Quando a série “Girls”, da HBO, estreou, sua protagonista, diretora e roteirista Lena Dunhan foi automaticamente alçada ao posto de voz das mulheres que não querem ou não podem alcançar o padrão de beleza imposto pela indústria do entretenimento.
Desde então, são constantes suas aparições sem roupa no programa. E também é constante o incômodo que ela causa. Em um evento que precedeu a rodada de entrevistas que Lena deu para promover a 5ª (e penúltima) temporada da série, uma jornalista japonesa disse: “Não gosto [do programa]. Ninguém é obrigado a vê-la nua…”
“Estou cansada de responder perguntas sobre eu ter ficado nua na TV. Mais nos Estados Unidos que na Europa, mas sempre tem alguém perguntando por que eu achei que devia fazer aquilo, por que era importante, se eu fiquei com vergonha… E, tipo, depois da quinta vez que você responde você se pergunta se nós poderíamos, por favor, nos acostumarmos com a nudez?”, disse ela após ser questionada do que estava mais cansada.
O Lado Bi participou desta entrevista em um hotel de Los Angeles com exclusividade e traz abaixo os principais trechos da conversa que foi de nudez a Hillary Clinton com toda a eloquência desta artista que se classifica como “feminista de longa data”.
A quinta temporada de “Girls” estreia no Brasil em fevereiro de 2016.
Lado Bi — Quando seu programa estreou ele foi considerado feminista. E em 2015 o feminismo foi um dos grandes assuntos do ano. Você também está em campanha pela Hillary Clinton à presidência. Qual você acha que foi o papel da sua série em relação a todas essas discussões que estão acontecendo hoje?
Lena Dunhan — Eu não acho que nosso programa tenha trazido o feminismo de volta ao mapa, mas acho que nosso programa é parte de um momento em que várias mulheres na TV estão sendo reconhecidas e televisionadas. Acho isso muito excitante e a energia coletiva proveniente disso tudo é poderosa. Sinto-me privilegiada de fazer parte deste momento. E é legal como feminista de longa data poder ver uma discussão como essa deixar de ser marginal para se tornar parte da cultura pop em grande escala.
Para mim é muito fácil de dizer que o feminismo é um debate político que é sobre atingir direitos iguais, que feminismo é sobre amar quem você quiser, que feminismo é transar com quem você quiser sem ser julgada por isso. Tudo isso é 100% verdade, mas também é sobre ampliação de direitos e de sua qualificação. Saúde pública para mulheres e seu acesso ao planejamento familiar. Não ter que ficar o tempo todo tendo que esbarrar em obstáculos jurídicos das leis de aborto. Garantir tenhamos um sistema adequado em vez de apenas punir pessoas por violência doméstica e, ainda, cuidar das mulheres que sofrem violência doméstica. Estas são questões que não fomos a fundo em nosso país e enquanto isso estiver acontecendo não podemos dizer que nosso país oferece os mesmos privilégios para homens e mulheres.
Você acha que apenas uma mulher pode fazer isso?
Não acho que apenas uma mulher pode fazer isso, mas eu acho que Hillary Clinton é a pessoa mais qualificada para fazer esse trabalho. Uma das coisas que faço questão de dizer durante esta campanha é que eu não vou votar nela só porque ela é mulher. Eu acho legal poder eleger a primeira presidente mulher dos Estados Unidos? Claro! Quando eu era criança eu não me permitia imaginar uma mulher como presidente dos Estados Unidos. Pra mim a regra estava clara: para ser presidente era preciso ser homem. Aí eu perguntei pra mim mãe e ela me disse que não. Pensava que a Barbie era uma menina e o presidente era um menino. Agora eu me sinto muito feliz de saber que eu posso ter uma filha em um mundo em que isto não é mais a regra. Talvez eu até tenha um filho que ache que só mulheres possam ser presidentes. Mas eu não estou fazendo isso porque quero sair da minha casa para impor um ponto de vista específico. Só acho que é importante mostrar para as pessoas como é bom se engajar no processo político. Porque se temos um sistema que nos permite participar do processo político e, mesmo assim, escolhemos não participar, é porque temos um problema.
O programa vai acabar na próxima temporada, o que você pretende fazer, já que disse que ia parar inclusive de atuar?
Eu adoro o que eu faço e estamos felizes de poder terminar em um momento legal e de uma forma muito orgânica e natural. Acho que quando programa acabar eu vou mais me focar em escrever e dirigir. Eu estou mais ligada a isso. E eu sei que tem profissionais incríveis que fazem isso e quero ter a oportunidade de escrever pra eles e dirigi-los. Mas estou feliz poder encerrá-la ao nosso modo e na hora que escolhemos.
E você também se cansou de fazer tudo? Pretende delegar mais?
Sim. Isso mesmo…
O que você aprendeu como mulher nestes cinco anos em que a série está no ar?
Aprendi tudo, na verdade, porque embarque nesta experiência sabendo muito pouco. Eu me conheci melhor como política, me conheci melhor como amiga, como equilibrar as minhas expectativas e as dos outros em termos de ser mulher e ter que ser perfeita na vida privada e na vida profissional, como me relacionar com minha família… E fazer tudo isso e ainda achar um lugar onde você possa existir, sonhar e refletir sobre si.
Diga uma coisa da qual você está cansada e outra pela qual você está super ansiosa…
Estou cansada de responder perguntas sobre eu ter ficado nua na TV. E estou ansiosa pelo resultado desta eleição e por ver o engajamento das pessoas em torno dela.
Por que você está cansada de responder perguntas sobre a sua nudez?
Poxa, foi há quatro anos e ainda tem gente perguntando sobre isso. Mais nos Estados Unidos que na Europa, mas sempre tem alguém perguntando por que eu achei que devia fazer aquilo, por que era importante, se eu fiquei com vergonha… E, tipo, depois da quinta vez que você responde você se pergunta se nós poderíamos, por favor, nos acostumarmos com a nudez? Mas aí você vê que não tem tanto a ver com a nudez, mas com o fato de você ser mulher e não ter o corpo que é o padrão de Hollywood. Acho que deveríamos nos permitir ir além nessa conversa. Você vai pra França e pra Itália e tem nu frontal na TV…
No Brasil, então…
Sim! No Brasil! As pessoas não surtam com isso…
Por que os Estados Unidos são tão conservadores em relação ao corpo?
Porque no fundo a gente ainda é uma sociedade super puritana. Acho que está mudando, mas está mudando devagar. Então ainda alternamos entre a obsessão pelo sexo e a completa repulsa. E no fim de tudo isso é uma cha-ti-ce! Todos temos corpos, não finja que você não tem… Por isso que eu amo aqueles filmes do Cassavetes dos anos 1970 em que a nudez é tão natural e retratada como parte da experiência humana…
Você acha que os anos 1970 eram mais liberais?
Eu acho que nos anos 1970 estávamos vivendo uma fase de maior experimentação deste admirável mundo novo. Mas eu não quero ter a pretensão de explicar o fenômeno político por trás disso. No entanto, posso especular que isso tem muito a ver com a invasão da direita cristã na política, controlando a televisão… Sabe, não quero ser adepta de teorias conspiratórias, mas é meio óbvio que isto está acontecendo (risos).