O grande barato dos festivais de música é a oportunidade de conhecer sons novos, e assim expandir seus horizontes. Quem vai lá para assistir ao show de um artista querido (ou dois) acaba esbarrando num palco com uma música interessante, e descobre um artista que até então lhe era desconhecido. Um festival bem feito acaba juntando tribos diferentes, que saem do evento com um conhecimento um pouco maior das outras tribos com quem não costuma conviver tanto.
A ideia, portanto, de realizar um festival de música LGBT não é apenas incrível, vai também totalmente de encontro com a proposta diversificadora dos bons festivais. Um espaço em que todos os segmentos da população queer (e até não-queer), acostumados a segregarem-se por conta própria, pudessem se reunir, assistir a performance de seus ídolos e de quebra entender por que alguns artistas agradam tanto as pessoas de letras que não são a sua dentro da sigla LGBT.
À primeira vista o Festival Preparadx, que acontece no dia 21 de maio em São Paulo, é a realização desse conceito. Ele se vende como “um evento de 14 horas com 4 palcos e mais de 30 DJs, que vão tocar diferentes ritmos para todos os gostos: POP, MPB e Eletrônico. Além disso, o Palco Principal será o cenário da apresentação de 4 Divas da música nacional e internacional: Daniela Mercury, Ludmilla, Valesca e Nalaya – que vem diretamente de Ibiza”. O evento propõe trazer “conteúdo e informação” por meio de um bate-papo com o pessoal do canal Pôe Na Roda sobre o tema “Como me assumir”, outro com os integrantes do canal Chá dos 5, e uma exposição fotográfica dos alunos da UNG intitulada “Entre no armário”. O festival também conta com performances de 8 drag queens.
Uma análise mais cuidadosa das atrações do festival, no entanto, revela um evento feito principalmente para gays – e um tipo bem específico de gay, diga-se de passagem -, deixando lésbicas, bissexuais e pessoas transgênero de escanteio. A começar pelas atrações do palco principal, composto exclusivamente de “divas”. Sim, Daniela Mercury está casada com uma mulher, e portanto é uma legítima representante da população LGBT. Não dá para negar, no entanto, que essas atrações visam agradar os gays que amam mulheres poderosas no palco – mas não fazem muita questão de assistir a performances de outros gays como eles próprios, por exemplo. Num momento em que a música brasileira está abalando as estruturas de gênero com artistas como Liniker, Lineker, Rico Dalasam e As Bahias e a Cozinha Mineira, apenas para citar os exemplos mais populares, é um lapso grave promover unicamente shows de divas. Quer alguém mais mainstream? Thiago Pethit está com música na trilha da novela das nove.
Dentre todas as atrações do “maior festival de música voltado para o público LGBT que São Paulo já viu” (até porque é o primeiro), não há nada explicitamente voltado para o gosto das lésbicas – apenas para ficar no clichê, não deve ser tão difícil bookar um show de Maria Gadú ou Ana Carolina, mesmo que num palco menor. A presença de artistas transgênero, então, é nula. Seguindo a linha do funk carioca (ritmo de metade das apresentações do palco principal), seriam bem-vindas artistas trans como Linn da Quebrada ou MC Xuxu. Mas não.
O LADO BI realizou por e-mail uma entrevista com a assessoria de imprensa do Festival Preparadx, e recebeu as seguintes respostas (reproduzidas abaixo sem qualquer edição):
LADO BI Muitos criticam toda a semana da Parada dizendo que o evento é muita festa e pouca política. Um festival como o Preparadx acaba confirmando isso?
PREPARADX A Preparadx não tem nenhuma relação direta com a Parada, inclusive não foi criado com os mesmos objetivos. O festival surgiu como a ideia de celebrar a diversidade e a vida. Não temos nenhum cunho político. A missão do Grupo TOP é criar experiências e trazer alegria para a vida das pessoas através do entretenimento. O festival surgiu com o intuito de abrir a Semana da Diversidade, fortalecendo ainda mais todos os negócios e iniciativas que ocorrem durante essa semana devido a Parada. Queremos que os turistas cheguem antes a São Paulo, que aproveitem não somente os quatro dias (de quinta a domingo), mas que vivam e convivam durante quase 10 dias de eventos.
Falando um pouco mais do festival em si, a ideia é conciliar diversão com conscientização. Teremos palestras com canais de renome como “Põe na roda”, “Chá dos 5”, entre outros. Queremos sim desenvolver o debate, a conversa franca e aberta sobre os temas que envolvem o mundo LGBT, suas angústias e anseios. Esse é o nosso objetivo: conversar, discutir, conhecer, reconhecer, conscientizar e celebrar a vida e a diversidade por meio do entretenimento e novas experiências.
Como vocês consideram que o festival PreParadx contribui para a cidadania LGBT?
Quando realizamos um evento do porte do nosso festival, no maior espaço de eventos de SP, fazendo parcerias com grandes canais e influenciadores do meio LGBT, mídias tradicionais e divulgação em massa, acreditamos que as pessoas não podem mais ficar simplesmente indiferentes à causa. O debate deve e precisa ocorrer. O debate sobre inclusão de gênero, o debate sobre preconceitos, o debate sobre como conversar em casa, como buscar ajuda em caso de necessidade e até mesmo o simples ato de reunirmos todos os LGBTs no coração da capital financeira do Brasil para dizer: “estamos aqui, juntos somos mais fortes e queremos aproveitar e curtir a vida normalmente”. Não se trata mais de um assunto a ser debatido pelos cantos, torna-se algo rotineiro e cotidiano, com naturalidade. Acreditamos que o festival traz uma força e um apoio para que as pessoas se sintam representadas e sintam orgulho de serem como são, cada uma com seu jeito peculiar, lindo e complexo de ser.
Por que não há nenhum artista gay ou transexual entre aqueles que vão se apresentar no palco principal?
A principal atração do evento é uma artista gay, a Daniela Mercury. Além disso, temos DJs que pertencem ao universo LGBT, como transexuais, gays e lésbicas. Não temos um palco principal, temos palcos para diversos gostos e estilos. O tamanho de palco é escolhido de acordo com a proporção de público que cada estilo traz. Somos contra qualquer tipo de rotulação, inclusive rótulos simples como palcos principais, secundários, pessoas mais ou menos importantes.
Qual parte da programação é orientada para lésbicas?
Traremos diversas DJs da cena LGBT do Brasil e das maiores casas noturnas de São Paulo, compondo sets com todo o tipo de música, desde música brasileira dançante até o hip hop. Hoje, as mulheres também vão para festas a fim de se divertir, não é algo restrito por gêneros ou orientação sexual. Acreditamos que tanto lésbicas quanto gays podem se divertir no mesmo espaço e no mesmo ritmo, sem restrições.
Sendo um evento pré-parada do orgulho LGBT de SP, vocês tiveram algum tipo de coordenação com a organização da Parada em si? Vocês estão ajudando a divulgar o tema da Parada desse ano, sobre a lei de identidade de gênero?
Nosso festival tem como logomarca o X da inclusão de gênero. Não estamos lutando ou representando qualquer lei. Como dissemos, não temos cunho politico, somos contra qualquer tipo de preconceito e exclusão. Contamos com o apoio indireto da Parada e estamos definindo os últimos palestrantes, mas um dos temas que provavelmente será abordado é a Lei de Identidade de Gênero.
Enviamos posteriormente um e-mail perguntando quais são as DJs trans que vão tocar no evento, e não recebemos resposta até a publicação desse post. UPDATE: O DJ, ativista e político André Pomba, que vai tocar no evento, ofereceu a seguinte informação nos comentários desse post: “No line up, tem a DJ e ativista trans Ledah Briacho, e entre as performers tem a trans Stripperella Uber”.
Como dito no início, a ideia de um festival que reúna todas as vertentes do público LGBT e promova a integração de toda a população queer, marcando presença num evento de celebração, é maravilhosa. Infelizmente a execução e o discurso do Festival Preparadx não corresponde a esse ideal – chegando a ser contraditória por vezes. O festival LGBT conta com show da artista “gay” Daniela Mercury, mas não com shows de “homens gays”, ou pessoas trans, ou bissexuais, de qualquer gênero. Fica difícil reunir públicos diversos quando a programação não se esforça para ser realmente diversa – mesmo gays que não gostam de divas ou música eletrônica terão dificuldade de encontrar atrações que justifiquem o preço do ingresso. A pouca atenção para a pauta política atual (um dos temas da Parada do Orgulho LGBT, que justifica o festival “pré-parada”) é lamentável, mesmo se sua organização se propõe como evento não político. Imperdoável mesmo é a ausência quase total de pessoas transgênero, principalmente num ano em que o lema da Parada é “LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO JÁ! – Todas as pessoas juntas contra a transfobia”.
Apesar de tudo isso, para o que o festival se propõe a ser – um evento musical para gays da jogação – o Preparadx promete ser perfeito. Quem se interessa por assistir o duplo twist carpado dos shows em sequência de Daniela Mercury, Ludmilla e Valesca Popozuda pode correr para o site do festival, que ainda há ingressos à venda. Torcemos por seu sucesso – para que, na edição do ano seguinte, todas as letras da sigla LGBT sejam contempladas na programação do festival, e assim ele se torne um evento que realmente promove a diversidade.
Na maioria desses festivais, essas representações são sempre de músicos heterossexuais.
Queremos representatividades de músicos LGBT
Só é irônico que nem no lead dessa matéria pessoas bissexuais foram lembradas né? Não custava ter lembrado que as sugeridas Maria Gadu e Ana Carolina, por exemplo, são bis e poderiam muito bem ser atrações não só “pras lésbicas” como pra mulheres bissexuais como elas. Não custava nada falar em homens bi como Nando Reis (as mulheres bi inda se viram representadas numa Daniela Mercury, mas e os homens?!) Tem tb homens trans por aí fazendo música de ótima qualidade, como o Eric Barbi, que poderiam ter sido lembrados tanto pela organização do evento quanto pelo pessoal do site.
Por que a maioria dos gays prefere música pop? se for observar de fato, a maioria é obcecado por música pop.
Me parece ser uma tradição da cultura gay. Quando falamos em música pop, quais artistas você lembra? Eu lembro de Madonna de cara. Observe que ela é um ícone gay. Uma mulher de atitude, revolucionária. Pode ser que muitos gays gostem disso, pois inspiram-se nela, isto é, assim como ela, pertencem a um grupo oprimido (ela – mullheres, eles – gays) mas possui força para lutar contra a opressão. Isso é fortalecedor.
Mas pera ai, quem disse que todo gay curte divas pop? sou gay, nunca gostei de pop. Eu gosto de rock.
O rock vai ser sempre a minha paixão. Eu gosto de todos os gêneros de rock, principalmente Heavy metal, Hard rock, Power metal e Trash metal.
talvez a diversidade que eles busquem seja tipo diversidade da The Week :p
Eu como homem gay não acho que tenho absolutamente nada em comum com lésbicas, trans e bis, então porque deveria me importar com a representatividade? Eu só me importo mesmo com o G, o resto é indiferente.
Que existência triste essa sua, escondido na sua pokébola.
gay GGGG é foda mesmo…
provavelmente cê tem tantos privilégios que nem deve pensar no G por completo, provavelmente só o G padrãozinho e limpinho.
triste pessoas como você existirem.
Queridaaa Yã, não sou padrão, sou bixa afeminadissima, negro e pobre. não tenho privilégios e penso no G sim pois é a minha letra que na qual eu me identifico. Bjus linda
Parabéns pela abordagem do assunto. Realmente, o festival fica meio perdido dentro da sua própria proposta. E afirmar que não tem nenhuma ligação com a Parada Gay, quando o nome do evento -PREPARADX-, a semana a ser realizada e até mesmo os comentários dizendo que querem “uma ajuda indireta da parada para divulgação do evento” e “proporcionar aos turistas mais tempo de diversão na cidade durante a semana de diversidade” é no mínimo contraditório.
Além do mais, conforme dito, o evento acaba atendendo mais o público da “jogação”, que já encontra essas atrações nas mais diversas casas noturnas de São Paulo. O restante do público que o festival diz que irá atender, creio eu, ficará bem decepcionado.
Esse festival me fez lembrar o extinto “Spirit of London”, que na minha opinião trazia muito mais diversidade ao público com o palco FREEDOM, além das atrações nos outros palcos.
Mas, como você abordou, espero que faça sucesso e sirva como lição para novas edições. Já que, no meu ver, não é um “evento desse porte no maior espaço de São Paulo” que irá trazer visibilidade para causas que o público LGBT lutam diariamente. Como dizia uma postagem que vi esses dias no Facebook: lutar pela causa LGBT não é só para dar o direito para que você caminhe de mãos dadas na rua com seu “boy padrão”, mas sim o direito do efeminado ser quem é, da transexual/travesti ter direito de ter uma carteira assinada, da lésbica/gay não sofrer agressão para entrar no padrão da sociedade, dentre tantas outras atrocidades que vemos – e não vemos – que ocorrem por ai.
Concordo com tudo, achei muito estranho que no flyer só consta os Djs que fazem parte da cena “Eletronica”. Tem muita gente boa como a Dj Ledah (que é trans) ficou de fora.
Moro no Rj, mas estarei em SP. Quero (e muito), participar do evento. Onde será o evento?
Confere os detalhes no site do festival, tem link no começo da matéria! 🙂
O evento será no anhembi. mais informaçoes http://www.preparadx.com.br
Não sei porque tanta crítica. Como é o primeiro evento é normal que as coisas evoluam com o tempo…, para agradar gregos e troianos é dificil viu!!! Daqui a pouco vão criticar porque não tem sertanejo, não tem pagode e etc.
Menos gente!!! Quem não estiver afim de ir não vai, não sou de São Paulo, gostaria que aqui em Salvador tivesse um terço dos acontecimentos que tem ai na Capital Paulista.
Acho que falta um entendimento profundo dos organizadores sobre o significado de conscientização e cunho político. Qualquer performance que se compromete em expor um posicionamento referente a um lugar social É político. Conscientização perpassa pela política, a política é o espaço social de promoção da diversidade como princípio do que se pretende ser uma mudança de cultura social. É lamentável que não haja o mínimo de cuidado em relação a necessidade dessa compreensão, especialmente sobre uma reivindicação tão urgente com a pauta lgbt, com ênfase nas lésbicas, transexuais e travestis.
Desculpe….. mas ninguém da cena política gay me representa….. a cena gay não é plumas e showzinho…..e baladas…. é muito mais que isso.
Legal a ideia do evento. Bem bacana, mas se for pra fazer algo bem diversificado MESMO. Pq não tem Punk, Hard,Rock, Indie, Heavy? Nem só de pop vive as gay.
Adri, trata-se da primeira edição do festival, com grande investimento. As proximas edições com certeza conseguiremos trazer mais estilos para o evento.
Sou gay e nunca fui à uma parada….. e não me faz falta nenhuma…. e esses festivais pré parada só servem para o “meio” se é que me entendem?
Do jeito que você fala, até parece que “o meio” é uma coisa ruim…
Mas é o que uma parcela imensa da comunidade LGBT principalmente a G- Ultra Masculino-Que Não parece Gay…
Te
Querido, não sou ultra masculino… e sou assumido…. só não sou maria vai com as outras….. e nem arroz de festa.
Esse meio de baladas…. paradas e outros é sim…. permissivo…. e desnecessário.
Se você não gosta de permissividade, legal! Mas não julgue quem gosta. Há espaço e felicidade para todos. 🙂
Aproveitando o questionamento, eu sempre volto a tocar nesse assunto que incomada algumas pessoas.. por que o Rock esta sempre de fora quando se trata de eventos com o publico LGBT? Por que Cassia Eller, Renato Russo, Hob Halford, Freddie Mercury nunca são citados ou nem mesmo reconhecidos nesses eventos?
Realmente!
Fabio, fizemos uma pista chamada Brasilidade, exatamente para incorporar esse tipo de musica, cassia Eller, Renato Russo entre tantas outras bandas como Tim Maia etc.
bacana…. isso me deixa muito feliz
No line up, tem a DJ e ativista trans Ledah Briacho e entre as performers tem a trans Stripperella Uber.
Obrigado, Pomba! Vou adicionar essa informação no post.
É até pertinente esta cobrança de representatividade, mas a matéria parece que tem objetivo de dar uma “cutucada” além do previsível, enfim… A discussão é válida. Mas a matéria, analisada a partir do que ela mesma se propõe, tem algo que me incomoda: O fato de as drags não serem identificadas, são as artistas que mais representam o universo LGBTT, quebram questões de gêneros e infelizmente não foram devidamente apresentadas e divulgadas. Respeitar e atentar para a nossa cultura também é muito importante.
Tem 7 drag queens no line up: Marcia Pantera – Tiffany Bradshaw 200 – Fefe Houston – Stripperella Über – Candice Kay – Lysa Bombom e
Ikaro Kadoshi. Acho que isso realmente precisava ser melhor divulgado.