“Acho importante não ser neutro”, afirma a cantora e compositora Aíla. E se tem uma coisa que essa artista paraense radicada em São Paulo definitivamente não é, é neutra. Em seu segundo álbum, Em cada verso um contra-ataque, ela levanta discussões sobre algumas das principais questões sociais da atualidade, como sexualidade, identidade de gênero, racismo e assédio, não apenas saindo de cima do muro como também fazendo o possível para destruí-lo. E sem jamais perder o tom pop, capaz de fazer com que suas mensagens tomem conta das mentes de quem escuta suas canções.
“Sempre fui muito ativista, é um lado meu: fui presidente de centro acadêmico, ia para Brasília atrás de recursos para a universidade, me envolvia com questões políticas”. Aíla cresceu na periferia de Belém do Pará, no bairro de Terra Firme. Os planos de tornar-se diplomata ficaram de lado quando começou a apresentar-se na vida noturna de sua cidade e a música tomou conta de sua vida, em 2008. O repertório que amealhou junto de compositores do Norte ao longo dos primeiros anos de carreira foi a fonte das canções escolhidas para seu primeiro álbum, Trelelê, lançado em 2012. “É um disco de intérprete, muito com a cara do Pará, repleto de ritmos da região norte, bem romântico. Acho que foi importante apresentar um trabalho como esse no início.”
Confira a entrevista completa com Aíla
A mudança para São Paulo fez com que Aíla tomasse conhecimento dos movimentos sociais da maior cidade do país e encontrasse inspiração para criar suas próprias canções. “É importante um artista se posicionar. Existem vários movimentos importantes acontecendo agora, como o Mamilos Livres, Meu Primeiro Assédio… Quando me mudei para São Paulo, retomei a energia de ir para as ruas.” O assédio sexual cotidiano é o tema da faixa “#Nãovoucalar”: “Aqui o assédio é algo muito escancarado, é uma coisa meio nojenta, meio absurda, meio animalesca. É muito triste ver as mulheres que dependem desses serviços terem que passar por isso todos os dias.”
Casada com a artista plástica Roberta Carvalho, Aíla aponta a importância de não esconder a sexualidade. “Essa onda de não falar sobre as coisas, não dizer que é lésbica, é uma furada grande. Acho que é muito importante assumir meu cabelo crespo, me assumir lésbica, assumir a periferia de onde eu vim. Acho que essas realidades me fortaleceram para esse trabalho.” A parceria também se estende para a vida profissional: Roberta fez a direção de arte de Em cada verso um contra-ataque, e colaborou na faixa “Rápido”.
A questão da sexualidade também está presente na deliciosa faixa “Lesbigay”, parceria de Aíla com Dona Onete. “Dona Onete é a rainha do carimbó chamegado do Pará, uma grande compositora, uma mestra. Lançou seu primeiro álbum com mais de 70 anos. Eu propus que a gente fizesse uma música sobre sexualidade e ela topou sem titubear, com 78 anos é mais moderna que muita gente. O Lesbigay pode ser um bar, um reduto dos amores proibidos, mas também pode ser um estado de espírito, uma utopia que a gente queira que se torne realidade. Quem dera o Lesbigay pudesse ser qualquer lugar onde os amores sejam livres, sem se importar com o gênero.”
O racismo é outra preocupação da compositora. “Queria falar sobre isso nesse álbum, mas sou branca, não fazia sentido que eu compusesse algo sobre esse problema”, reconhece. A solução foi pedir ajuda para Chico César, que prontamente atendeu-a com a canção “Melanina”. “Espero que as pessoas entendam que eu gravei essa faixa porque as pessoas de todas as etnias precisam estarem juntas para lutar contra o racismo, assim como você não precisa ser gay para lutar contra a homofobia.”
Aíla não foge da política, pelo contrário. “A gente precisa é falar mais de política. Precisamos conscientizar o povo de que todos nós somos seres políticos. Todo dia a gente tem ações políticas: comprar um pão envolve imposto, envolve camadas trabalhistas.” E lamenta que muitas vezes LGBTs deixem as próprias demandas em segundo plano na hora de votar: “A questão LGBT é uma coisa básica. A igualdade é um direito básico, todo político tem que ter isso na pauta, seja ele LGBT ou não. É tão importante quanto saúde, educação e economia.”
“Quando eu subo no palco, eu me sinto mesmo entrando num combate, tentando trazer uma galera para combater junto comigo”, continua. “Isso me motiva muito, estar lá para tentar provocar algum tipo de transformação. Hoje eu tento provocar microrrevoluções com minha música: falar um pouco de gênero, falar um pouco de feminismo. E tentar falar de maneira pop, de repente essa mensagem chega.”