Três filhos, beleza, saúde, vida conjugal boa… É a matéria-prima do comercial de margarina. Ou, um pouco mais na vanguarda, de câmera digital. Vanguarda, nesse caso, porque a família em questão é formada por dois homens, e negros.
Ano passado o casal de atores Kordale e Kaleb Lewis tornaram-se a sensação do Instagram por algumas semanas, quando Kordale postou uma foto do casal penteando o cabelo das filhas no banheiro durante a rotina matinal da família. Não há descrição de coisa mais prosaica na vida, mas a imagem causou reações fortes nas redes sociais, vindas tanto de pessoas que lamentavam o futuro daquelas “pobres crianças” que estavam sendo criadas por um casal gay, como de gente mais sensata que (como nós) achava essa cena uma coisa linda. Não deve-se desprezar também uma boa dose de racismo (assumido ou não) por trás da “polêmica”, devido ao fato que muitos não estão acostumados a ver a) negros felizes, b) negros lindos e felizes, c) negros lindos, felizes e gays, e d) negros lindos, felizes, gays e com filhos.
No ano que se passou, o casal fez o melhor para aproveitar a celebridade involuntária e ao mesmo tempo preservar os filhos do escrutínio alheio. Seis meses depois de se tornarem virais, Kordale lançou o livro Picture Perfect? (“Foto Perfeita?”), uma autobiografia em que conta as dificuldades por que passou em sua infância, o convívio com a mãe viciada em drogas, a descoberta de sua sexualidade, o desafio de se tornar pai jovem e, claro, como lidou com a atenção sobre sua família.
A foto-fenômeno continua rendendo – agora o casal tornou-se garoto-propaganda das câmeras Nikon, que divulgou um novo vídeo promocional estrelado pela família na semana passada. “Nós só queremos que as pessoas saibam que, ei, a gente é normal, e você não pode julgar as pessoas pelo que é normal para eles, não mesmo”, Kaleb explica no começo do vídeo. “Nossa rotina basicamente é acordar às 5:30 da manhã e tomar café, e daí pentear o cabelo das nossas filhas. Quaisquer pais que se levantam às 5:30 da manhã e arrumam o cabelo das filhas, não importa quem sejam, são uma família.”
Mais para frente ele continua: “nós, pais, trazemos os filhos ao mundo e temos que guiá-los para que sejam pessoas melhores que nós, e nós queremos que eles sejam melhores que nós. Nós queremos que eles deem certo e façam as coisas que nós não pudemos fazer. Essas crianças são as donas do nosso coração”. Em nada diferente de qualquer casal que ama seus filhos, gay ou hétero, ou de qualquer etnia.
É interessante reparar como algo que seria impensável há nem tanto tempo assim – um casal “em nada convencional” ser usado para promover um produto – agora é uma realidade, e denota que a marca em questão está em sintonia com a nova realidade e com o que está se tornando bacana e bonito. Várias outras marcas no exterior estão embarcando no movimento de representar casais homoafetivos em suas campanhas – vejam os casos da Tiffany, da Microsoft, da Nordstrom, da Gap, da Banana Republic, da J. Crew, da Nabisco… A publicidade brasileira ainda tem que correr muito atrás da gringa – ainda prefere casais coxinha como Luciano Huck e Angélica. “O público brasileiro não está preparado!”, dirão muitos. Acho que subestima-se muito o público brasileiro. Não preparados estão os publicitários, sempre com o cu na mão de perderem suas contas, e os executivos que os contratam.
Que lindo quero uma família assim!
Chorei… Lindo.