Traduzido do ensaio escrito por Miz Cracker para o site Slate.com
Um gay correndo atrás do amor na África Ocidental. Levando em conta minha fama de drag queen desbocada, meus amigos não acharam que seria uma boa ideia. Mas no começo de fevereiro eu ignorei tudo e fiz exatamente isso. Eu tirei férias do meu trabalho horrendo, coloquei os curvex para os cílios e os produtos de higiene íntima nas malas, e parti para encontrar meu boy em Dakar. Eu fiz o que pude para esquecer o que eu tinha ouvido sobre os recentes ataques contra gays no Senegal, em Camarões e na Nigéria; já era hora de eu viver a minha vida, caralho. Mas mesmo enquanto eu embarcava no avião, era inevitável pensar: será que uma bicha como eu – uma que usa um pouco de maquiagem mesmo quando não está montada – estaria segura no continente mais homofóbico da Terra?
Esta é uma questão que nunca havia me ocorrido até setembro do ano passado, quando eu encontrei Seydou* pela primeira vez. Eu estava a caminho da praia em Dakar, capital do Senegal, onde eu pretendia ficar secando os bofes, quando ele começou a caminhar a meu lado, daquele jeito que os homens fazem quando querem puxar conversa mole. Antes que você comece a ficar molhadinha, deixa eu já ir avisando que esse boy está longe de ser príncipe. Com seu corpinho de gafalhoto, ele era tão comum que era só eu virar a cara pro outro lado que eu não conseguia mais lembrar do rosto dele. Mas Dakar era uma cidade massacrante e solitária, e eu sou o tipo de garota que come qualquer coisa que jogarem no prato – então eu dei uma chance pro Seydou. E pronto. Uma semana depois, nós estávamos viajando oito horas de ônibus até Mali para encontrar os pais dele.
Nos meses que se seguiram eu me peguei num drama ainda maior que a minha vida amorosa. Seydou me pedia sempre para voltar para o Senegal e fazer planos, mas a África Ocidental condenava qualquer coisa gay. O presidente do Senegal, Macky Sall, já havia ido a público para defender as leis de seu país contra atos homossexuais durante uma visita do presidente Barack Obama em junho. Em janeiro de 2014, o presidente da Nigéria sancionou uma proibição das relações homossexuais, o que desencadeou uma onda de protestos. Dias antes da minha partida, um grupo de supostos homossexuais foi atacado em Rufisque, logo ao lado da cidade natal de Seydou. E essas são apenas algumas das muitas histórias de que eu ficava sabendo todas as manhãs enquanto tomava café.
Todo relacionamento à distância parece absurdo – mas este já começava a parecer perigoso. Minhas pessoas queridas começaram a dizer que estavam preocupadas. “E se ele tiver um acesso de culpa e matar você?”, indagou meu cabeleireiro. Meu amigo Mark interrompeu uma troca de e-mails sobre Tumblrs de putaria com uma matéria sobre um homem do Senegal que foi condenado a seis meses de prisão por realizar “atos contra a natureza”. E, com certa satisfação, meus colegas de trabalho vinham falar comigo sobre a última edição do African Sun Times. “A ÁFRICA REJEITA A HOMOSSEXUALIDADE”, dizia a capa. Assim, tudo em letras maiúsculas.
Mas essa manchete não refletia a África – ou pelo menos a pequena parte dela – que fez com que eu me apaixonasse por Seydou.
Durante o tempo que eu passei no Senegal, eu nunca senti medo por ser gay. Tá certo que o segurança do hotel me chamava de “madame”, mas ele dizia isso com um sorrisinho safado – e ele tinha bíceps lindos, então eu não me importava. Ao mesmo tempo, as linhas entre gay e hétero eram maravilhosamente difusas. Homens héteros se abraçavam em público! Os amigos héteros do Seydou passavam loção nas costas uns dos outros, encostavam a cabeça no colo uns dos outros pra tirar um cochilo, e se amontoavam à noite na hora de dormir. Depois que eles se acostumaram com a minha presença, eles começaram a ficar de mãos dadas comigo quando caminhávamos juntos. “Danga bax”, eles diziam, “você é boa”. Em Dakar eu presenciei homens heterossexuais usufruírem de um luxo a que poucos gays de Nova York jamais têm acesso: carinho entre dois homens.
Conforme eu refletia sobre essas experiências, eu parei de me concentrar na reputação da África Ocidental como o bastião da homofobia e comecei a analisar meu próprio país. Afinal de contas, os Estados Unidos ainda é muitas vezes um lugar hostil ao amor entre homens, e para a vida homossexual em geral. Apesar dos pronunciamentos do presidente Barack Obama no exterior a favor dos direitos LGBT, trinta e três estados ainda proíbem o casamento homoafetivo. A violência contra os gays está longe de ser raridade. Bem aqui em Nova York, em maio de 2013, um homem foi assassinado bem no meio do West Village depois de ser ofendido com termos homofóbicos. Até agosto 68 incidentes de agressão a gays haviam sido registrados em Nova York, um grande aumento do total de 54 em todo ano de 2012. Sendo uma drag queen, eu me senti particularmente afetada quando uma mulher transgênero foi espancada até a morte no meu bairro naquele mesmo mês. Eu tentei fazer pouco caso e continuei a ir trabalhar de salto alto. Mas deixei de tomar o trem e passei a pegar táxis. Por acaso, os táxis em que eu me sentia mais bem-vinda eram os clandestinos do Harlem – táxis conduzidos por homens da África Ocidental.
Logo antes de partir para o Dakar eu fui importunar Mamadou, um amigo que cresceu sendo gay em Senegal, para aplacar meus temores. Eu o encontrei no Adam Clayton Powell Boulevard, onde ele estava brincando com as sobrinhas, vestido com uma camisa cor-de-rosa. “Verdade, tem muita vida gay em Dakar”, ele disse, “você só tem que saber onde procurar.” Eu o pressionei para saber mais, mas percebi então os olhares nervosos de soslaio que ele dava para sua família. Ou pode ser que ele não queria ser visto no meio do Harlem junto de uma bicha. Eu tive que abandonar o assunto. Ao ir embora, eu me dei conta que havia apenas uma pessoa que poderia acabar com meus temores. Se eu queria vê-lo, eu teria que sair de casa, voar 4 mil milhas e aceitar os riscos.
Eu estou escrevendo isso no voo de volta a Nova York. Eu gostaria de poder dizer que me tornei uma expert sobre a vida gay da África Ocidental, mas a verdade é que eu estou ainda mais confusa. Durante minha ausência, um ativista por direitos LGBT foi preso em Camarões, uma multidão espancou mais de uma dúzia de gays com porretes e chicotes na Nigéria, e várias vezes me alertaram para que ficasse esperta quando saía à noite. Mas nas relações pessoais, eu era tratada com respeito por todos. Para falar a verdade, a única ocasião desagradável foi quando eu tive que explicar a condição dos gays norte-americanos para Seydou: ele pensava que os Estados Unidos eram um país em que os gays poderiam andar pelas ruas sem temer por sua segurança, e no qual o casamento gay era aceito com entusiasmo.
Nesse momento, enquanto Seydou espera que seu passaporte chegue pelo correio, eu não consigo evitar a dúvida: será que um gay como ele vai estar seguro no West Harlem?
* Os nomes usados nesse artigo são fictícios