Traduzido do artigo de Brandon Presser para a revista Out
O anúncio pessoal de Padma Iyer parecia absolutamente comum – banal, até. Ela, como a maioria das mães da Índia, buscava cônjuges de qualidade para seu filho. A única diferença entre seu anúncio e o de dúzias de outros na mesma página é que seu filho, Harish, é gay.
“O que Padma fez por Harish foi revolucionário porque opunha a estranheza das vidas LGBTs no imaginário público a algo muito familiar: a busca de uma mãe pela felicidade de seu filho por meio de um casamento arranjado”, explica Parmesh Shahani, autor de Gay Bombay: Globalization, Love and (Be)Longing in Contemporary India (“Bombaim gay: globalização, amor e pertencimento na Índia contemporânea”). Ele também é o dirigente do Godrej India Culture Lab, um núcleo intelectual para a discussão do que significa ser indiano e moderno.
A controvérsia deflagrou uma enxurrada de agressões. “Na primeira semana, minha mãe e eu recebemos 5 mil respostas por e-mail, mensagens de texto e Facebook”, recorda-se Harish Iyer. “Uma porcentagem pequena delas era de pretendentes ou seus pais; a grande maioria eram mensagens de ódio”. E então o site Buzzfeed publicou um post sobre o anúncio, “e as respostas tornaram-se cada vez mais tóxicas”, completa.
Muitos dos principais jornais indianos haviam rejeitado o anúncio, até que ele finalmente foi publicado pelo Mid-Day. Uma vez publicado, uma tangente interessante teve início por causa dos termos que empregava. Padma buscava um parceiro adequado para seu filho dentro da casta dos brâmanes, e o público internacional – desacostumado a ler anúncios análogos para a comunidade heterossexual – considerou que o anúncio era preconceituoso, apesar de seus objetivos progressistas.
“As pessoas tiraram as palavras do contexto”, lamenta Iyer. “O objetivo era fazer com que um anúncio matrimonial gay ficasse exatamente igual a um heterossexual, e na Índia os anúncios matrimoniais quase sempre definem preferências religiosas e de castas. Não é verdade que famílias no mundo todo preferem acolher pessoas com um histórico sociocultural semelhante a seu próprio? Minha mãe não é exceção.”
As críticas às preferências de casta de Padma sublinham as dificuldades gerais que a Índia em processo de globalização encara quando tem que lidar conforme evoluem as atitudes quanto aos casamentos arranjados.
A última década viu um pico pronunciado e repentino dos chamados “casamentos por amor” (indivíduos que escolhem seus próprios parceiros), e o crescimento astronômico das mídias sociais dentre os jovens indianos também levou ao crescimento inevitável na utilização de aplicativos de paquera. Apesar do contraste gritante com a geração anterior e seu comprometimento aguerrido às uniões arranjadas, conforme a poeira abaixa aparentemente encontra-se um meio-termo: os pais desempenham um papel crucial na busca por cônjuges, mas em última instância buscam a aprovação de seus filhos antes de fazer com que o relacionamento avance.
Tanto Iyer como Shahani, no entanto, reparam que as maiores lacunas filosóficas a serem preenchidas quando o assunto é o amor moderno existem na verdade entre os indianos urbanos e rurais, não entre as diferentes gerações. “Meus pais foram bastante compreensivos”, conta Shahani. “Quando eu contei para minha mãe que era gay, há alguns anos, a reação dela foi ‘tudo bem, mas o que vamos fazer para o jantar?’.”
“Nossos pais, urbanos, foram expostos às notícias e ao entretenimento internacional – isso faz com que estejam mais confortáveis em dar o primeiro passo e dispostos a fazer parte da discussão”, explica Iyer. “É a Índia rural que se agarra obstinadamente a noções e práticas obsoletas, e enclausura e sufoca os indivíduos que tentam lidar com sua sexualidade nas comunidades tradicionais.”
Mumbai, um ambiente extremamente urbano, foi o cenário para a história de amor de Iyer – uma cidade repleta de pessoas “ocupadas demais para terem tempo para a discriminação”, comemora. “Nós temos festas gays, temos encontros de pais e famílias, e temos nossa própria parada do orgulho LGBT, chamada Queer Azaadi Mumbai. Aqui, há muitas pessoas que vivem abertamente sua sexualidade, apesar das leis serem estraga-prazeres.”
O que atrasa a aceitação do amor homossexual na Índia moderna é a seção 377 do Código Penal Indiano, que criminaliza o sexo “que vai contra a ordem da natureza”. “Já tivemos decisões conflitantes da corte judicial a respeito dessa lei”, continua Shahani. “Curiosamente, nós temos uma lei para pessoas transgênero muito progressista, mas uma lei muito atrasada para os homossexuais.”
“Por causa do cenário político atual, as pessoas consideram que sair do armário é muito difícil. Há até um aumento de casos de extorsão. Mas aqueles que vivem sua sexualidade abertamente estão entrando em revolta. A maioria deles também já se abriu para seus pais”, aponta Iyer. Shahani, no entanto, não está convencido de que derrubar a seção 377 vai levar à aceitação imediata. “Acho que a luta da comunidade nos próximos anos será mais sobre como mudar as ideias e os sentimentos da sociedade em geral. É por isso que atos como o de Padma tornaram-se tão importantes.”
Apesar da intenção de Padma Iyer ser inicialmente mais a de servir como comentário cultural, Harish chegou a sair com vários pretendentes em potencial que responderam ao anúncio. Ele diverte os amigos com as histórias de suas desventuras: “teve um homem do sul da Índia que se ofereceu para se casar comigo se eu bancasse sua empresa, um homem que queria me idolatrar como se eu fosse um deus do sexo, e um xeique que queria me manter em seu harém masculino. Muitos, no entanto, só queriam aparecer.”
Apesar dos aproveitadores, Iyer também conseguiu algumas experiências positivas – o que demonstra que a mesa está começando a virar em alguns dos recantos mais progressistas do subcontinente. “Eu tive a sorte de encontrar alguns homens genuinamente interessantes, que compartilhavam dos meus gostos e de minha visão de mundo”, celebra. “Alguns tinham um senso de humor excelente, o que me atrai muito.” Iyer já encontrou mais de 20 pessoas por causa do anúncio, mas ainda não conseguiu encontrar seu príncipe encantado.
Apesar de Iyer e Shahani trabalharem ativamente para normalizar todas as facetas da vida LGBT na Índia moderna, nenhum deles encontrou ainda um casal homossexual que tenha sido formado por seus pais, nem encontraram outro anúncio para homossexuais num classificado público. “Eu conheço muitos pais que gostariam de buscar um noivo para seu filho gay. Eles podem não publicar anúncios mas preferem que seu filho esteja acompanhado a morrer solteiro”, conclui Iyer.
A cara de felicidade da mãe e do filho são a prova de que a felicidade está ligada ao sentimento de liberdade, que se traduz no lema viva e deixe viver.