Traduzido do artigo de John Russel para o site NewNowNext
Vestuário para mulheres inspirado pela moda masculina não é bem uma novidade, mas mulheres que têm apresentação masculina e homens trans ainda sofrem muito para ficarem na estica.
“Minha vida inteira isso foi parte da minha história”, lembra Mary Going, proprietária da Saint Harridan, uma fábrica de roupas que atende mulheres caminhoneiras e homens trans. “Ficar parada na frente do guarda-roupas na hora de me aprontar para a apresentação dos meus filhos na escola ou para o casamento de alguém, odiando todas as opções a meu dispor.”
“Eu já me senti desconfortável nas minhas roupas muitas e muitas vezes”, completa.
Para Going, a virada aconteceu em 2008, quando encomendou um terno feito sob encomenda para seu casamento. Não foi apenas a experiência de ter roupas feitas sob medida, mas a sensação de finalmente vestir um terno que, além de se ajustar a seu corpo, tinha a aparência que ela queria.
Então, em 2012, Going abriu uma campanha de financiamento coletivo para sua própria grife, especializada em roupas para mulheres como ela, e para homens trans que buscam roupas de alta qualidade.
De certa maneira, Saint Harridan é uma reação contra a maneira como a moda padrão conscientemente feminiliza peças do vestuário masculino para as mulheres cisgênero.
“O que estamos fazendo é dizer ‘eu sou masculina'”, explica Going. “Não fazemos um terno feminino inspirado pela moda masculina; fazemos um terno para o corpo da mulher, que fica altamente masculino. Pode-se até usar salto com esse terno se quiser, mas não é essa nossa intenção. É tudo muito intencionalmente masculino. Estamos tratando a masculinidade como uma estética igualitária.”
Consciente das limitações de gênero da linguagem, Going rapidamente risca aspas no ar quando fala termos como “mulheres” e “homens”, “masculino” e “feminino”. O nome Saint Harridan em si é uma crítica a esses limites: “Se usássemos palavras como ‘bofinho’ ou ‘caminhoneira’, seria inevitável representar algumas pessoas, mas deixar outras de fora”, explica a empresária no site da companhia.
“Buscamos uma palavra que fosse capaz de expandir nossas opções. Uma ‘santa’ (saint), dentre muitas outras definições, é uma fundadora ou patrona de um movimento.” Quanto a “Harridan”, Going está se reapropriando do termo, que significa “velha masculina” e era usada, há nem tanto tempo assim, como um xingamento para “evitar que as mulheres se afastassem muito das expectativas da sociedade”.
Reinventar os trajes classicamente masculinos para os corpos femininos, no entanto, foi mais complicado que Going e sua equipe esperavam.
“Sem dúvida o terno foi a parte mais difícil, porque é altamente estruturado”, lembra Going. “No entanto, todas as peças passaram pelo processo de análise para descobrir o que funciona e o que não funciona, e como melhorar o caimento.”
Algumas das alterações eram óbvias – reduzir o comprimento do casaco, deixar a cintura das calças mais baixa – mas outras eram menos aparentes. Diferenças entre a postura das mulheres e dos homens, o jeito de andar de cada um, a maneira como colocam os braços quando param – tudo afetou a construção.
O resultado é uma linha de roupas masculinas moldada para corpos que as empresas tradicionais de vestuário para homens nunca consideraram.
Todos os ternos da Saint Harridan são feitos sob medida, com preços a partir de 1,2 mil dólares, e exigem que a cliente vá pessoalmente à loja da marca em Oakland para experimentar as roupas. Outras peças podem ser encomendadas online, como camisas de botão, gravatas borboleta, grampos de gravata e outros acessórios.
Going espera logo oferecer mais peças prontas, como calças, jaquetas e ternos completos.
A Saint Harridan, porém, não é apenas a história de uma companhia descobrindo um nicho em particular – é também a história de uma maneira de fazer negócio. “Na verdade, eu torcia o tempo todo para que alguém começasse essa empreitada!”, Going admite, rindo.
Ela estava longe de ser uma expert em moda quando começou, apesar de ter feito um treinamento em alfaiataria de seis meses sob supervisão da blogueira de moda Sheree L. Ross para conseguir se situar. Sua verdadeira força estava em reconhecer uma demanda que o mercado não supria.
“É isso que eu trago à mesa – pensar, ‘o que a gente pode mudar nisso para tornar o processo mais eficiente, para reduzir custos?’.”
Por conta disso, a Saint Harridan é completamente mantida por “financiamento coletivo”: as peças de vestuário apenas são produzidas sob encomenda (para reduzir o desperdício) e geralmente são feitas em pequenos lotes. Essencialmente, Going fez pelo modelo de negócios da Saint Harridan o que fez em seu vestuário: desconstruir e reinventar para que funcione para pessoas como ela.
Há uma frase de Audre Lorde escrita na porta da frente da loja da Saint Harridan em Oakland: “As ferramentas do mestre não vão desmantelar a casa do mestre”. Por ser o uniforme das pessoas no poder, os ternos e gravatas masculinos são, de certa forma, as “ferramentas do mestre”, mas Going está, literalmente, as desmantelando e reconstruindo para empoderar pessoas como ela.
“Apagar a linha entre os sexos binários é incrivelmente importante”, afirma, “e pode acabar tendo um impacto muito além apenas da moda”.
“Nós temos que funcionar dentro do contexto do que somos. Quando estou num lugar onde as pessoas são intolerantes e marcho pelo aeroporto vestindo um terno da Saint Harridan, eu estou emitindo uma mensagem importante.”
E uma mensagem deveras estilosa, devemos dizer.