Se tem alguém que pode falar com propriedade sobre o casamento igualitário na América Latina é o jornalista Bruno Bimbi. Argentino, ele fez parte da mobilização que em 2006 deu início ao movimento que acabaria com a aprovação do casamento entre homossexuais em seu país natal. Agora ele mora no Rio de Janeiro e, junto ao deputado Jean Wyllys, integra a luta para que o mesmo aconteça aqui no Brasil. Em 2010 publicou o livro Casamento Igualitário, em que conta os bastidores dessa conquista, e que agora sai em português pela editora Garamond. Confira a seguir sua entrevista exclusiva para o Lado Bi.
LADO BI – Resume para a gente como foi o processo para a aprovação do casamento igualitário na Argentina.
BRUNO BIMBI – Em 2007, a Federação Argentina LGBT (FALGBT) lançou uma campanha pelo casamento igualitário. Na época todos diziam que era impossível: a Argentina era um país muito conservador, com igreja Católica muito poderosa. Parecia que era loucura. A Federação ainda era um grupo minoritário no movimento gay do país – hoje ela já se tornou a principal organização LGBT na Argentina. Ela traçou uma estratégia em três frentes: o congresso (levando um projeto de lei para a Câmara dos Deputados e no Senado), ações de inconstitucionalidade na Justiça (um casal homossexual ia a um cartório e pedia para se casar; quando o pedido era negado, entrava com a ação) e uma campanha de divulgação e conscientização na mídia. Esse processo se estendeu até julho de 2010, quando o casamento igualitário foi aprovado. O que meu livro faz é tentar explicar como foi que em três anos e meio algo que parecia impossível se tornou realidade. Eu relato os bastidores dessa história toda.
Quando você conversou com a gente no Lado Bi do Casamento, apenas alguns estados brasileiros realizavam o casamento igualitário. O que você acha da situação atual do Brasil quanto a essa questão?
O que aconteceu no Brasil é que, em uma primeira fase, alguns juízes autorizaram casamentos entre homossexuais, depois alguns estados. O deputado Jean Wyllys entrou em contato com as corregedorias dos estados, vendo as posições dos juízes e promotores e tentando conseguir cada vez mais decisões estaduais. Quando já havia 13 estados mais DF com casamento igualitário, ele, o PSOL e a Arpen-RJ (Associação Nacional dos Registradors de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro) entraram com representação no Conselho Nacional de Justiça pedindo para que fosse regulamentado o casamento civil igualitário em todo o país, a qual foi aprovada pelo ministro Joaquim Barbosa. Então, na prática, o casamento está regulamentado por jurisprudência: todos podem ir ao cartório e se casar sem problema. O que falta é que o Congresso transforme isso numa lei, já que Código Civil diz que não pode. Se por alguma razão o Conselho Nacional de Justiça no futuro mudar de ideia, a situação pode mudar, mas é difícil, seria muito complicado desfazer os casamentos. O que o livro deixa claro é que, como na Argentina o casamento igualitário não foi uma decisão só do Judiciário, mas também uma decisão no Congresso, o noticiário e as manchetes dos jornais falavam disso diariamente entre novembro de 2009 a julho de 2010. E por consequência o assunto era debatido no supermercado, nas escolas, nas universidades, nos locais de trabalho… Houve um debate social profundo, que mudou foi a percepção das pessoas. O debate no Congresso é necessário pra isso, para que haja um debate na sociedade.
A presidente argentina Cristina Kirchner se declarou publicamente a favor do casamento igualitário. O que dizer da omissão da Dilma sobre essa questão?
É uma vergonha. A posição da Dilma é vergonhosa. Assim como mandar o exército e a Força Nacional para a rua para reprimir os protestos contra a privatização do pré-sal. A posição do PT é uma vergonha. Ontem eu me reuni com o Alckmin por pouco mais de meia hora, e durante nossa conversa eu disse para ele que é muito difícil para o público argentino entender como é que, no Brasil, tem lideranças nacionais como ele que são a favor do casamento igualitário, e a Dilma, que é mulher de esquerda e ex-presa política, é contra. Como é possível, o maior obstáculo para que a lei do casamento igualitário seja aprovada no Congresso é o PT e sua aliança com a máfia fundamentalista religiosa. A Comissão dos Direitos Humanos e Minorias (CDHM) aprovou o projeto de alteração da lei da discriminação, liberando os religiosos para agir de maneira discriminatória. Além de fundamentalistas, são burros. A lei que eles querem alterar é a lei do racismo. Não inclui a homossexualidade. Quando eles fazem essa alteração para isentar as igrejas, o que querem é permitir que se discrimine por cor, que se permita a um pastor dizer “na minha igreja não caso pessoas negras”. O PT fez um acordo político e colocou um pastor fundamentalista na presidência da CDHM. Na Argentina, Feliciano poderia até se tornar deputado, mas jamais sobreviveria como presidente dessa comissão.
Que mudanças você sente na sociedade argentina desde que o casamento gay passou lá em 2010? Será que é por isso que lá já se consegue ter um beijo gay em horário nobre?
Na verdade a Argentina teve o primeiro beijo gay em 1992, numa novela chamada Zona de Riesgo. Durante o debate no Congresso, outra novela que mostrou beijo e uma cena de sexo quase explícito. Agora a novela de maior audiência da televisão, Farsantes, lá tem um casal gay como protagonista e está fazendo um sucesso incrível. Houve uma mudança cultural muito grande. Milhares de pessoas saíram do armário no trabalho e na família para participar da discussão, pois não dava para ouvir os companheiros falando e ficar quieto. Essa visibilidade provocou uma mudança. Desde 2010 já houve mais de 7 mil casamentos. Ou seja, milhares de pessoas foram convidadas para as festas de casamento! A lei de identidade de gênero, aprovada dois anos depois, é a mais avançada do mundo, e foi aprovada por unanimidade. Isso seria inconcebível antes.
Dilma pode não ter dito ser contra o casamento igualitário, mas também nunca disse ser a favor. E não diz ou porque 1. é contra e tem medo de dizer, ou 2. porque é a favor mas tem medo de desagradar os evangélicos. Enquanto ela faz que não é com ela, os gays vão sendo discriminados. O apoio de um presidente faz diferença, tanto na legislação – como o Bimbi disse, o maior entrave no Congresso é o PT de Dilma – como na aceitação da população. Obama fez essa dancinha de fingir que não era com ele mas no fim se colocou a favor, e já gravou vídeos em apoio à população LGBT. Dilma se omite.
Quando foi perguntada pelos jornalistas, durante a campanha de 2010, ela fugiu da pergunta, disse que o casamento diz respeito à religião. A mesma resposta mentirosa que Serra e Marina deram. E seu governo é um dos mais homofóbicos da região, aliado ao fundamentalismo evangélico.
Reproduzo o comentário de Rafael Ferraresso, no site do casamento civil igualitário. “Cruel é esse mesmo chuchuzento do Alckmin ser um fascista no resto, quando não se alia a fascistas tudo, igual ao partido dele. Quem vive em São Paulo sabe o horror que a educação privatista de conhecimento banco de dados e o reacionarismo socioeconômico brutal da PM dele fizeram e ainda fazem. Tirando o esquema bilionário de corrupção velada com a Alstom e a Siemens que fez 12 Km de metrô em 20 anos de governo. Mídia ou apoio, é válido mas extremamente contraditório.”
Desculpe-me, esse texto é para fazer proselitismo partidário? Faça-me o favor! Eu nunca ouvi Dilma Roussef dizer que era contra o casamento civil igualitário. Devo lembrá-lo que foi o tucano José Serra que atuou de forma mais vergonhosa nas últimas eleições presidenciais, se aliando ao fundamentalismo religioso e criminalizando a mulher ao ser contra o aborto. Além disso, o governador Geraldo Alckimin diz que é a favor do casamento gay (algo consolidado pelo STF), mas nomeia e mantém o assessor pessoal que é liderança reacionária de extrema-direita e que reforça publicamente que o casamento homoafetivo é anti-natural. http://www1.folha.uol.com.br/… Bruno Bimbi, sugiro mais leituras. E digo isso com todo o respeito.
Ninguém aqui está interessado em fazer proselitismo partidário. Também não me comove que o Alckmin ou que qualquer outro político demonstre apoio ao casamento igualitário porque, a meu ver, isso não é mais que a obrigação deles. No entanto, eu concordo com Bruno Bimbi sim que a posição omissa de Dilma nesse debate e em outros (como o da chamada Bolsa Estupro) é vergonhoso sim. Ela é mulher e deveria ser a primeira a se posicionar claramente e enfrentar a bancada evangélica quanto a isso. E ponto final.
Proselitismo é o que você faz, e sem informação nem conhecimento do assunto. Ler, eu li muito. Aliás, escrevi um livro de 546 páginas sobre o tema, fui um dos responsáveis da vitoriosa campanha pelo casamento igualitário na Argentina e co-coordenador da campanha no Brasil, além de ter assessorado e ajudado a organizar a campanha no Equador e em outros países. Mas, respondendo à sua pergunta, tanto Dilma quanto Serra e Marina se posicionaram contra o casamento igualitário na campanha de 2010. Escrevi sobre isso naquela época (procure no Google: “O casamento gay e a omissão dos candidatos”). O único que se posicionou a favor foi o Plínio. Dilma encabeça um dos governos mais homofóbicos da América Latina. É indefensável. Com relação ao Alckmin, ele apoiou a campanha pelo casamento igualitário muito antes da decisão do CNJ, em declarações públicas, e como governador assinou leis contra a homofobia há anos. Eu não sou do PSDB, mas do PSOL, mas nem por isso vou deixar de reconhecer o que é justo. Essa luta é transversal e supra-partidária. Leia meu livro e verá que assim foi, também, na Argentina.