Estudantes franceses vão à escola de saias para protestar contra sexismo

Protesto ocorreu na sexta-feira da semana passada na cidade de Nantes, na França; professores também participaram do ato

por Marcio Caparica

Traduzido e adaptado do artigo de Erin Cunningham para o site The Daily Beast

Na sexta-feira da semana passada estudantes e professores homens na cidade de Nantes, na França, usaram suas roupas para lançar uma campanha contra o sexismo que está assolando as sociedades de todo o mundo. O movimento “Ce que soulève la jupe” (ou “O que ergue a saia”, em tradução livre) estimulava os garotos de todas as 27 escolas da cidade a irem para a escola de saias ao invés de calças.

“Nós percebemos que em muitas escolas de ensino médio em nossa região há casos de sexismo e descriminação, então decidimos que algo deveria ser feito para mudar isso, e tivemos essa ideia”, explicou Arthur Moinet, o organizador da campanha, ao site Euronews.

Os cidadãos mais conservadores, no entanto, acharam que os garotos de saia são um “escândalo”. Olivier Vial, presidente do partido conservador UNI, declarou: “hoje se faz qualquer bobagem em nome da igualdade… Esse movimento é inspirado pelo Dia da Saia, cujo objetivo inicial era permitir que as mulheres expressassem sua feminilidade em ambientes em que isso é difícil de se fazer. Mas isso é negar as identidades masculinas e femininas.”

Moinet – e os garotos que participaram do ato – deveriam receber aplausos não apenas por seus esforços para demonstrar solidariedade e chamar a atenção para a discriminação que as mulheres encaram, mas também por desmascarar outra forma de discriminação social: a intolerância contra homens que vestem saias – ou shorts muito curtos. Há pouco mais de um século as mulheres derrubaram as fronteiras de gênero ao vestir as calças dos homens (que chocante!). Mas hoje, ninguém olha duas vezes quando as mulheres passam calmamente usando suas roupas unissex – algo que hoje em dia um item essencial do guarda-roupa feminino. Então por que é tão incomum – e imediatamente mal-visto – que ocorra o reverso: que os homens adotem peças de roupa tradicionamente femininas?

Optar por vestir saias tem sido motivo de piadas desde que o mundo é mundo, seja quando um garoto se fantasia de menina para alguma festa, seja em trotes de faculdades em que os alunos são forçados a desfilar vestidos de mulher. Existe uma noção preconcebida (e preconceituosa) de que homens e saias só podem estar juntos em escoceses, samoanos ou drag queens, como Alisa Gould-Simon apontou num artigo de 2009 para o site The Daily Beast. Numa época de tantos avanços e progressos sociais como hoje, é difícil entender por que algumas peças de roupa são consideradas adequadas para apenas um gênero ou outro.

Os alunos de Gales usaram saias porque não podiam estudar de shorts.

Os alunos de Gales usaram saias porque não podiam estudar de shorts.

Em julho de 2013 dezessete estudantes de Cardiff, em Gales, foram para a escola de saia quando as temperaturas no Reino Unido estavam indecentemente altas. Eles não tinham a opção de vestir shorts –  o uniforme da escola proibia. “Nos últimos dias eu tive dores de cabeça e irritações de pele por causa do calor”, um dos rapazes, Tyrone Evelyn, relatou ao jornal The Daily Mail. “As meninas podem usar saias, então eu não entendo por que nós não podemos vestir shorts.”

Evelyn e seus amigos não queriam nada mais além de poder vestir shorts em dias quentes, mas a diretora da escola não gostou do protesto, deixando-os de castigo e forçando-os a vestir calças compridas. O ato de rebeldia dos garotos foi provocado por causa da falta de conforto, mas frisa a intolerância e o espanto quando homens adotam peças de roupa femininas, como saias ou shorts curtos.

Aqui mesmo no Brasil nós temos alguns exemplos recentes. Há um ano os alunos do colégio Bandeirantes, de São Paulo, promoveram um saiaço em solidariedade a um colega que havia sido mandado de volta para casa ao ir de saia para a escola. Mais recentemente, em fevereiro, o funcionário público André Amaral foi trabalhar de saia: sua repartição estava sem ar-condicionado há quatro anos, e os regulamentos não permitiam que homens trabalhassem de bermuda. Algo que poderia ser tão trivial virou notícia e hit nas redes sociais.

No dia 9 de maio David Colman escreveu um artigo para o The Wall Street Journal entitulado “Um novo cumprimento para as bermudas masculinas”, em que ele relatava a tendência recente dos designers de roupas masculinas em usar menos tecido. A intenção de Colman era escrever um texto sério sobre os comprimentos menores das roupas masculinas e sua presença em grifes como Club Monaco e J. Crew, mas o mantra usado para justificar a notícia, “o verão é curto demais para ficar de calças compridas” faz pensar: por que ele está se esforçando para convencer o leitor do fato de que os homens também podem deixar as perninhas de fora? Para falar a verdade, por que é que se considera essa tendência um fenômeno?

“Shorts curtos nos homens também podem estender benefícios sociais a todos”, Amanda Hess escreveu num artigo publicado no site Slate em resposta à matéria de Colman. “Num mundo em que se destrata os corpos das mulheres como algo ‘perigoso’ e ‘errado’ quando exposto, em que o cumprimento das saias das garotas é controlado em escolas, e em que as autoridades argumentam que essas regras e regulamentos foram instituídos para proteger as meninas dos garotos, permitir que o outro gênero também vista shortinhos implicitamente desmonta essas estruturas sexistas”.

Shorts pequenos – e saias – para homens têm aparecido cada vez mais nas passarelas de moda internacionais, e podem ser encontradas cada vez mais em lojas no exterior. Nós até estamos nos acostumando a vê-las em celebridades. Kanye West tem feito aparições sobre os palcos vestindo várias peças femininas, tentando fazer com que as saias de couro entrem na moda. Isso pode ter se tornado uma onda na internet, mas as roupas presumidamente femininas que West vestiu só nos fez lembrar que alguns dos homens mais famosos (e viris) da história – Kurt Cobain, Mick Jagger, Samuel L. Jackson – já saíram de saias por aí.

A sociedade, porém, ainda tem dificuldade em aceitar que pessoas comuns usem essas peças de roupa “feitas para mulher”.  Talvez os garotos da França, de Gales e do Bandeirantes estejam desbravando o caminho dessa mudança. Talvez, daqui a cem anos, Kanye vai ter razão e homens vestindo saias de couro vão estar no último grito da moda, sem causar qualquer discussão sobre questões de gênero. Quando as roupas realmente precisam ser específicas para cada gênero? Quando chegará o dia em que a moda vai ser nada mais que moda?

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2 comentários

Washington

Mas ninguém questionou isso aqui: “Os alunos de Gales usaram saias porque não podiam estudar de shorts”. Assim como o caso daquele funcionário público carioca citado nesta matéria. Quer dizer, questiona-se essa questão do sexismo e da “padronização” da moda moda para mulheres (“Tire seus padrões do meu corpo!”, berram as feministas), mas nada ou pouco se fala sobre essa questão de homens não poderem usar shorts ou bermudas no trabalho e/ou na escola. Na faculdade, sempre ia de bermuda e gostaria de trabalhar de bermuda também. Não sei o motivo de perna peluda de homem chocar tanto as pessoas :p

Neto

Puro sexismo os homens não serem aceitos em roupas femininas. Eu mesmo adoro calças skinny e as uso com frequência mas percebo certos olhares meio desconfiados por um homem (não-afeminado) estar usando calças justas. E isso apenas com calças, imagino como seria se fosse uma saia…

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