O que os jovens gays não sabem (ou ignoram) sobre a epidemia de Aids

Jornalista da New Yorker faz relato sobre o que presenciou no início da epidemia e alerta jovens de hoje

por James Cimino

No dia mundial de combate à Aids, fizemos um programa extra em que médicos e enfermeiros do Emílio Ribas contam história de quando a epidemia ainda era incontrolável, pois não havia o coquetel de medicamentos antirretrovirais.

A nossa amiga Cynara Menezes, do blog Socialista Morena, também escreveu um post chamado “Meus Herois Morreram de Aids”, que conta um pouco da história de Cazuza e outros ídolos dos  anos 1980 e 1990 cujas vidas foram interrompidas bruscamente pelo vírus.

Mais um artigo que me chamou a atenção foi escrito pelo jornalista Michael Specter, da revista New Yorker, chamado “O que os jovens gays não sabem sobre a Aids”. Neste artigo, Michael faz um retrospecto sobre a epidemia e fala do quão comum tem se tornado a prática do sexo sem camisinha entre jovens, que acham que o coquetel é a grande solução para a infecção com o HIV.

Ele conta que costumava manter em sua mesa uma foto tirada na Castro Street, San Francisco, em 1983, que retratava uma cena que dava a ideia de que a vida gay naquela cidade terminaria para sempre.

Havia dois homens na foto: um deles era alto e estava empurrando o segundo em uma cadeira de rodas. Em torno do pouco que sobrou daquele fiapo de homem, havia um cobertor. Um amigo me deu aquela foto pouco antes de eu começar a fazer a cobertura sobre a epidemia de Aids para o ‘Washington Post’ com a seguinte mensagem. “Não se esqueça destas pessoas quando for escrever sua reportagem. Não se trata de de política, trata-se de seres humanos.” Meu amigo morreu alguns meses depois, cerca de três décadas atrás. Eu devo ter passado milhares de horas encarando aquela foto desde o ocorrido, tempo suficiente para memorizar a tristeza profunda nos olhos vazios daqueles dois homens.

Eu cobri guerras antes de a epidemia começar. As guerras são feias, doloridas e injustas, mas, para mim, nada definiu mais a palavra pavor do que o que eu senti ao andar pelos bairros de Castro, Village ou Dupont Circle no auge da epidemia de Aids. […] As pessoas nas ruas estavam morrendo. Castro estava repleta de homens de 30 e poucos anos que andavam, quando podiam, com bengalas ou apoiados nos braços de seus pouco mais saudáveis amantes ou amigos. Cadeiras de rodas enchiam as calçadas. San Francisco tinha se tornado uma cidade de cadáveres.

Em 2002, enquanto escrevia um perfil de Larry Kramer, o profeta sombrio da epidemia americana, eu falei com Tony Kusher, que recebera o Prêmio Pulitzer por sua brilhante peça “Angels in America”. Ele me contou o que aqueles dia lhe causaram. “Eu tinha começado a sair do armário e vida gay parecia tão excitante.” Mas, ele disse, assim que terminara de ler o chocante artigo de Kramer “1.112 e contando…”, que alertava os gays para encararem a catástrofe que se aproximava, Kushner percebeu que “estávamos confrontando uma genuína praga. Pessoas estava começando a cair mortas ao nosso redor e estávamos fingindo que não era nada sério.”

Em seguida, o artigo mostra números que comprovam que não apenas a epidemia não foi controlada, como tem aumentado. Um artigo do “New York Times” analisa uma pesquisa que demonstra que o número de jovens gays infectados com HIV tem crescido bastante nos Estados Unidos e que, entre 2005 e 2011, houve um aumento de 20% de pessoas, entre estes infectados, que aformam ter praticado sexo anal sem proteção.

Aqui no Brasil não é diferente. Além de o Ministério da Saúde ter revelado dados que indicam o aumento da infecção entre jovens gays. em uma recente matéria da Folha, um dado alarmante: 38% das pessoas não se lembram com quem ficaram na noite passada. E tudo isso corrobora com o que escrevi no artigo sobre o porquê de os americanos e europeus perguntam seu status de HIV e os brasileiros não: TODO MUNDO QUER TRANSAR SEM CAMISINHA E NÃO QUER NEM SABER DAS CONSEQUÊNCIAS, ENTRE GAYS E HETEROS. A diferença é que lá as pessoas tratam o assunto com mais clareza, enquanto aqui as pessoas ignoram.

O artigo da New Yorker pondera que a infecção por HIV tem uma dificuldade básica em ser controlada por tratar de sexo e desejo humanos. Mas, também, fala de um dado importante sobre as novas gerações. Elas não viram o horror da epidemia e estão descobrindo, inconscientemente, novas formas de espalhar a doença, por meio de uso e combinação de drogas, conforme já discutimos no Lado Bi nº2 – Drogas.

Outro dado que não aparece no artigo, mas que discutimos no Lado Bi nº8 – HIV, é que os gays usam o mapa de redução de riscos para manter relações sexuais sem preservativo. Por exemplo, como ativos têm menos chance de transmissão e como passivos soropostivos com carga viral indetectável têm menos chance de transmitir, muitos usam isso como justificativa para o sexo sem camisinha. Isso sem falar nos soropositivos que acham que podem transar com outros soropositivos sem camisinha, conforme discutimos no Lado Bi nº 34 – Camisinha, desta semana.

Fora isso, em se tratando de Estados Unidos, o artigo fala sobre a falta de investimento em políticas públicas de esclarecimento e educação de jovens, especialmente os negros e pobres, os mais vulneráveis à epidemia. Aqui no Brasil, Cynara Menezes fez mais uma reportagem mostrando como o lobby da bancada evangélica contra a informação e à prevenção tem trazido retrocesso ao debate sobre HIV e Aids.

O artigo termina com uma conclusão que todos deveriam levar em conta:

O que era verdade em 1983 pode muito bem se tornar verdade novamente. No artigo 1.112 e contando…, Kramer dizia: “Se esse artigo não te assustar nem um pouco, estaremos em sérios problemas. Se esse artigo não te despertar raiva, fúria, ódio e ação, gays podem não ter futuro nesta Terra Nossa existência depende em quão furioso você conseguir ficar. Se não lutarmos por nossas vidas, fatalmente morreremos.”

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10 comentários

Clube do carimbo: 30 fatos sobre HIV/Aids que não foram ao ar

[…] Acredito que essa negligencia da própria saúde está relacionada à minha fala na reportagem: a b… Um dos fatores que podem levar as pessoas a agirem assim pode ser a baixa autoestima, especialmente pela maneira como a sociedade trata os gays, criando inclusive uma sensação de revolta diante desse cenário. Alguns acreditam ainda que nunca serão infectados e sentem prazer em correr o risco de contrair o HIV, os chamados bug chasers. Outros fazem puramente por revolta por terem se descoberto em algum momento da vida HIV positivo e resolvem que, além de não se tratarem, vão também transmitir deliberadamente para outras pessoas. Lembro-me que, em 2013, eu acolhi um rapaz, ex-garoto de programa, que estava em depressão, e ele me confidenciou que perdeu a conta de quantos homens e mulheres infectou durante os três anos em que trabalhou como profissional do sexo. Ele inclusive vendia cocaína e outras drogas para seus clientes na intenção de deixá-los suscetíveis, e fazia o programa por um preço mais acessível justamente para atender o maior número de pessoas que conseguisse. Ele conseguiu convencer muitas delas a fazer sexo sem a camisinha, mas algumas delas, que quiseram fazer com, ele deu um jeito de rasgar o preservativo ou retirá-lo. Lembro-me de que o questionei do porquê disso e ele respondeu: “Botaram pra fuder comigo e eu retribui na mesma moeda e botei pra fuder geral.” O caso dele era extremamente delicado na época, porque além de HIV ele contraiu outras DSTs e estava bastante debilitado. Hoje ele faz terapia, sofre ainda de depressão, mas está bem melhor que antes e tenta a todo momento apagar da vida dele esse período. Segundo ele, vítimas que ele carimbou já até morreram e isso deixou ele muito mal. Ao contrário do rapaz que se diz “carimbador” na entrevista do Fantástico, ele tem, sim, não só drama de consciência, mas depressão por todo esse período da vida dele. […]

Mau

Um erro crucial: não existe apenas o risco de infecção por HIV em sexo sem proteção.E as outras DST’s? Sífilis, gonorréia e outras mais são doenças que se adquirem fazendo sexo sem proteção.

Welton Trindade

O teste para HIV feito com saliva e que será vendido a R$ 8 nas farmácias brasileiras pode mudar isso! Soronegativos poderão transar entre si com segurança (pelo menos contra o HIV).

Rafael Pinheiro

meu caro, não existe transar com segurança. o que há é um sentimento de segurança dado a palavra do outro. se quer segurança total, recomendo a castidade…

Rafael Barbosa

Pinheiro, quando você fala de castidade, está referindo a que? Sexo depois do casamento ou abstinência?

Marcela

Welton, para o vírus HIV, existe um “tempo”para ele se desenvolver no organismo, chamado de janela imunolóogica, que pode levar até 90 dias. Ou seja, não há possibilidade de uma pessoa se contaminar hoje, e o teste dar positivo hoje ou amanha. Por esse mesmo motivo, os testes para hiv são repetidos após 90 dias do primeiro teste, caso este tenha dado negativo. Em poucas palavras, o vírus leva até 90 dias para gerar uma resposta imulogica suficiente para positivar o teste. Portanto, a melhor e única maneira de não se infectar é usar o preservativo. Não há f’órmula mágica!

Carlos enrique

por que acha que soronegativo tem que trazer só com soro negativo? oque torna a pessoa soropossitivo diferente? uma pessoa soronegativo pode tranzar sim com uma pessoa soropositiva basta usar camisinha. tavendo ae seu preconceito , indiscretamente mais é.

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