Como é ser gay na Nigéria

Num dos países mais homofóbicos do mundo, em que ser gay pode render 14 anos de prisão, viver abertamente é privilégio dos ricos

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo escrito por Connor Adams Sheets e publicado no International Business Times em 13 de setembro de 2013.

A vida na Nigéria, uma das nações mais homofóbicas do mundo, é uma luta constante para Adeola (pseudônimo), um homossexual não-assumido de classe baixa que vive na periferia de Abuja, a pequena capital no centro do país.

Adeola já foi xingado, ofendido e ostracizado por suposições quanto a sua sexualidade, então ele prefere esconder sua verdadeira personalidade por temer que sair do armário só lhe traria um abuso ainda mais forte.

Enquanto isso, em Victoria Island, uma parte luxuosa da cidade de Lagos, a grande e cada vez mais moderna metrópole na costa sudoeste da Nigéria, alguns nigerianos jovens e ricos conseguem viver sua vida quase abertamente, apesar da violenta homofobia que reina sobre quase todo o resto do país.

Para Adeola, um homem grande na faixa dos trinta anos que ganha um salário modesto trabalhando como cozinheiro num bufê em Abuja, é difícil imaginar uma vida com esse tipo de liberdade.

Adeola conta que se preocupa com a discriminação todas as vezes que cruza a porta de casa, especialmente desde que foi aprovada uma lei esse ano que, caso seja sancionada pelo presidente Goodluck Jonathan, tornará o mero ato de ser gay um crime passível de 14 anos de prisão.

“É muito difícil, porque todos te veem como um anormal”, reclama Adeola enquanto faz compras num shopping center cheio de gente em Abuja. “Tudo tem que ser segredo.”

Os temores de Adeola são corroborados pelas estatísticas: um estudo de 39 nações publicado pelo Pew Research Center em junho de 2013 considerou a Nigéria a nação que menos aceita os gays entre todas do estudo. Noventa e oito porcento dos entrevistados respondeu que a sociedade não deveria aceitar a homossexualidade, vencendo a ultraconservadora Jordânia por um ponto percentual.

Uma bolha de aceitação

Seis profissionais homossexuais de classe alta que se encontraram com nossa reportagem num restaurante em Victoria Island relatam que, por permanecerem a maior parte do tempo dentro dessa região mais tolerante, conseguem em grande parte evitar o estado de temor constante que assola Adeola. Ainda assim, eles, como todos os outros entrevistados para essa história, pediram para ser tratados por pseudônimos por causa das duras sanções que podem decorrer se forem identificados como gays pela imprensa.

“Eu tenho muita sorte de estar em Lagos porque estou cercado de pessoas que entendem esse tipo de coisa, que não se importam, que são muito cultas e não me julgam”, comemora Olawale, o proprietário de uma panificadora de alto padrão, entre um gole e outro de seu Long Island iced tea.

Fatima, uma administradora de conteúdo de Lagos, passou por uma experiência diferente dos demais. Apesar de ter crescido na metrópole, ela frequentou escolas particulares em Victoria Island e cresceu longe da miséria e do caos do interior. Depois de ter frequentado uma universidade em Londres, ela retornou para seu país natal e confessa ter ficado chocada ao visitar a casa de um amigo no interior de Lagos pela primeira vez. Esse foi seu primeiro encontro com o que os nativos chamam de “Nigéria real”.

Fatima não é propriamente gay – ela descreve sua sexualidade como “fluida” e diz estar aberta para se relacionar com homens e mulheres – mas na maior parte do tempo ela namora mulheres. Sua primeira experiência lésbica aconteceu quando tinha 18 anos e vivia em Londres, onde se apaixonou por uma garota de Trinidad: “pele linda, cabelo lindo, muito bonita, excelente cozinheira”.

O relacionamento não deu certo, mas tornou-se óbvio para ela que sua sexualidade não cabia totalmente na caixa “heterossexual”. Com o passar dos anos, ela tentou várias vezes conversar com seus pais e irmãos sobre seus relacionamentos, mas descobriu que eles não estão dispostos a falar abertamente sobre sua orientação sexual ou vida amorosa.

“Acho que é mais fácil conviver com os amigos, com a família é mais difícil. Eu não sou muito íntima de minha família por causa disso”, ela admite. “Não é que eles tenham me maltratado, mas por medo de que eles venham a me maltratar. Tenho amigos que foram expulsos de casa pelos pais ou foram deserdados porque contaram que são gays.”

Criminalização da homossexualidade

Faz muito tempo que ser gay na Nigéria significa se esconder nas sombras da sociedade, mas o medo e a ansiedade da maior parte da comunidade gay do país se acentuaram desde 30 de maio de 2013, quando o senado nigeriano aprovou uma lei que tornou o simples ato de ser homossexual um crime passível de ser punido com até 14 anos de prisão.

O presidente Jonathan ainda não vetou nem sancionou a lei  – que já foi aprovada pelo congresso nigeriano – nem deu sinais claros de qual lado ele vai tomar nessa medida controversa (UPDATE: em janeiro de 2014 a lei foi sancionada).

A lei, que também propõe restrições legais ao casamento homoafetivo, na verdade é branda quando comparada com o que os gays do norte da nação têm que lidar. Essa região é dominada pela sharia, a lei islâmica, que determina que a homossexualidade é uma ofensa capital punível por linchamento.

Mesmo ainda não fazendo oficialmente parte da legislação, a medida já tem efeitos assustadores na vida gay da Nigéria, alerta Aisha, uma lésbica amiga de Fatima.

“Antes da lei o que acontecia era que todos fingiam que não viam”, lembra-se Aisha. “Não era algo visto com bons olhos. Mas era tolerado desde que não fosse escancarado.” Mas agora, ela diz, há uma crença generalizada, apesar de prematura, de que ser gay “é ilegal e passível de punição” com mais de uma dúzia de anos atrás das grades, o que intimida ainda mais a população LGBT do país.

Apesar de Fatima considerar Abuja a “central gay da Nigéria”, o lugar em que ela diz ser capaz de ir e “sair com uma garota, ou várias garotas, num único final de semana”, esse lado da vida gay não está ao alcance de muitos homossexuais que residem na capital mas não têm seu poder aquisitivo.

Adeola revela que, por conta da discriminação que sofre em Abuja, ele tem que usar canais clandestinos e o boca-a-boca para encontrar outros homossexuais com os quais pode conviver e se envolver. “É uma questão de networking. Alguém que você sabe que é gay te apresenta para alguém que também é, que te apresenta para outra pessoa que também é, e daí por diante.”

Isso não impede que Adeola tenha sofrido ameças repetidas vezes. “Já me xingaram muito, mas nunca sofri violência. Me tratam por nomes femininos. Por exemplo, se o seu nome é Oliver, vão te chamar de Olivia”, ele explica.

Kingsley, um amigo heterossexual de Adeola que já presenciou pessoalmente a discriminação de outras pessoas em Abuja e arredores por causa da homofobia, lamenta que esse tipo de reação é muito comum na Nigéria. Mesmo não sendo gay, ele não quis que fosse utilizado seu nome real porque ele convive com gays.

“Há pessoas como eu que os aceitam, mas também há muitas pessoas que, depois de descobrirem que alguém é gay, se recusam a ter qualquer tipo de contato”, Kingsley explicou enquanto conversava dentro de seu sedan, atravessando um dos infames e lentos engarrafamentos de Lagos. “Acontece muito xingamento. Tiram sarro da pessoa, dizendo coisas tipo ‘esse cara é viado’, coisa assim, ‘bichona’.”

Segundo Kingsley, o medo de ser atormentado por sua sexualidade se infiltra até na vida social de seus amigos gays. “Eles não andam em grupos, preferem não se misturar com outros gays, porque não querem que as pessoas tenham motivo para dizer ‘aqueles caras são gays'”, conta.

Medo do desconhecido

Por ter uma noção desenvolvida das várias nuances da sexualidade humana, Kingsley é uma raridade entre os heterossexuais nigerianos, principalmente por ter escolhido compreender e aceitar a comunidade gay ao invés de zombar dela por ser diferente.

Grande parte dos nigerianos tira sua intolerância à homossexualidade de tradições culturais e religiosas, que vêm desde ensinamentos de cristãos e islâmicos fundamentalistas até normas tribais com séculos de idade. Mas mesmo alguns nigerianos altamente instruídos, razoavelmente laicos, e progressistas em outras questões simplesmente consideram a homossexualidade algo transgressor ou contra a natureza, e portanto negam-se a aceitá-la.

Azu é um exemplo típico. Ela é uma empresária de Lagos, viajada e rica, que simplesmente não acredita que uma pessoa possa nascer gay. “Toda mulher e todo homem nascem para sentir atração pelo sexo oposto, mas sei lá, se de repente houver algum tipo de alteração no cérebro [dos gays], deve haver alguma razão”, ela especulou enquanto tomava alguns drinks. “Ser gay é algo que se desenvolve mais tarde na vida, e podem até não acreditar, mas todas as meninas sentem atração por homens enquanto estão crescendo.”

Azu diz que já teve vários amigos gays ao longo da vida e que tem alguns ainda hoje, mas descreve os gays com termos condescendentes que deixam clara sua opinião sobre a orientação sexual dos amigos.

“Eu não conheço muitos gays, mas acho que entre homens isso é mais esquisito que entre mulheres. É difícil compreender por que um homem quer agir como mulher… Com os gays é um pouco mais esquisito quando eles desmunhecam ou o jeito que eles comem”, ela afirma. “Eu tinha um amigo gay que usava cinco vezes mais maquiagem que eu, mas eu gostava dele porque era como se ele fosse um cachorrinho de estimação.”

Aisha aponta que muitas vezes as pessoas questionam sua “decisão” de ser gay, e acredita que suas atitudes são decorrentes de uma incompreensão absoluta sobre a natureza da homossexualidade. Ela conta como ficou extremamente abalada quando um colega numa repartição pública em que que trabalha e que não sabe de sua sexualidade afirmou, durante uma discussão, que “gays deveriam ser exterminados”. Comentários assim violentos são raros em seu mundo, no entanto; a ignorância casual é muito mais comum.

“Um cara já disse para mim ‘Eu não me importo quando duas mulheres feias ficam juntas, mas me incomoda quando duas garotas bonitas fazem isso'”, continua Aisha. “Muitas pessoas dizem que é uma ofensa pessoal se você não aceita o assédio de um homem, não importa se você é gay ou hétero, porque o pênis é uma dádiva de Deus para a humanidade.”

Esperança entre o desespero

A perseguição a nigerianos gays ainda leva à violência com frequência, especialmente nos estados mais rurais do país. Em janeiro quatro homens no estado de Imo foram presos, tiveram suas roupas arrancadas e tiveram que desfilar em via pública por suspeitas de que fossem homossexuais, reporta o site OnlineNigeria News. E em agosto, um homem do estado de Ogun foi espancado brutalmente por suposições de que fosse gay, como relata o mesmo site.

E as leis com o objetivo de criminalizar a homossexualidade e o casamento homoafetivo ameaçam codificar um novo paradigma de intimidação e marginalização ainda mais acentuadas para os gays do país.

Há no entanto alguns sinais de esperança para os nigerianos urbanos com poder aquisitivo, mesmo no meio de tanta discriminação e incompreensão.

Kingsley afirma que em Abuja “a situação está melhorando” já que as pessoas no centro urbano parecem estar menos preocupadas em perseguir gays. “Está tudo OK até as autoridades te pegarem na cama ou de pegação com alguém do mesmo sexo”, explica. “Só então que vão lhe criar problema. São poucos os indivíduos que realmente ficam incomodados ou descriminam contra homossexuais.”

Aisha aponta outra tendência animadora, de que Abuja e certas partes de Lagos podem ser muito mais seguras para gays com dinheiro que qualquer outro lugar do país, apesar de ainda existirem (e persistirem) limitações.

“Abuja é a capital gay da Nigéria para os jovens ricos, mas você não pode entrar no mercado totalmente fora do armário. Se fizer isso, você vai sofrer descriminação e vão agir contra você”, completa, lembrando ainda que em áreas mais distantes e isoladas do país “ainda há uma ignorância generalizada. Se você for até as áreas mais pobres, alguém vai colocar o ódio em prática.”

Há um pequeno, mas crescente, número de ativistas abertamente gays que expressam com regularidade seu apoio pelos direitos LGBT na Nigéria sem sofrerem com penas longas de prisão, apesar de ainda serem frequentemente assediados e atacados por darem suas opiniões abertamente.

Fatima considera que apesar de todos os desafios, a vida de um nigeriano homossexual pode ser quase normal para membros de sua classe econômica.

“Se você for independente economicamente, você pode viver bem sendo gay na Nigéria”, afirma. “Se eu chegar num restaurante e disser ‘Fica na sua, eu vou jantar com minha namorada’, ninguém vai responder ‘Quatorze anos de cela pra você já!’. O dinheiro pode tudo.”

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