Lineker

Lineker: “Precisamos começar a pensar em masculinidades, no plural”

Prestes a lançar novo álbum, Lineker utiliza a masculinidade para desestabilizar os padrões de gênero

por Marcio Caparica

Estamos passando por um momento maravilhoso em que vários artistas da música brasileira estão contestando os padrões de gênero e nos presenteando com trabalhos que nos embalam e nos fazem repensar nossas identidades. Os trabalhos de MC Linn da Quebrada, As Bahias e a Cozinha Mineira, Liniker e Rico Dalasam trazem a feminilidade para novos lugares, enfrentando o machismo e a misoginia. Mas a masculinidade também pode ser utilizada para abalar o status quo – como demonstra Lineker no vídeo que lançou na última quinta-feira (3), “Alguém segure esse homem”.

No vídeo, a masculinidade é arrancada de sua posição historicamente estável e aparece em corpos de mulheres e homens trans. Na tela, todos desejam e provocam desejo, ao som de uma batida irregular e hipnotizante e uma letra que ressignifica o tempo todo o que é ser homem e por que razão ele deveria ser segurado – e de que maneira.

O cantor, bailarino, performer, diretor e agora compositor lança amanhã seu terceiro álbum, Lineker. Confira a seguir a entrevista que Lineker concedeu ao LADO BI, por e-mail.

“Alguém segure esse homem” apresenta homens que o público não está acostumado a ver. Usar a masculinidade para sabotar os padrões de gênero é mais difícil?

Eu acho mais difícil sim. Primeiro porque, em nossa cultura, o masculino é o gênero dominante. Desse modo, reforçar qualquer traço de masculinidade pode também ser reforçar o caráter opressivo e dominante ligado à construção social da masculinidade padrão. E aí tem o fato de que o feminino tem uma estética muito mais marcada. Não à toa, quase tudo que reconhecemos como universal, unissex, sem gênero, tende mais para o masculino do que para o feminino. E talvez por isso as pessoas reconheçam muito mais as desconstruções dos padrões que se valem da subversão dos elementos estéticos ligados ao feminino do que daqueles ligados ao masculino. Mas a desconstrução pelo masculino é possível sim, e é a realidade cotidiana de milhares de mulheres lésbicas e homens trans, por exemplo. Por isso mesmo, acredito que seja urgente ampliarmos nossas discussões sobre masculinidades, começando por pensar masculinidade no plural. Pois, de fato, não existe uma masculinidade. Existe uma infinidade de masculinidadeS, e a maioria delas é invisibilizada por nossa cultura cis-heteronormativa.

Você já conhecia os homens trans que participam do vídeo? O que mais o marcou depois do tempo que passaram juntos durante a gravação?

Eu conhecia alguns de vista, mas todos foram indicações super preciosas da Magô Tonhon, do [SSEX BBOX]. A gravação foi um dia muito intenso pra todas as pessoas da equipe, foi um dia de muito afeto e cumplicidade. Para mim os encontros que meu trabalho me proporciona são sempre muito especiais, e esse foi um deles. Fiquei muito encantado com as histórias de cada um, e muito honrado por ter a oportunidade de trabalhar com todos eles.

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Ao cantar que quer superar “Adão e Eden”, você está dizendo que o masculino e o feminino deveriam ter menos importância para a maneira como nos relacionamos uns com os outros?

Talvez. Acho que estou dizendo principalmente que precisamos superar esse mito de que fomos criados para ser alguma coisa. Acredito que as pessoas podem e devem se identificar como e com o que quiserem, que não deve existir uma naturalização ou código de conduta para qualquer experiência humana, seja ela lida como masculina ou feminina.

Gays tendem a perpetuar e fortalecer os padrões de masculinidade, muitas vezes agindo de maneira transfóbica. Como combater esse tipo de atitude?

Eu já pensei muito sobre essa questão, e já vi isso de muitas formas. Acredito que um dos maiores problemas nisso tudo são as hierarquias e opressões que são produzidas pelo falocentrismo e pelo culto à essa masculinidade padrão. Ainda que eu pense que devamos sempre nos questionar em relação a nossos gostos, ao que orienta nosso desejo, entendo que essas construções sejam complexas e nem sempre tão fáceis de se transformar. Por outro lado, se queremos mudar esse quadro, precisamos nos atentar a nossos próprios discursos e ações que, mesmo que indiretamente, possam promover possíveis hierarquias e opressões. Precisamos dialogar mais, conversar mais, questionar mais, principalmente nossas próprias ações e intenções.

Que outras mensagens podemos esperar nas outras faixas do seu disco?

Esse disco é meu primeiro trabalho autoral, é a primeira vez que me coloco de uma forma tão intensa e sincera em um trabalho de música. Trago nele a minha forma de ver o mundo hoje, o que acredito nesse momento da minha vida, e as coisas que tenho urgência em dizer. É um disco antiGOLPE, antiLGBTfobia, antifundamentalismo, anticaretice, anti-heteronormatividade. Ao mesmo tempo é um disco muito espiritual, místico, não no sentido religioso, mas no sentido de uma busca por transcendência, por inteireza, por intensidade. Pra mim é quase um ritual.

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