Muita gente reclama que hoje “tudo tem coisa gay”. Estão redondamente errados. LGBTs estão presentes nas mais variadas mídias desde sempre, só acontece que antes tinham que se esconder; agora, nem tanto. Felizmente tem muita gente que garimpa e preserva a história LGBT nas artes, trazendo à tona criações que antes eram marginalizadas e desconhecidas pela maioria das pessoas. Quem estiver em São Paulo nas próximas semanas vai ter a oportunidade de conhecer as pegadas que a diversidade sexual deixou em obras literárias e cinematográficas diretamente de dois desses estudiosos: o cineasta Lufe Steffen (São Paulo em Hi-Fi, A volta da Pauliceia Desvairada) e o escritor Alexandre Rabelo (Nicotina Zero, O Espelho no Escuro).
Durante duas semanas Steffen e Rabelo vão promover no SESC Santana uma oficina em que analisam obras literárias de temática LGBT que foram adaptadas para o cinema. “Discutimos 16 obras durante o curso”, diz Steffen. “Ao longo de oito dias, vamos questionar: o que pretendeu comunicar determinado escritor ou dramaturgo? Como os cineastas se apropriaram dessas questões para se comunicarem com os tempos modernos? Como aparecem as identidades sexuais e afetivas na obra original e na sua adaptação?”. Como aperitivo, o diretor escolheu cinco delas e explicou para o LADO BI por que elas ainda são relevantes para a cultura LGBT.
O Segredo de Brokeback Mountain
direção: Ang Lee (EUA, 2005), baseado no conto de Annie Prouxl (EUA, 1997)
Jake Gyllenhaal e Heath Ledger vivem os jovens cowboys Jack Twist e Ennis Del Mar, contratados para cuidarem de gado na serra que dá título ao filme. Isolados do mundo, o afeto entre os dois atravessa a barreira do amor platônico para o relacionamento íntimo. O filme acompanha o amor entre os dois vaqueiros, condenado à distância e à clandestinidade pelos preconceitos do meio em que vivem.
Por que é relevante: O segredo de Brokeback Mountain é um marco no cinema LGBT mundial: pela primeira vez um filme gay desse nível, na linha cinemão, atingiu o mainstream. A história do amor entre Jack Twist e Ennis Del Mar atingiu um amplo público além das fronteiras da comunidade LGBT, concorreu a oito Oscars e ganhou três.
Cabaret
direção: Bob Fosse (EUA, 1972), baseado no livro Adeus a Berlim de Christopher Isherwood (Inglaterra, 1945)
Em 1966 Bob Fosse transformou Adeus a Berlim num musical da Broadway chamado Cabaret. Seis anos depois, chegava aos cinemas a versão cinematográfica da peça. Nela, Liza Minnelli dá vida a Sally Bowles, uma americana que trabalha como dançarina no famoso Kit Kat Klub, em Berlim. A narrativa acompanha as peripécias amorosas de Sally, que se envolve num triângulo amoroso gay, tendo como pano de fundo o declínio do ambiente hedonista de Berlim e a ascensão do fascismo nazista na década de 1930.
Por que é relevante: Uma obra que fala não apenas da questão gay, mas da intolerância geral, pois situa-se no momento de virada na Alemanha pré-Segunda Guerra, com o nazismo em ascensão. Nem precisa dizer por que o filme está super atual!
Querelle
direção: Rainer Werner Fassbinder (Alemanha, 1982), baseado no livro Querelle de Brest de Jean Genet (França, 1947)
Quando o marinheiro Querelle chega em um bordel na cidade francesa de Brest, descobre que o proprietádio, Nono, propõe um desafio a seus clientes: se ganhar nos dados, leva sua esposa Lysiane para a cama; se perder, é currado por Nono. O protagonista, que já tem uma relação meio incestuosa com o próprio irmão, perde o jogo de propósito. E esse é apenas o começo desse filme surreal.
Por que é relevante: Fassbinder, o rei do cinema gay underground dos anos 70, faz em sua última obra um tratado sobre a bichice masculina, sobre ser ativo ou passivo, sobre a misoginia gay, e antecipa em décadas os atuais adeptos do “bromance” e do “highsexual”.
Morte em Veneza
direção: Luchino Visconti (Itália, 1971), baseado no livro de Thomas Mann (Alemanha, 1912)
O compositor alemão Dirk Bogarde teme ter perdido sua humanidade. Durante uma visita a Veneza, seus temores parecem terem sido infundados quando se apaixona pelo jovem Tadzio. O relacionamento começa a ruir, no entanto, quando Bogarde começa a ficar obcecado com a beleza e a juventude de seu amante. O compositor logo percebe que o rapaz representa o ideal que ele mesmo jamais alcançará.
Por que é relevante: Outra obra básica, que se debruça sobre outro aspecto da cultura gay – a perda da juventude. A paixão platônica da “maricona” Aschenbach pelo ninfeto Tadzio é atual até hoje, e a obsessão pela beleza e juventude no meio LGBT idem.
Os Rapazes da Banda
direção: William Friedkin (EUA, 1970), baseado na peça de Mart Crowley (EUA, 1968)
Michael convida seus amigos para festejar o aniversário de Harold em seu apartamento. Todos são gays, e no meio de tanta viadagem chega de surpresa Alan, um amigo hétero de Michael dos tempos de faculdade. Michael pede para todos se conterem na presença do bróder agatê, mas com o correr da trama o mesmo Michael tenta provar que Alan é um gay enrustido – apenas para perceber, ao fim da trama, sua própria incapacidade de amar.
Por que é relevante: Aparentemente um retrato datado da comunidade gay do fim da década de 1960, revela-se mais atual do que nunca, pois já discutia relacionamento aberto, homofobia internalizada, enrustimento e medo de envelhecer. Nada mais gay.
Oficina de Cinema e Literatura LGBT – Diversidade sexual da palavra escrita à imagem cinematográfica.
Orientadores: Alexandre Rabello / Lufe Steffen. Local: Sesc Santana, em São Paulo, situado à Av. Luiz Dumont Villares, 579. De 9 a 19 de maio, terças a sextas, sempre no período das 19h30 às 21h30. A oficina é gratuita e as inscrições podem ser feitas até na data de estreia da oficina, 09 de maio, somente no local.
Ótimos e instigantes filmes????????????