin!!

Luis Felipe R. Pinheiro

E a gente achando que só a Venezuela e Ucrânia estão em crise… Democracia para inglês ver…

Maria do carmo

A polícia é do Alkmim e a Dilma é a culpada. Bando de desavisados. Até hoje não compreenderam com funciona uma República Federativa.

Antonio

Exato! Daqui a pouco vão pedir pro Haddad cancelar a Copa ou pro Marcelo Freixo abaixar as passagens. O mínimo de noção das estruturas de poder (um beijo pra Foucault) é necessário gente

Luis Felipe R. Pinheiro

Não ensinaram aos brasileiros quem foi Michel Foucault, mas também não precisou ensinar quem foi Pelé, Garrincha e cia. Este é o Brazil zil zil (regime democrático)…

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