Ato “Revolta da Lâmpada” une ação política e fervo

Protesto em São Paulo busca unir gays e héteros para garantir o direito à autonomia sobre o próprio corpo e o respeito à individualidade

por Marcio Caparica

Há quatro anos, no dia 15 de novembro de 2010, um grupo de cinco jovens de classe média Jonathan Lauton Domingues, na época então com 19 anos) realizaram uma série de ataques homofóbicos na avenida Paulista. O grupo agrediu na madrugada, com lâmpadas fluorescentes, três pessoas na rua que julgavam ser homossexuais (um deles é hétero). Uma das vítimas relatou na época: “Quando passaram pela gente, vimos que um deles levava duas lâmpadas grandes nas mãos. Ele me chamou. Quando virei, ele já me atacou no rosto com a lâmpada. Em seguida, usou a outra lâmpada”. Um segurança interrompeu o ataque, e o grupo foi preso em flagrante pouco depois.

Desde então, muita coisa mudou com relação aos direitos LGBTs e a aceitação da homossexualidade e transexualidade pela população e pela mídia. Mas não o suficiente. Ainda não há uma legislação que criminalize a homofobia, e, apesar do casamento homoafetivo ser um fato no país, o legislativo ainda se nega a votar leis que efetivem as uniões entre gays e lésbicas. Por outro lado, movimentos conservadores bradam contra “ditaduras gayzistas”, tentam imiscuir princípios religiosos na vida civil e lutam para que os avanços sociais sejam esquecidos.

Em reação a isso, um grupo de ativistas dos movimentos LGBT, feministas e negros se uniram e organizaram a Revolta da Lâmpada, ato marcado para as 16 horas do dia 16 de novembro (doming0). O protesto terá início no número 777 da avenida Paulista, local onde ocorreu a agressão, e depois seguirá pelo centro de São Paulo até a praça Dom José Gaspar, onde haverá um “fervo” de encerramento. Na pauta de reinvidicações do movimento está a criminalização da homofobia, a legalização da maconha e do aborto, a capacitação da polícia para o tratamento humano das vítimas de homofobia e o resgate do programa Escola Sem Homofobia, entre outras. O LADO BI realizou a seguinte entrevista por e-mail com membros da organização do evento:

LADO BI Existe uma certa falta de marcos na cultura LGBT brasileira. Vocês estão tentando transformar aquele incidente deplorável da agressão com lâmpadas na Paulista em uma espécie de Stonewall do Brasil?

REVOLTA DA LÂMPADA Não se trata de transformar aquilo em nada ou tampouco produzir qualquer marco cultural. Não queremos transformar as agressões sofridas no caso das lâmpadas em um Stonewall brasileiro. São coisas distintas: uma foi a violência policial e a revolta das travestis, transexuais, lésbicas, gays e bissexuais contra a autoridade constituída que abusava do poder; a outra foi a violação de corpos derivada da homofobia e da falta de leis que coíbam essas ações. O episódio do ataque das lâmpadas é um gancho, e não o motivo – porque o motivo é todo o tipo de discriminação e violência homolesbotransfóbica ou ao corpo de modo geral. Mas escolhemos como gancho porque, além de a revolta acontecer numa data próxima ao aniversário desse episódio, a lâmpada virou um emblema do discurso opressor. Foi uma agressão a LGBTs que ganhou a mídia com grande força, devido às imagens chocantes que foram gravadas e veiculadas a exaustão. E desde os ataques, temos ouvidos repetidamente a piadinha discriminatória: “a pessoa sai desse jeito na rua e depois reclama quando leva lampadada na cara”. Não admitiremos mais esse discurso.

Por que essa agressão homofóbica em particular é diferente de tantas outras que aconteceram antes e depois?

Esse episódio fez com que a população em geral percebesse que a violência homofóbica era uma realidade. Muitas pessoas heterossexuais ficaram tão chocadas com as cenas que começaram a entender realmente do que se trata a homofobia. Criou-se um caldo, uma memória coletiva da violência homofóbica e tudo o que ela representa. Nunca se falou tanto sobre homofobia quanto nos últimos anos. O conceito deixou a academia e o ativismo e foi para os jornais, para a televisão, rádio, agenda politicas, etc. Surgiram também os conceitos de lesbofobia, bifobia e transfobia, que finalmente marcam e tornam visíveis outras especificidades discriminatórias sofridas pela população LGBT.

Vocês também estão tentando convocar os heterossexuais para o evento. Quais são os argumentos para convencê-los de que eles também são afetados pela homofobia?

Queremos convencê-los não pela oposição apenas à homofobia (até porque também falamos da lesbo, da trans e da bifobia, além do sexismo, do racismo, da xenofobia e de outras inúmeras formas de opressão), mas pela oposição à discriminação dos corpos, num sentido mais amplo. O maior argumento é que o opressor de corpos também pode ter seu corpo oprimido em outros contextos. O homem que oprime o gay ou a lésbica pode amanhã ser oprimido por ter um corpo negro, ou um corpo obeso, ou um corpo que envelhece. A mulher que oprime a pessoa trans pode amanhã ser oprimida por não ter o direito de abortar uma gravidez indesejada, ou por sofrer assédio ou intimidação sexual de um homem porque “estava com pouca roupa”. O homossexual heteronormativo que oprime outro homossexual por “dar pinta” amanhã pode ser agredido por homens héteros, ou pela própria família. Uma sociedade integral, que respeitas as individualidades e os direitos humanos deve ser plasmada com a participação de todas as pessoas, com todos seus marcadores identitários. A heteronormatividade e a cisnormatividade não afetam apenas LGBTs, afetam qualquer um que saia desse padrão de regras de conduta seja qual for sua identidade de gênero ou orientação sexual. Este  é um ato pelas liberdades individuais, pelo direito de, sem prejuízo do outro, vestirmos, modificarmos, usarmos nosso corpo como quisermos. As pautas de reivindicações incluem direitos sobre essa liberdade corporal que vão além das pautas LGBT como a descriminalização do aborto e das drogas. Vale lembrar que alguns dos agredidos no caso da lâmpada eram heterossexuais. Há vários casos de heterossexuais agredidos por serem confundidos com LGBT, como o pai e o filho que foram agredidos em um rodeio por serem confundidos com um casal gay.

A parte do fervo depois da manifestação (oba!) é uma maneira de tentar atrair o pessoal que geralmente é menos engajado no movimento LGBT?

De forma alguma, o fervo é uma manifestação importante. Não falamos apenas com nossas bocas, falamos com nossos corpos e com todos os buracos deles. Muitas pessoas têm a ideia errada de que manifestação política tem que ser sisuda para ser levada a sério. Queremos mostrar justamente que é possível equalizar fervo e luta e passar de maneira artística uma mensagem política. Estamos propondo uma nova linguagem ativista, ampliando a perspectiva de como falar das coisas que nos afligem e que a politica tem que dar conta disso.

Por que você acha que uma parte tão grande da população homossexual não luta por seus direitos?

A falta de engajamento da população LGBT reflete a falta de engajamento político da sociedade como um todo, com o agravante de que pessoas oprimidas têm uma auto-estima menor. Portanto é necessário um trabalho maior para resgatar essa auto-estima da população LGBT e empoderá-la de sua cidadania para que saia do armário, saia para a rua e lute por seus direitos. Mas tudo isso é um processo histórico que não se dá da noite para o dia.

Vocês pretendem repetir esse evento todos os anos? Seria uma maneira de criar uma alternativa à parada LGBT, que apesar de gigante cada vez está mais esvaziada de conteúdo político?

Não sabemos ainda se repetiremos todo ano ou não, estamos focados na construção desse ato do dia 16 de novembro de 2014, depois que ele acontecer nos reuniremos novamente e pensaremos no futuro. Quanto a Parada, não pretendemos ser uma alternativa e sim somar, isto é, ser mais um ato pela cidadania LGBT e pelas liberdades individuais. Tentaremos equalizar melhor o fervo e a luta como já foi dito, mas em momento algum queremos ser um contraponto. Reconhecemos a importância da Parada e sua função principalmente para aqueles LGBTs que vivem em lugares distantes do país e que não têm a liberdade que alguns LGBTs da cidade de São Paulo. Esses LGBTs vêm para a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo justamente para poderem, durante um dia, celebrar sua orientação sexual e identidade de gênero na rua, à luz do dia.

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

2 comentários

vitor

Parabéns aos organizadores a nossa luta continuam prol da visibilidade lgbt

Comments are closed.