Star Wars Os Últimos Jedis: Leia, Poe, Finn

O que mais falta para que Star Wars tenha um personagem gay?

Apesar de ser uma das franquias mais progressistas, Star Wars ainda mostra resistência contra personagens LGBT. Mas por quê?

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Peyton Thomas para o site Vanity Fair

Ao final da estreia mundial de Rogue One, a plateia aplaudia de pé. Mas Joshua Yehl permanecia sentado, soluçando com tanta força que seu corpo todo tremia. Por anos Yehl havia encarado as filas das estreias dos filmes da franquia Star Wars ao lado de seu melhor amigo, Drew Leinonen. Mas nesse ano, pela primeira vez, ele estava só. Seis meses antes, Leinonen havia sido baleado durante o ataque à boate Pulse, o clube gay em Orlando, e tornara-se uma das 49 vítimas de Omar Saddiqui Mateen.

Depois do massacre, Yehl fez uma petição para que a Lucasfilm criasse um personagem gay em Star Wars, em homenagem a Leinonen. #PutDrewInStarWars amealhou quase 12 mil assinaturas, ganhou o apoio de Mark Hamill, e conquistou cobertura na mídia global. Um jornalista convidou Yehl para a première de Rogue One – onde, apesar de estar “uma pilha de nervos”, Yehl conseguiu apresentar-se para Kathleen Kennedy, dirigente da Lucasfilm.

“Ela sabia que minha petição existia”, recorda-se Yehl. “Ela disse que consideraria colocar um personagem gay em Star Wars, se surgissem a história certa e o personagem certo.”

É algo que Kennedy já declarou antes. “O perfil dentro de nosso negócio não reflete o da sociedade, e com certeza não reflete o do nosso público”, afirmou em uma entrevista em 2013. “Deveria haver muitos, mas muito mais rostos não-caucasianos, muito mais mulheres, e muito mais pessoas homossexuais.”

Não há dúvida de que os novos filmes da franquia Star Wars conseguiu criar novos ícones para mulheres e pessoas não-caucasianas. Heróis diversos como Finn (interpretado por John Boyega), Poe Dameron (Oscar Isaac) e Rose Tico (Kelly Marie Tran) oferecem imensa validação para espectadores que raras vezes conseguem ver-se nas telas em personagens tão humanos. “Em 2015, eu ainda estava lidando com as complexidades de minha identidade trans”, afirma Alejandro, 18, um fã de Star Wars com ascendência colombiana. (Alejandro não é seu nome real; estamos utilizando um pseudônimo porque ele ainda não declarou sua identidade para toda sua família.) “Então eu descobri Poe Dameron. E encontrei o homem que eu gostaria de ser.”

E no entanto, apesar do clamor de Kennedy para que hajam “muito mais pessoas homossexuais”, até agora os filmes de Star Wars não apresentaram um mísero personagem LGBT, muito menos um casal homoafetivo. Desde 2015 os fãs queer da série fazem campanha para que aconteça um relacionamento romântico entre Poe e Finn – uma direção que conta com o apoio de Boyega, como ele já afirmou em uma entrevista de outubro de 2017. “O Oscar sempre olha para mim com amor, acho que os fãs repararam”, comentou o ator. “E em seguida eles perceberam que [o Poe] precisa deixar isso para lá, ou sair do armário.”

Mas, quando indagada se o próximo lançamento da franquia incluiria um envolvimento romântico entre Finn e Poe, Kennedy desconversou: “Discutimos essa possibilidade, mas acho que isso não vai estar presente em Os últimos Jedi“, que estreia no dia 15 de dezembro. (A Disney não quis fazer quaisquer outras declarações para essa reportagem.)

O escritor Chuck Wendig, autor de uma trilogia de romances da linha Star Wars, afirma que a Lucasfilm “apoiou sem quaisquer restrições” sua decisão de colocar personagens gays em suas histórias. “Mas já passou da hora de os filmes apresentarem personagens LGBT nas telas”, completa. Se isso não acontecer, acredita, “vai passar a impressão de que a representação LGBT está sendo excluída de propósito.”

Os comentários de Wendig revelam um dilema cultural mais amplo na cultura pop, que vai além do universo Star Wars. Personagens LGBT agora são algo corriqueiro nas prateleiras das livrarias e na televisão, mas o cinema mainstream oferece quase nada para os espectadores LGBT. Ou pior do que nada: personagens unidimensionais, que ganham poucos segundos na tela – quem se distrair nem os percebe. A comunidade LGBT já conquistou capital cultural e poder aquisitivo o suficiente para constarem no planejamento de marketing dos estúdios – mas não o bastante, parece, para merecerem narrativas dignas no grande circuito, a não ser que seja em algum lançamento ousado feito para ganhar prêmios, como Moonlight.

O jornalista Mark Harris atribui esse abismo às diferenças estruturais entre filmes, que são peças únicas, e a natureza seriada dos programas de televisão. “Se a missão dos ativistas é ‘somos queer, estamos aqui, melhor se acostumarem’, então a TV leva vantagem”, ponderou em um ensaio publicado no ano passado. “Ajudar as pessoas a ‘se acostumarem’ com as coisas é o superpoder desse meio de comunicação.”

Rob McElhenney, criador e protagonista da sitcom It’s Always Sunny in Philadelphia, comprovou recentemente a tese de Harris. No começo do ano seu personagem, Mac, finalmente declarou-se gay depois de 11 temporadas. Quando era criança, a mãe de McElhenney revelou que é lésbica. “Para mim foi tudo muito normal”, afirma – mas ele nunca havia visto sua família e vivências como a sua refletidas na cultura popular. Depois que a cena em que sai do armário foi ao ar, McElhenney recebeu uma enxurrada de mensagens de agradecimento, vindas de telespectadores LGBT. “Esse episódio”, considera, “bateu forte com muita gente.”

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It’s Always Sunny in Philadelphia é voltada para um público adulto, mas a teoria de Harris confirma-se com os mais variados gêneros e públicos. Séries de ficção científica e fantasia voltados para toda a família contam com uma vasta gama de personagens LGBT, e há tempo deixaram o grande circuito de cinema comendo poeira. Steven Universe, criado pela animadora bissexual Rebecca Sugar, abriga uma cornucópia de alienígenas coloridos e intrigantes. A Lenda de Korra chegou ao fim com uma cena em que a protagonista e sua namorada davam-se as mãos, ao som de violinos. E, apesar dos filmes da Marvel continuarem sem personagens LGBT, sua nova série, Runways, exibida no Hulu, apresentou uma adolescente lésbica com o poder de transformar-se num arco-íris.

Até mesmo Stranger Things, série que faz várias homenagens a Star Wars, aparentemente rejeita a heteronormatividade da cultura pop dos anos 1980 que a inspirou. A proposta original feita pelos irmãos Duffer  para a Netflix, publicada no site ScreenCraft no início do ano, descreve o sofrido Will Byers como “um garoto doce e sensível com questionamentos sobre sua identidade sexual”. Will ainda não declarou-se gay; afinal de contas, ele tem apenas 13 anos, e carece de qualquer tipo de apoio em seu mundo. Mesmo assim ele é apresentado com carinho e vê-se cercado de apoio. Quando um valentão o chama de “fadinha” na primeira temporada, por exemplo, Eleven utiliza seus poderes psiônicos para fazer o agressor mijar nas calças.

O modelo de Stranger Things, no entanto, foge do modelo de televisão tradicional descrito por Harris – todos seus episódios são liberados de uma só vez. Enquanto isso, as franquias cinematográficas cada vez mais copiam a estrutura criada pelo universo Marvel, inspirada pelos quadrinhos, que permite que as histórias desenrolem-se numa procissão sem fim de filmes interconectados.

Para as franquias, sempre aversas a riscos, esse modelo oferece um novo conjunto de ferramentas para que se acostume o público a uma gama mais diversa de personagens. “Estruturas como o Universo Cinemático Marvel têm a capacidade de incluir personagens LGBT mais organicamente que filmes solitários”, reflete Harris em uma entrevista. “Em tese, a chegada de um personagem LGBT não deveria acontecer como um evento excepcional.”

Esse tipo de lógica permitiu que a Marvel lançasse o Pantera Negra em Capitão América: Guerra Civil, e que a DC mostrasse a Mulher Maravilha pela primeira vez em Batman vs. Superman – A origem da justiça. Essa estratégia, no entanto, não está sendo utilizada para personagens LGBT – e muitos acreditam que isso seja culpa da censura internacional.

“Há bastante gente dentro da Lucasfilm que ficou sabendo da minha petição e querem que existam personagens LGBT nos filmes”, afirma Yehl. “Acontece que a Lucasfilm quer que seus filmes façam sucesso na China, onde a bilheteria sempre rende muitos dólares, e esse mercado é bastante hostil com pessoas queer.”

É verdade que os censores chineses são famosos por sua rigidez, e que o país como um todo não é dos mais amigáveis às pessoas LGBT. Mas em 2015 a China foi responsável por apenas 6% da renda mundial de O despertar da Força. O filme renderia 2 bilhões de dólares mesmo que não fosse jamais lançado na China – um total ultrapassado apenas por Avatar e Titanic. E, só para constar, Avatar obteve sua renda de 2,7 bilhões de dólares apesar de ter sido banido da China pouco depois de sua estreia – os líderes chineses temiam que a revolta alienígena da trama poderia instigar revoltas populares.

Nos últimos anos o governo chinês também impediu o lançamento de Deadpool, por suas cenas de nudez; Piratas do Caribe: o baú da morte, por exibir fantasmas; e Guerra Mundial Z, porque Brad Pitt foi, no passado, o protagonista de Sete anos no Tibet. Isso não impede que os grandes lançamentos de Hollywood incluam cenas de sexo ou brinquem com temas paranormais – e Pitt, que foi formalmente proibido de entrar na China e não pisou no país por 17 anos, obviamente não é considerado prejudicial para as bilheterias. Ainda assim os poderes de Hollywood utilizam a ameaça da censura estrangeira para justificar a exclusão constante e consistente de temas LGBT de seus filmes, apesar de haver inúmeras outras áreas em que a indústria cinematográfica peita a censura estrangeira sem medo.

“Se os personagens LGBT estão sendo mantidos fora das produções para agradar os governos estrangeiros”, lamenta Harris, “acho que seria totalmente legítimo que as pessoas procurassem esses estúdios e esses diretores e perguntassem ‘Quais são seus valores? Quem são vocês e por que vocês estã dispostos a nos vender?'”.

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Princesa Leia e Han Solo em cena de Star Wars

Ao longo de sua história, Star Wars investiu bastante na modernidade e na diversidade – desde a princesa Leia, uma contestação do estereótipo dos contos de fadas, intrépida, com armas nas mãos, ao grupo de lutadores multiculturais que garantem o colapso da Estrela da Morte em Rogue One. Depois que os espectadores criticaram o primeiro Star Wars por colocar um bando de protagonistas brancos para lutar contra um vilão negro, George Lucas criou Lando Calrissian, um herói de primeira linha dono de um arco moral de complexidade shakespeareana.

“Eu me recordo do meu pai me contando como, nos anos 1980, ele olhava para a TV e via Lando”, conta Benn Bennett, 18, uma fã lésbica de Star Wars. “E ele pensava, ‘está aí alguém que se parece comigo’.”

Kennedy sem dúvida compreende a importância vital de se dar aos fãs marginalizados a oportunidade de enxergarem-se em uma galáxia muito, muito distante. Já é um passo importante que ela esteja disposta a discutir abertamente a representatividade LGBT em uma franquia que, um dia, já ameaçou processar os autores de uma fanfic homoerótica com seus personagens. No entanto, apesar de a Lucasfilm já ter evoluído para ocupar um lugar de destaque no movimento da diversidade cinematográfica, incorporar um personagem gay ainda parece ser pedir demais.

Star Wars, para mim, trata-se de possibilidades ilimitadas”, acredita Moira (pseudônimo), 22, dona de um tumblr sobre Star Wars bastante popular. “Como lésbica, esse tipo de universo tem um apelo muito grande pelo escapismo que oferece das forças antiquadas da homofobia e da misoginia. Eu sempre senti que Star Wars poderia ser um lugar em que eu poderia ser quem eu quisesse, sem ter que pedir desculpas.”

Mais do que qualquer outra franquia, Star Wars encontra-se na posição ideal para apresentar heróis LGBT para uma nova geração de espectadores. A Lucasfilm pode preocupar-se com as consequências financeiras desse tipo de inclusão, e pode temer retaliações conservadoras. Mas como um sábio alienígena já disse, o medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio, e o ódio leva ao sofrimento. Ao celebrar a existência LGBT, Star Wars tem o poder de oferecer a seus fãs mais vulneráveis algo muito mais potente: esperança.

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2 comentários

Darth Vader

Star Wars “não” tem personagens gays?

Como se explica o amor “fraterno” entre os JEDIS?

E a relação pra lá de “subliminarmente” EXPLÍCITA entre Chirrut Imwe e Baze Malbus?

Esse povo tá “chorando” de “barriga cheia”, mesmo né?

Marcio Caparica

Mesmo que isso fosse verdade (suspeito que não seja – amor FRATERNO é FRATERNO), nada muda o fato de que os relacionamentos heterossexuais em Star Wars são claríssimos, enquanto qualquer sentimento homoafetivo é implícito. Relacionamentos implícitos não enchem a barriga de ninguém.

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