Não há muita distância entre a Paulista e a Rússia

A violência da qual os gays russos são vítimas está apenas um degrau acima do que acontece aqui

por Marcio Caparica

Estamos em mais uma temporada de caça. O campo já é clássico e bem conhecido: a região entre a avenida Paulista e o centro de São Paulo. As presas são gays que fizeram dessa área seu local de convívio e lazer. Os caçadores são jovens no mínimo homofóbicos, muito provavelmente neonazistas. Apesar de não terem licença, não sentem muito constrangimento contra suas ações.

Isso porque não têm licença oficial, mas têm a licença de fato: o silêncio dos gays que são atacados, das testemunhas que acham melhor “não se meter”, dos policiais e cidadãos que culpam as vítimas (“quando você anda assim, tá pedindo pra apanhar”, “quem mandou cantar o cara?”), das autoridades que não fazem o que poderiam para impedir esse tipo de agressão.

Não é a primeira vez que isso acontece. Em 2010 e 2011 a selvageria também corria solta na região, com lampadadas sendo distribuídas sobre as cabeças de gays e héteros. Infelizmente não há porque pensar que essas atividades tenham dado trégua nos últimos anos: a única inconstância nesse assunto é o interesse da mídia, como relatou a revista Época:

“Homossexuais apanham quase toda noite, mas a maioria não presta queixa”, diz o delegado Renato Felisoni, do 5o DP. Agressões que nunca vêm a público estão na raiz da subnotificação – motivada, muitas vezes, pelo desejo da vítima de manter em sigilo sua orientação sexual. “Em outros casos, o gay já se convenceu de que ser tratado assim é normal”, diz Franco Reinaudo, coordenador da CDS. Há também quem não denuncie por medo da impunidade. Uma agressão sofrida em março de 2010 por J.M., de 38 anos, não seria registrada se o episódio das lâmpadas não tivesse chegado à TV. O executivo fora espancado por dois rapazes em frente ao clube Vegas, na Rua Augusta, e fez duas cirurgias para reconstruir os ossos da face, mas nada de denunciá-los. “Como não há um banco de dados dos agressores, minha denúncia ficaria na estatística”, diz. “Mudei de ideia ao reconhecer um deles no vídeo. O outro identifiquei na delegacia.”

Os assassinos de Bruno Borges Oliveira foram presos este sábado, dia 2. No dia seguinte, o biólogo Juliano Polidoro foi agredido na mesma região. O criminoso fugiu e certamente continuou rondando a área atrás de outros homossexuais em quem descontar seu ódio. O policiamento ostensivo que poderia evitar esse tipo de violência? Talvez estivesse se recuperando das ações contra perigosos blocos de Carnaval.

Nós sabemos o que acontece quando se dá esse tipo de licença para se agredir os gays. Acontece o que está acontecendo na Rússia.

Como o vídeo acima mostra, por lá a garantia da falta de qualquer tipo de reprovação faz com que os crimes sejam filmados e divulgados (para humilhar ainda mais as vítimas), e que os gays sejam considerados pouco mais que bichos. Bichos que merecem apanhar. Na escala de carinho, abaixo da cadelinha Laika.

Hoje, às 19h, na frente do McDonald’s da avenida Paulista, haverá um protesto contra o silêncio das grandes corporações com relação às leis homofóbicas russas. Promovido pela ONG All Out, ele também acontecerá em frente ao McDonald’s da avenida Rio Branco no Rio de Janeiro e em outras várias cidades do mundo. Pode parecer besteira, pode parecer inútil. Mas não é.

Quando a gente se organiza dessa maneira, a gente envia vários recados:

  1. não vamos aceitar esse tipo de violência de cabeça baixa, nem aqui, nem do outro lado do mundo;
  2. quem cala consente, quem patrocina incentiva, e não vamos eximir quem prestigia um país oficialmente homofóbico das responsabilidades desse apoio;
  3. você, que acha que a Rússia é um modelo a ser seguido, não vai encontrar aqui um caminho suave para sua intolerância;
  4. autoridades e políticos, a opinião pública não está do lado dos preconceituosos, então melhor ajustar suas atitudes de acordo se quiserem nossos votos.

Mas, além dos protestos, é importante seguir no ativismo do dia-a-dia: pode ser muito difícil para seu coraçãozinho adestrado, mas fique sem tomar Coca-Cola até que ela se posicione. Resista ao condicionamento dos McAromas e coma em outros lugares que não o McDonald’s (vai fazer bem para a sua saúde também). Deixe de usar Visa, vai fazer economia e doer no bolso deles ao invés do seu, para variar.

E, mais cotidianamente, não se esconda. As gangues contam com o medo da população para fazer suas ações covardes. Se virem algum crime, ajudem, defendam. Não deixem de fazer BO. E nas eleições, votem conscientemente. Como já dissemos antes, gay não vota em Dilma.

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4 comentários

Roberto

O ideal seria um protesto nas proximidades da Embaixada Russa. Mas o maior problema é conseguir politizar os próprios LGBTS que na maioria das vezes possuem outrois interesses do que lutar pelos seus direitos e se solidarizar com a situação insustentável que os russos vivem nesso momento.

Samuel Fortaleza

Eu moro em Fortaleza e fico triste com a entidade de defesa dos direitos homossexuais daqui, a Grab. Ninguém nunca ouve falar deles, fora da época da parada Gay. Eu frequento muito boates e pergunto, pq essas entidades não aparecem onde os gays estão? Seria o óbvio né? Mas cadê? Os gays podem ser muito mais unidos.

Robson

Li o depoimento de Juliano Polidoro na Época e é impressionante 1º a quantidade de compartilhamentos que a matéria têm; confortante saber que cada vez mais pessoas estão se conscientizando em relação a gravidade que é a homofobia 2º os comentários, como sempre, odiosos. Em sua maioria piadistas, tão caricaturais e sem noção que servem pra desfazer o próprio argumento lixo que usam pra esconder seu preconceito de que, no Brasil, não existe homofobia. Sabemos…

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